segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Es.Col.A e o preconceito

Imagine-se um bairro, situado numa zona degradada do centro de uma grande cidade. Nesse bairro existe uma escola, propriedade da autarquia, que foi encerrada há cinco anos. Onde antes se ouviam as crianças, na hora do recreio, passou a reinar o silêncio. E o edifício degrada-se: desocupado e moribundo, não tem perspectivas de voltar a ganhar vida.
Imagine-se também que um grupo de cidadãos, interessados pela cidade em que vivem, pretende fazer trabalho comunitário, junto de pessoas que podem beneficiar do seu apoio. Alguns são empregados dos serviços, outros são professores e outros são gestores. O grupo é ainda composto por reformados, que decidiram preencher o tempo de que agora dispõem ao serviço da comunidade. Tencionam ajudar as crianças nos trabalhos escolares e promover diversas actividades com os moradores do bairro.

Perante o estado de abandono da escola, lembram-se de utilizar o pátio. É aí que se começam a encontrar com os mais novos e a reunir-se com os moradores, definindo em conjunto o que se pode começar a fazer. Há quem queira aprender a jogar xadrez. Há quem queira aulas de dança e sessões de ioga. Há até quem gostasse de saber utilizar um computador.
A pouco e pouco, as salas da escola abandonada vão acolhendo as diferentes actividades. Para as despertar da letargia em que se encontravam fazem-se pequenas obras. Substituem-se vidros partidos e colocam-se telhas novas nos sítios onde chove. Pintam-se paredes e arranjam-se algumas portas. A dado momento, pode já começar-se a pensar em criar uma pequena biblioteca, projectar filmes e abrir um espaço com computadores. As reuniões com os moradores começam a ter lugar entre muros, no edifício revitalizado.

A autarquia constata, entretanto, que a escola desocupada deixara de o estar. Apercebe-se das actividades que aí têm lugar e descobre uma coisa rara: essas actividades não são o menu definido por «técnicos sociais» encartados, tantas vezes especialistas em saber de antemão o que as pessoas precisam, mas sim o fruto de decisões colectivas e participadas. O ponto de encontro entre as competências dos voluntários e os interesses da comunidade.
Surgem, naturalmente, problemas jurídicos: é necessário que a «ocupação da desocupação» esteja dentro da lei. O grupo de voluntários – e a própria população do bairro – compreendem isso. É preciso que se constitua uma associação e, por força das leis vigentes, que a cedência do espaço pela autarquia implique o pagamento de uma verba simbólica. Tal como importa, também, que se celebre um contrato entre as partes, de modo a formalizar – afinal – tudo o que até aí foi sendo concebido e materializado de modo espontâneo, democrático e informal.

A autarquia, longe de equacionar o cenário de despejo (e muito menos o de um despejo coercivo), quer facilitar todo o processo. Porque – coincidência das coincidências – estava justamente em estudo, nos gabinetes da câmara, a possibilidade de reconverter o edifício da antiga escola num centro comunitário. Até já havia uma dotação prevista no orçamento, com uma parte destinada a obras de recuperação e outra parte destinada a remunerar a associação que ali se quisesse instalar, com o compromisso de desenvolver o projecto concebido para o bairro, no período de tempo previsto. Bastava acertar agulhas e ultrapassar as questões legais.

(Esta não é a história da Es.Col.A do Bairro da Fontinha. E não o é, essencialmente, por duas razões: porque na história da Es.Col.A do Bairro da Fontinha – que ainda não terminou – alguns dos seus protagonistas diferem do perfil aqui descrito. E porque, por isso, o preconceito e o atavismo – que nada devem à inteligência – contaminam o modo como o executivo de Rui Rio continua a encarar a Es.Col.A. O discurso que tece loas à iniciativa da «sociedade civil» e ao «empreendedorismo social» é uma retórica selectiva: não se aplica a todos).

Adenda: Não deixem de ler o relato, pessoal e felizmente transmissível, da Gui Castro Felga sobre a «operação» de despejo da Es.Col.A da Fontinha.

(Publicado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

sábado, 21 de abril de 2012

Moção de solidariedade com a Escola do Alto da Fontinha


Texto aprovado ontem, na Cantina da Cidade Universitária de Lisboa. 

«Cerca de 200 pessoas, reunidas no jantar comemorativo do 38º aniversário do 25 de Abril, não podem deixar de exprimir o seu veemente protesto em relação aos acontecimentos ontem verificados, no Porto, com o desmantelamento do Projecto Es.Col.A do Alto da Fontinha. 

Onde e quando se esperava que os responsáveis da autarquia apoiassem e incentivassem uma iniciativa cidadã a todos os títulos notável, assistiu-se a uma acção brutal e destruidora. 

Não foi para isto que foi feito o 25 de Abril, não é esta a democracia por que lutámos e que queremos continuar a defender.»

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Solidariedade com a Es.Col.A: Próximas manifestações em Lisboa

As próximas concentrações em Lisboa, em solidariedade com a Es.Col.A da Fontinha e de repúdio pelo despejo:















Hoje, sexta-feira: 18h no Lag. de Camões
Amanhã, sábado: 19h no Lg. de Camões

Não se pode despejar uma ideia!

O centauro e os okupas


Hoje, a força bruta irrompeu violentamente por um projecto social digno de apreço. A violência física usada contra a Es.Col.A não tem desculpa. Tal como não devia ter a violência hegemónica que lhe veio associada.
Quíron, o centauro inteligente, é a figura que Maquiavel utiliza para mostrar a natureza dupla do poder político: força “animal” e astúcia “humana”, o mesmo que Gramsci traduz como coerção e consentimento.
Hoje o centauro percorreu o Porto e o país. E sentiu-se a violência da expressão manhosa das palavras.
Claro que nem todos os meios de comunicação social reagiram da mesma forma e houve coberturas informativas interessantes do que se passou.
Mas de manhã, escrevia o JN, na linguagem atabalhoada de uma notícia em actualização que já não se encontra disponível, qualquer coisa como: a polícia entrou na Es.Col.A para acabar com confrontos entre a polícia e os ocupantes. A estranheza do raciocínio, que acabou por ser corrigido, indicava desde logo um culpado sem apelo nem agravo e a acusação de que os exaltados comeram e não calaram.
E a expressão “confrontos”, que outras notícias de outros meios informativos foram repetindo ao longo do dia, faz o mesmo trabalho branqueando a violência da acção policial (desde a desocupação pela força à destruição cínica de todo de apoio às actividades desportivas e culturais) requerida por Rui Rio.
E mais até do que o processo interessa-me a caracterização dos protagonistas. As televisões, a SIC no noticiário da hora de almoço e a RTP no da hora de jantar colocavam ostensivamente nas suas telas a expressão “okupas”.
Eu até gosto da expressão “okupas” e penso que seria um bom dia para passar o documentário do João Romão. Só que a expressão, neste contexto, parece procurar ter como efeito a estigmatização e a marginalização do projecto da Fontinha. Parece desta forma legitimar a violência por outra forma já que ela não foi feita contra nós, pessoas normais, cidadãos honrados, mas contra os outros, umas pessoas esquisitas que sabe-se lá que interesses escondem e o que querem verdadeiramente fazer com aquilo…
Quem não viu já nas manifestações, as câmaras procurarem desesperadamente alguém que um visual digamos, para simplificar, “alternativo”?
O cinismo da manobra é deixar a conclusão por tirar quando ela já lá está mais que pronta a servir para o senso comum mais reacionário. Os espaços em branco que deixam parte da história por contar podem ser preenchidos pela imaginação. O fluxo informativo imparável, o limiar de atenção e o esquecimento farão o resto anulando informações que possam contradizer a imagem negativa.
Assim é a força do preconceito. Assim é a violência da informação que o alimenta.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Invasão Policial e Despejo da Es.Col.A

Texto para copiar, adaptar, assinar, viralizar e enviar às autoridades responsáveis pelo despejo de hoje:


A Es.Col.A é um espaço colectivo auto-gerido, situado no bairro da Fontinha, no Porto. Há pouco mais de um ano, um grupo de activistas ocupou o edifício de uma antiga escola, há muito abandonado e degradado. Recuperaram o espaço, limparam-no, fizeram os arranjos necessários e abriram-no à população carenciada daquele bairro. Desde então há uma programação diária, com actividades culturais e desportivas para todos os membros da comunidade.

A Câmara Municipal do Porto (CMP) atribuiu o espaço à Es.Col.A, com a condição de esta se constituir como associação, o que aconteceu rapidamente.

Esta manhã, a mesma Câmara Municipal deu ordens à polícia para invadir e expulsar violentamente os activistas ali presentes. A polícia não se coibiu de agredir e prender pessoas que se encontravam no local (com autorização da CMP, recorde-se). As imagens mostram grande violência.

Vimos por este meio exigir às autoridades competentes — Câmara Municipal do Porto e Ministério da Administração Interna — a investigação do sucedido no dia 19 de Abril de 2012 na Es.Col.A da Fontinha. Não é admissível a violência policial sobre cidadãos pacíficos, nem o desalojamento arbitrário de uma associação de um espaço cedido pela própria CMP. Depois de desalojar, a polícia destruiu o património que se encontrava no interior do edifício, que pertence à associação e entaipou a escola.

Para esta operação, a PSP convocou bombeiros profissionais alegadamente para um simulacro, utilizando estes profissionais de forma ilegal e típica apenas de regimes ditatoriais. A operação foi já condenada pelo Sindicato Nacional de bombeiros Profissionais.


A Es.Col.A tornou-se vital para os moradores do bairro da Fontinha! Exigimos a reabertura imediata das instalações, a libertação dos activistas presos e a continuação da actividade e programação da Es.Col.A!

Não se pode despejar uma ideia!



Destinatários possíveis:
Câmara Municipal do Porto 
Presidente: presidente@cm-porto.pt
Geral: geral@cm-porto.pt
Gabinete de imprensa: imprensa@cm-porto.pt
Gabinete do munícipe: gabinete.municipe@cm-porto.pt

Ministro da Administração Interna: miguel.macedo@mai.gov.pt

Empreendedorismo cidadão: A Es.Col.A


Em Abril de 2011, um grupo de cidadão ocupou um prédio devoluto, antiga escola, desactivada, pertencente à Câmara Municipal do Porto. Nesse edifício, depois de o reabilitarem, criaram um espaço onde a população do bairro do Alto da Fontinha se pode reunir e onde se desenvolvem actividades desportivas e culturais, sessões de acompanhamento de estudo e tudo o mais que a população local achar necessário. Chamaram-lhe, simbolicamente, a Es.Col.A. A história da Es.Col.A no último ano está amplamente descrita no blogue da associação: http://escoladafontinha.blogspot.pt
As câmaras municipais, como qualquer órgão de gestão pública, não são donas dos bens que pertencem ao Estado. São entidades eleitas pelos cidadãos, para gerirem o património que pertence a todos nós, de modo a que todos nós beneficiemos.
A Es.Col.A não é mais que aquilo que nós todos conhecemos como colectividades recreativas, associadas a juntas de freguesias. A diferença é que esta colectividade foi criada directamente pelos cidadãos, que tomaram nas suas mãos fazer aquilo que competia à Câmara Municipal do Porto promover.
Agora, a CMP resolveu recuperar o edifício (apesar de o ter cedido à associação). Lembraram-se de que eram donos do local e de que se alguém tem de beneficiar com ele é a Câmara. Enviaram a polícia de intervenção, que invadiu o espaço, deteve e agrediu cidadãos que nele se encontravam. Não contentes com isso, dedicaram-se a destruir todas as infraestruturas que a associação lá tinha (que incluíam, por exemplo, aparelhos de manutenção física). Por fim, entaiparam o local. 
Até quando vai este prédio ficar ao abandono? Tem a CMP, realmente, projectos para ele? Se assim for, porque não propor à Es.Col.A um outro espaço, conveniente para todos?
A Es.Col.A estava a prestar um verdadeiro serviço público. Pelos vistos, aos olhos dos nossos governantes, o empreendedorismo só deve ser enaltecido quando tem objectivos privados; o empreendedorismo dos cidadãos e para os cidadãos envergonha-os, pois põe em evidência toda a sua inércia naquilo para que o povo os elegeu.

Manifestação de Solidariedade com a Es.Col.A da Fontinha

Hoje, 19 abril, Lisboa 18h30: Rossio 20h: Largo de Camões NÃO SE PODE DESPEJAR UMA IDEIA!

Joelhadas na Es.co.la: a democracia segundo Rui Rio


http://www.jn.pt/multimedia/galeria.aspx?content_id=2429565
Foto José Carmo/Global Imagens para o JN


Cliquem na foto do tipo de dentes cerrados para ler as actualizações do JN.

No i, relata-se isto: "De acordo com a jornalista do i que se encontra no local, o que causa "mais impressão é a diferença de escala da polícia em relação às pessoas". "A diferença de escala é brutal em termos de quantidade de polícias com o que eles estão a combater", refere a jornalista acrescentando: "É polícia para uma manifestação de milhares de pessoas". O carro do repórter de imagem do i sofreu "algumas amolgadelas", afirma a jornalista. A jornalista refere mesmo que uma rapariga foi atacada pela polícia com taser."

Agora usam tasers à frente de jornalistas. E o 25 de Abril aí a chegar.

URGENTE! O Es.Col.A Está a Ser Despejado!

(em actualização)

ALERTA UNCUT!!!!!! URGENTE!
O projecto Es.Col.A no Alto da Fontinha (Porto) está a ser despejado neste momento pela polícia. 
Apelamos a todos os que estejam perto da Fontinha para apoiar a resistência.
Apelamos a todos os outros para enviar e-mails de protesto para presidente@cm-porto.pt
A Câmara Municipal do Porto, ao não ter cumprido com o acordado, está a tentar matar algo que reabilita a zona do centro do Porto e que tem o apoio da população.
O Es.Col.A não será nunca despejado, porque não se pode despejar uma ideia. # PT Uncut


update 10h20:
A malta q estava no patio em sit in pacifico ja está presa na sala ao lado da cozinha. Ha resistencia no edificio. Policia d intervençao armada ate aos dentes. Ultrapassaram a barricada a porta passando as grades com escadas. Desfizeram a barricada por dentro e prenderam o pessoal. Ouço rebarbadeiras la em cima. Venham concentrar se a porta do es.col.a., não deixem despejar esta ideia


update 10h50:
Polícia impede jornalistas de ver o que se passa. Relatos de choques eléctricos e tasers. 2 pessoas detidas.  100 polícias para 20 activistas. Acesso barrado ao edifício.


update 11h40:
"Usaram pistolas taser, bateram em alguns de nós, revistaram-nos à força, arrastaram umas 30 pessoas que lá estavam para fora. O bairro tá todo cercado. Grande concentracao de moradores a seguir as llinhas policiais. Decidimos ir protestar para a câmara. Venham la ter." (Gui Castro Felga)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Decisões a 6 de Maio

As eleições legislativas antecipadas estão marcadas. 6 de Maio. Lukas Papademos não perdeu tempo e iniciou a campanha eleitoral na declaração feita ao povo helénico:
"As escolhas que fizermos não determinarão apenas o governo formado após a eleição, mas o percurso da Grécia nas próximas décadas".
Samaras e Venizelos devem ter esfregado as mãos de contentes. É que, de acordo com as últimas sondagens, uma coligação PASOK+ND obterá 32 a 35% dos votos. Uma coligação insuportável num parlamento totalmente balcanizado. Numa altura em que se fala do terceiro empréstimo sob condicionalidade estrita à Grécia e no primeiro empréstimo ao Estado Espanhol, aproximam-se, lembrando a China, tempos interessantes.  Já sabemos que a trajectória institucional grega é insustentável (para quem ainda preza o processo democrático) e o regime grego transitou para uma pós-democracia* de instituições extractivas.

Neste blog, já insistimos várias vezes nisto: o Estado-fénix nascente das cinzas do regime de acumulação neoliberal não é um Estado esvaziado. A Grécia é um exemplo disto: está a nascer um Estado-leviatã que irá acelerar a transferência de riqueza para o ápice da nova pirâmide social e a deposição do risco nas regiões penumbrentas do mundo social. O número de suicídios e o consumo de ansiolíticos são efeitos colaterais de um conjunto de abalos sísmicos nas estruturas sociais e políticas gregas - e todos os países europeus são a Grécia, porque as pressões pós-democráticas destroçaram os equilíbrios institucionais que garantiam a legitimidade automática da democracia representativa liberal (de mercado, dir-se-á) e essas pressões são globais (o último livro de Jamie Galbraith sublinha-o de forma arrasadora). E é importante observar como se eclipsaram os tribunais constitucionais em toda a periferia europeia, contrastando com a veneração crescente ao tribunal constitucional alemão.

É isto que está em causa a 6 de Maio, apesar de, previsivelmente, Aleka Papariga e Alexis Tsipras preferirem cerrar fileiras em torno das suas bases num combate que, sejamos pragmáticos, não podem ganhar sós.

A democracia vai espirrar. Veremos se é desta que a escumalha tecnocrata apanha uma pneumonia e vai para um sanatório.

*Vale a pena ver esta entrevista a Colin Crouch, um dos mais perspicazes intérpretes mainstream do neoliberalismo tardio.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

"A solução? Sugar-lhes o tutano." (Troika)

A Alfredo da Costa é encerrada pouco depois de um farmacêutico reformado dar um tiro nas têmporas, gritando "não quero deixar dívidas aos meus filhos!". O Tribunal Constitucional português fez jurisprudência ao aceitar os cortes salariais e vai aceitar a proibição das reformas antecipadas, num movimento escondido e opaco do governo que pretendeu "limitar os pedidos". Nos jornais, há quem afirme que os jovens licenciados portugueses não servem para nada.

Entretanto, o terceiro relatório do FMI demonstra, com a clareza do costume, que o negócio do Fundo não é outro além de fazer previsões absurdas e responsabilizar outrém pela sua incompetência. Na Irlanda, os LTROs do Banco Central Europeu estão a tornar a National Assets Management Agency irrelevante: o passivo dos maiores bancos irlandeses continua a acumular e um novo colapso é iminente.

O desemprego? Um gráfico que assusta os verdugos de Frankfurt e Bruxelas:


E outro, que também os assusta (porque ouvem o apelido Bouazizi e parece, diz que, houve quem ouvisse, que há gente a matar-se na Europa, esse continente prenhe de civilidade):


Vemos tudo isto a acontecer. Os abalos sísmicos começam a tornar-se agudos. Pequenos sinais. Aumento de impostos indirectos sobre o rendimento. Descida dos impostos sobre o capital. Repressão salarial. Expansão do crédito ao consumo. Repressão de sindicatos. Explosão do aparato repressor do Estado. Privatização maciça de serviços essenciais e monopólios naturais. Financeirização do poder e das representações da virtude - a oligarquia como novo ideal platónico. Imposição de regimes pós-democráticos e protectorados de leviatãs tecnocráticos. Ascensão de sociopatas através de incentivos institucionais e sociais (Pedro Mota Soares e respectivos algozes já o mostraram, à saciedade). Explosão das desigualdades e esvaziamento da ideia de igualdade política.

Tudo isto aponta para um fenómeno: acumulação por expropriação. É preciso acumular? Aumentem-se os impostos, mas mantenham-se os paraísos fiscais. Baixem-se os salários e aumente-se a oferta de crédito. Expropriem-se os seres humanos e encham-se os cofres. Ninguém se queixa? Melhor. Mais carga. Mais duro, especialmente se estiverem longe de Paris ou Berlim.

Há um senhor de barbas (não é esse) que oferece uma explicação (com base nesse):


É preciso não desumanizar Dimitris Christoulas. Porque as tentativas vão surgir, como surgem sempre: era um alienado, um desadequado, um ínvio esquerdista. Vão tentar apagar tudo e manter o verniz. É preciso parar e pensar. A austeridade tem rostos. O rosto de quem a ama e o rosto de quem é violado por ela. Não podemos esquecer-nos disso. Para além da conversa teórica (mea culpa). Porque este caminho não é insustentável, ao contrário do que se diz. É sustentável. É o rumo certo, direitinho, de um novo totalitarismo.

E se, há uns meses, achava a afirmação excessiva, hoje já não acho. Basta ler o novo tratado fiscal, que ilegaliza a possibilidade de uma economia mista e inaugura um novo tipo de fundamentalismo constitucional, uma nova religião de Estado - ao mesmo tempo que se critica o Irão e a Arábia Saudita. E mais austeridade, porque ainda não sofremos que chegue. Se sofremos, temos solução. Ou nos tornamos empreendedores ou...
O cruel, needless misunderstanding! O stubborn, self-willed exile from the loving breast! Two gin-scented tears trickled down the sides of his nose. But it was all right, everything was all right, the struggle was finished. He had won the victory over himself. He loved Big Brother. (George Orwell, 1984

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A tragédia do austeritarismo. Nota de suicídio de um pensionista Grego de 77 anos.

Esta manhã às 9h, um pensionista de 77 anos suicidou-se a tiro na praça Syntagma em Atenas, Grécia.

Alguns media noticiaram o facto mas poucos mencionaram a nota de suicido abaixo.


Porque a minha idade me impede de assumir uma acção radical (se não fosse isso, se um cidadão decidisse lutar com uma Kalashnikov, eu seria o primeiro a segui-lo), não me resta nenhuma solução excepto colocar um fim decente à minha vida antes de ser forçado a procurar comida nos caixotes do lixo e de ser um peso para os meus filhos.

Eu acredito que a juventude sem futuro brevemente se erguerá [ele literalmente diz: “empunhará armas”] e enforcará todos os traidores nacionais de cabeça para baixo, como os Italianos fizeram a Mussolini em 1945 [Piazzale Loreto, Milão]."