"It’s actually undisputed among economists worldwide that one of the main causes – if not the main cause – of the turbulence – not just now, but already in 2008 – was excessive public debt everywhere in the world".
Em português:
"Na verdade, há um consenso entre economistas de todo mundo de que uma das causas fundamentais - se não a causa fundamental - da turbulência - não apenas agora, mas já em 2008 - foi o excesso de dívida pública à escala mundial".
Vejamos, portanto:
Ou seja,
- a dívida privada não existe;
- o Estado de bem-estar corporativo não existe;
- a crise dos modelos de governo societário também não existe;
- o Lehman Brothers não faliu e o Dick Fuld é o gajo mais honesto de sempre, a seguir ao Ken Lay;
- a Fitch, a Moody's e a S&P não reclassificaram milhares de títulos prime como lixo em poucos dias;
- as leituras estúpidas de Adam Smith e Friedrich von Hayek são muito espertinhas;
- a porta rolante entre a indústria financeira e a esfera política não gera corrupção e, mesmo que gerasse, bastava fechar os Estados e privatizá-los, porque a culpa é da coisa pública, por defeito e porque a teoria manda;
- os mercados são eficientes e as fadas más do socialismo querem aprisionar os pobres dos banqueiros;
- o capital também é gente, e gente pobre, pelo que não vale taxá-lo;
- o Américo Amorim é, definitivamente, um trabalhador assalariado.
Em suma, ligar à realidade está fora de moda. O que interessa é balbuciar uma narrativa que atice o populismo e a deriva conservadora. Venham os votos e a realidade que vá bardamerda. De caminho, um cargo de administração não-executiva (ou, se a lata for muita, administração executiva no mesmo sector do qual se ocupou enquanto titular de cargo público).
Das duas uma: ou o Eurostat está errado, ou Wolfgang Schäuble, militante da CDU, gosta mais de Stalin do que prefere admitir. O governo alemão parece, de resto, estar a especializar-se na reescrita acelerada da história. Vejam as declarações do bobo da corte Westerwelle acerca da Líbia, assim que a corrida ao petróleo (re)começou.
É esta a narrativa com que lidamos. A história reescrita em três anos. Como li em qualquer lado, a transformação do New Deal em acelerador da Grande Depressão demorou 30 anos a emergir. Agora, estes líderes, conservadores e progressistas, à esquerda e à direita, insistem que a realidade é irrelevante, apesar de podermos usar o Google e dois minutos do nosso tempo para desmontar atoardas de baixo calibre. São estas as elites que compõem odes à austeridade. Revelam, paulatinamente, que a democracia não pode ser um imperativo; não, o imperativo é a águia bicéfala da competitividade e eficiência no mundo globalizado. Serão estes os coveiros das estruturas democráticas que demorámos séculos, com sangue, suor e lágrimas, a conquistar.
Em Portugal, o inefável Álvaro e a inenarrável dupla Vítor e Vítor também gostam desta narrativa. Um diz não saber o que é um neoliberal; os outros praticam taumaturgia, tal como lida nos tomos do taumaturgo-mor Milton Friedman. Não me admirarei se, daqui a uns anos, o taumaturgo Vítor, agora alquimista das Finanças, responder à pergunta "Como é que saímos desta depressão?" com "Puff, faz-se o Chocapic". Realidades...
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