quinta-feira, 30 de junho de 2011

Por iniciativa de Mikis Théodorakis, um apelo dos cidadãos gregos às cidadãos da Europa

« Nós saudamos as dezenas de milhares, as centenas de milhares dos nossos concidadãos, a maior parte jovens, que se juntaram nas praças de todas as grandes cidades para manifestar a sua indignação aquando da comemoração do memorando (acordo assinado entre o governo grego, a UE, o FMI e o BCE, em Maio de 2010 e desde então regularmente renovado), exigindo a partida do governo da Vergonha e de todos os políticos que geriram o bem público, destruindo, roubando, e escravizando a Grécia. O lugar de todos estes indivíduos não é no Parlamento, mas na prisão.

Nós saudamos as primeiras Assembleias gerais decorridas nos centros das nossas cidades e a democracia directa que, num movimento inédito, a nossa juventude se esforça por descobrir. Nós saudamos os trabalhadores da função pública que realizaram manifestações, greves e ocupações para defender um Estado que, mais do que o desmantelamento previsto pelo FMI, necessita desesperadamente de um aperfeiçoamento e de reformas radicais. Nas suas mobilizações, os trabalhadores da Hellenic Postbank, da Companhia nacional de electricidade e da Sociedade pública da lotaria e das apostas desportivas defendem o património do povo grego que os bancos estrangeiros querem pilhar através do seu governo fantoche em Atenas.

O pacifismo exemplar destas manifestações demonstrou que, quando a polícia e os agentes provocadores não recebem ordem para intervir, o sangue não corre.  

Nós apelamos aos polícias gregos para que não sejam os instrumentos das forças obscuras que certamente hão de procurar, a um dado momento, reprimir através do sangue dos jovens e dos trabalhadores. O seu lugar, o seu dever e o seu interesse é estar ao lado do povo grego, dos protestos e das reivindicações pacíficas destes, ao lado da Grécia e não das forças obscuras que ditam a sua política ao governo actual.

Um ano após a aprovação do memorando, tudo parece demonstrar o seu falhanço. Após esta experiência, não nos podemos permitir mais a mínima ilusão. A via que foi tomada e continua a ser seguida pelo governo, sob a tutela dos bancos e das instâncias estrangeiras, da Goldman Sachs e dos seus funcionários europeus, conduz a Grécia à catástrofe. É imperativo que isso pare imediatamente, é imperativo que eles partam imediatamente. Dia após dia, as suas práticas revelam a sua perigosidade para o país. É espantoso que o procurador geral não tenha ainda intervindo contra o Ministro da Economia e das Finanças, após as recentes declarações feitas por este último sobre a iminência da bancarrota e a falta de recursos orçamentais. Porque é que ele não interveio no seguimento das declarações do presidente da Federação dos patrões da indústria e da comissária europeia grega Mari Damanaki sobre uma saída do euro? Porque é que ele não interveio contra o terrorismo em massa pelo qual um governo na bancarrota, sob o diktat da Troika [UE - FMI - BCE], tenta uma vez mais extorquir o povo grego? Pelo seu catastrofismo, pelas suas alusões trágicas, e tudo o que eles inventam e invectivaram para assustar os gregos, eles conseguiram humilhar o país perante o mundo inteiro e conduzi-lo realmente até à beira da bancarrota. Se um dono de uma empresa se exprimisse da mesma forma que o Primeiro ministro e os seus ministros quando eles falam da Grécia, ele se encontraria imediatamente nas barras dos tribunais por delapidação grave.  

Nós dirigimo-nos também aos povos europeus. O nosso combate não é apenas o da Grécia, ele aspira a uma Europa livre, independente e democrática. Não creiam nos vossos governos quando eles fingem que o vosso dinheiro serve para ajudar a Grécia. Não creiam nas mentiras grosseiras e absurdas dos jornais comprometidos que querem convencer-vos que o problema se deve à preguiça dos gregos, apesar destes, e de acordo com os dados do Instituto estatístico europeu, trabalharem mais que todos os outros europeus!

Os trabalhadores não são responsáveis pela crise; o capitalismo financeiro e os políticos que estão às suas ordens é que a provocaram e a exploram. Os seus programas de "resgate da Grécia" apoiam somente os bancos estrangeiros, aqueles precisamente que, por intermédio dos políticos e dos governantes que estão a seu soldo, impuseram o modelo político que conduziu à crise actual.

Não há outra solução se não uma reestruturação radical da dívida, na Grécia, mas igualmente em toda a Europa. É impensável que os bancos e os detentores de capitais responsáveis pela crise actual não desembolsem um cêntimo para reparar os danos que eles provocaram. Os banqueiros não devem ser a única profissão segura do planeta!

Não há outra solução se não substituir o actual modelo económico europeu, concebido para gerar dívidas, e regressar a uma política de estímulo da procura e do desenvolvimento, a um proteccionismo dotado de um controlo drástico da Finança. Se os Estados não se impõem aos mercados, estes últimos engolem-nos, ao mesmo tempo que a democracia e tudo o que a civilização europeia alcançou. A democracia nasceu em Atenas quando Sólon anulou as dívidas dos pobres face aos ricos. Não se deve permitir que, hoje em dia, os bancos destruam a democracia europeia, e que exturcam as somas gigantescas que eles mesmos criaram sob a forma de dívidas. Como é que se pode propor a um antigo colaborador da Goldman Sachs que dirija o Banco Central Europeu? Que género de governantes, que género de políticos dispomos nós na Europa?  

Não vos pedimos que apoiem o nosso combate por solidariedade, nem porque o nosso território foi o berço de Platão e Aristóteles, Péricles e Protágoras, dos conceitos de democracia, de liberdade e de Europa. Não vos pedimos um tratamento de favor porque nós sofremos, enquanto país, uma das piores catástrofes europeias nos anos 1940 e porque lutámos de forma exemplar para que o fascismo não se instalasse sobre o continente.

Nós pedimo-vos que o façam no vosso próprio interesse. Se vós autorizais hoje o sacrifício das sociedades grega, irlandesa, portuguesa e espanhola sob o altar da dívida e dos bancos estará para bem próximo a vossa vez. Vós não podeis prosperar no meio das ruínas das sociedades europeias. Nós atrasámo-nos, mas nós acordámos. Construamos juntos uma nova Europa; uma Europa democrática, próspera, pacífica, digna da sua história, das suas lutas e do seu espírito.

Resisti ao totalitarismo dos mercados que ameaçam desmantelar a Europa transformando-a em terceiro mundo, que põe os povos europeus uns contra os outros, que destrói o nosso continente suscitando o regresso do fascismo. »

O Comité Consultor do Movimento de Cidadãos Independentes, "A Centelha" [ L’Etincelle ] criado por iniciativa de Mikis Theodorakis.




Grécia aqui ao lado

Entre tudo o que se está a passar na Grécia há algo que me magoa particularmente. Que estes espanquem estes quando deviam estar ao lado deles, exactamente pelas mesmas razões, ao invés de acatarem as ordens destes que se riem face à desgraça do povo. Pensem: foi para isto que escolheram a profissão? Não acredito.

A luta contra a austeridade é uma luta de todos, incluindo dos policias que também sofrem na pele o efeito das medidas neoliberais recessivas. Aliás, as forças de segurança deveriam ser as primeiras a proteger-nos da violência dos opressores que subjugam à pobreza milhares de pessoas, aumentando directa e indirectamente a criminalidade, a segregação, a fome e a miséria.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Desemprego: a última das prioridades

A leitura do programa do novo governo por quem esteja desempregado/a resulta numa experiência algo deprimente. O programa não traz muitas novidades, é verdade, não é mais do que uma exultação do acordo firmado com a Troika (CE/FMI/BCE), procurando concretizar as medidas mais imediatas. Uma versão mais completa pode ser encontrada no Programa de Ajustamento Económico para Portugal (PAEP), publicado também ontem, mas no site da Comissão Europeia (CE). Diz o programa de governo (pp. 7): a austeridade na despesa do Estado, sujeita a modelos de eficiência, virá a constituir, a prazo, uma alavanca para a melhoria da produtividade, para o incremento do potencial de crescimento e para a criação de emprego. Pressupõe que a política de austeridade, mais do que inevitável, é uma condição para o relançamento económico, pois é o passaporte para ganhar acredibilidade perdida junto aos investidores internacionais, esse sim o objectivo primordial (pp.16) do programa. A criação de emprego está assim subordinada a esse objectivo, para o qual é necessário:
  1. Reduzir a médio prazo a dívida publica, estabelecendo como prioridade a diminuição do peso do Estado, nomeadamente através da redução de pessoal e através de um desenfreado programa de privatizações. Isto significa que o Estado renunciará aos direitos especiais enquanto accionista (Golden Shares), e inclui a privatização total da EDP e da REN, da TAP, da ANA e de vários sectores da Caixa Geral de Depósitos, nomeadamente o dos seguros. Está prevista ainda a privatização dos CTT, segundo o modelo definido no acordo com a Troika. Não tenho dúvidas de que estas medidas agradam aos “mercados”, visto que lhes abrem os horizontes de negócio, mas não sei se estes as considerarão suficientes e tenho muitas dúvidas que venham a criar emprego. Pelo contrário, reforçam a tendência verificada de forte retracção do emprego público e reduzem em muito a capacidade de intervenção pública no mercado.
  2. Estabilização do sistema financeiro. Curiosamente, este é um dos objectivos fundamentais assumidos pelo PAEP e nos compromissos com a troika e que aparentemente parece ter-se eclipsado no programa de governo. Pretende-se abordar, de forma imediata, as “vulnerabilidades” do sector privado, garantindo uma desalavancagem ordeira e equilibrada. Um dos elementos chave dessa desalavancagem passa pela capitalização da banca e inclui um fundo de apoio à solvabilidade no valor de 12 mil milhões. A não inclusão deste ponto no programa apresentado no parlamento parece um mau indicador quanto a preocupações com a transparência e ao respeito do novo governo por esse órgão de soberania.
  3. Finalmente, a cereja no bolo consiste numa série de reformas estruturais. Um dos objectivos chave destas reformas é aumentar o crescimento do PIB através do estímulo à produtividade e à utilização de mão-de-obra. No programa de governo fala-se em modernização, no PAEP publicado pela CE fala-se em flexibilização. O programa de governo fala na criação de “sistema dual” no mercado de trabalho, em que será introduzida um novo regime contratual sem afectar os contratos (pp. 26). Esta formulação é algo estranha visto que segmentado já o mercado de trabalho português é. Os programas visam, não só usar os cortes salariais na função pública para pressionar umamoderação salarial no sector privado - desiluda-se que ainda vai na conversa dos privilégios dos funcionários públicos -, como levar a cabo uma profunda reforma do mercado de trabalho, que agravará esta segmentação para depois nivelar por baixo, adoptando um único tipo de contrato de trabalho, de tempo indeterminado, mas facilitando a possibilidade de despedimento, através de uma redefinição do conceito de justa causa. Como questionam, e bem, @s Precári@s Inflexíveis, será que estamos a assistir ao início do fim dos contratos a termo, ou ao fim dos contratos com direitos?
O programa inclui ainda uma abordagem cautelosamente equilibrada para mitigar os impactos sociais dessas medidas, ou seja, as políticas sociais - dada a sua importância abordarei num outropost. Por agora, assinalo apenas como estão desenhadas as prioridades económicas deste programa: primeiro fazer recuar a capacidade de intervenção pública na economia, estabilizar o sistema financeiro e reestruturar a economia através da precarização das relações laborais; depois disto tudo virá, se possível, se houver crescimento, a criação de emprego. É por isso que considero que as estimativas de desemprego apresentadas pela Comissão Europeia [2011/2015 – 12,2%; 12,9%; 12,4%; 11,6%; 10,6%] ou são irrealistas ou são desonestas, e parecem naturalizar a desistência [de procura de emprego] de uns e entrada precária no mercado de trabalho de outros – afinal, nem contabiliza os desencorajados, nem o subemprego.
Apesar da palavra desemprego ser recorrente em ambos os documentos, quem está desempregado/a pode tratar de (des)esperar sentado: depois de ver a banca repetidamente resgatada e os seus direitos de protecção social a serem progressivamente corroídos, será utilizado/a como arma de arremesso para a precarização da situação de quem tem emprego. Em suma, parece ser claro que o direito ao trabalho é, cada vez, mais uma fabulação nas políticas governamentais: para arranjar emprego teremos de disputá-lo com quem o tem ou regateá-lo com empregadores. Na verdade, estamos à rasca e tudo indica que assim continuaremos. Até quando?

Também publicado em ensaio sobre o desemprego

terça-feira, 28 de junho de 2011

A economia em dois minutos

Auditorias à Dívida Pública: Uma Alternativa aos Planos de Resgate

por Enric Llopis | Attac Mallorca

O dogma neoliberal impõe, infalivelmente, aos países que enfrentam dificuldades em lidar com a sua dívida, pública ou privada, planos de resgate e cortes sociais, como condição para aceder a novos empréstimos. Estes princípios da ortodoxia liberal, defendidos até às últimas consequências por instituições como o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Central Europeu, são bem conhecidos nos países dependentes da África e da América Latina, cujas populações os sofreram na pele. A disciplina social ligada à crise da dívida estende-se agora aos países da periferia europeia: Grécia, Irlanda e Portugal, para já.
Para os economistas do sistema, não há alternativa. No entanto, organizações como o Comité para a Anulação da Dívida Externa do Terceiro Mundo (CATDM), trabalham há mais de duas décadas em propostas socialmente mais justas, como as auditorias à dívida, com grande potencial transformador no actual contexto europeu de crise das dívidas soberanas. O grupo valenciano do CATDM explicou esta abordagem, normalmente ignorada pelos meios de comunicação oficiais, num encontro em Ca Revolta (Valência).
As auditorias partem da análise da origem e composição da dívida pública de um país, com o fim de determinar se é «legítima» ou «odiosa.» Se for, deve proceder-se à sua anulação. De acordo com Laura Pérez, do CATDM-Valência, «trata-se de um direito democrático essencial, como o direito à informação pública, para além de uma aposta firme na mobilização e participação dos cidadãos nas questões do Estado; e é, no fundo, um instrumento de controle da transparência e da conduta democrática dos poderes públicos.»
Yves Julien, também membro do CATDM-Valência, insiste na excelente oportunidade que a actual crise financeira representa para levar a cabo auditorias, em alternativa aos planos de austeridade. «Permitem abrir um novo espaço de reflexão e participação democrática perante os resgates da banca privada, o Pacto do Euro e todo o tipo de reformas neoliberais, em relação às quais nos dizem que não há alternativa», sublinha. E acrescenta uma ideia fundamental: «os governos utilizam frequentemente a dívida pública como argumento para impor planos de austeridade.»
O estudo da dívida contraída por um país tem de incluir um conjunto de variáveis: o contexto histórico e social; quem contratualizou os créditos; quem são os credores e qual o seu comportamento; o destino dos recursos; as disposições do contrato; a evolução das taxas de juro; a percentagem do orçamento público e do PIB dedicados ao pagamento da dívida; as políticas de privatização realizadas; e a relação entre a dívida e a distribuição da riqueza, entre outros aspectos.
Para além do CATDM, organizações sociais como o Jubileo Sur, o Jubileo 2000, o Quien debe a Quien, o Observatori del Deute de la Globalització e a Red Ciudadana por la Abolición de da Deuda Externa (RCADE) têm trabalhado no conceito de auditoria, que, em na prática, se prende com a resposta a três perguntas: Quanto se deve? Porque se deve (nesta pergunta radica a essência do problema)? A quem se deve?
A análise do débito para comprovar a sua legitimidade tem uma função eminentemente prática, já que o corte de direitos básicos associado ao endividamento afecta directamente a vida quotidiana das populações. Mas todo este trabalho parte de premissas teóricas bem elaboradas e conceitos rigorosamente definidos. A dívida ilegítima deriva de empréstimos cujos fundos foram utilizados, por exemplo, para a violação de direitos humanos ou a destruição do meio ambiente. A outra noção chave, que é a de «dívida odiosa», requer três condições: empréstimos assumidos por um regime despótico, utilização contra o bem-estar da população, e tudo isso com o conhecimento dos credores.
Não é difícil encontrar exemplos dos dois conceitos. Entre outros casos, considera-se dívida ilegítima a que foi contraída para a construção da barragem de Inga (Congo-Zaire), a central nuclear de Bataan (Filipinas) ou o projecto de barragem hidroeléctrica de Yacireta (Argentina-Paraguai). Pode catalogar-se como dívida odiosa os gastos militares das ditaduras ruandesas entre 1990 e 1994, os desfalques de Fernando Marcos nas Filipinas e a dívida da ditadura grega dos coronéis, que quadriplicou em sete anos.
Mas o modelo mais completo, e o paradigma da aplicação das auditorias, é o Equador durante a presidência de Rafael Correa. Entre 2007 e 2008, o governo cancelou dívidas consideradas ilegítimas contraídas por entidades públicas com bancos privados ao longo de 20 anos, que chegaram aos 300 milhões de dólares. Este dinheiro foi, ao invés, utilizado para melhorar a saúde pública e a educação, e criar de postos de trabalho. Também se decidiu, em Novembro de 2008, suspender o pagamento de obrigações de dívida que venciam em 2012 e 2030. Tudo isto após uma análise da origem da dívida, que foi classificada como «eminentemente especulativa e fonte de uma perda de capacidade soberana do Estado.»
Partindo do exemplo equatoriano (entre outros), estão a ser impulsionadas iniciativas semelhantes noutros países, sobretudo naqueles mais afectados pela denominada crise do endividamento. Na Grécia, alguns deputados, intelectuais e organizações cidadãs constituíram uma comissão independente para estudar as contas públicas do país, cada vez mais sitiadas pelos especuladores internacionais. Em Maio deste ano, a Grécia acolheu uma Conferência Internacional da Promoção de Uma Auditoria à Dívida, e na Tunísia e na Irlanda há organizações cidadãs a trabalhar na mesma linha.
As auditorias estão, em todos os casos, associadas a uma recusa frontal dos planos de resgate e dos cortes sociais. É o que explica Jerome Duval, do CATDM: «A redução dos défices públicos tem de realizar-se através do aumento das receitas ficais, incidindo sobretudo sobre as empresas e o capital financeiro, os rendimentos, o património das famílias mais ricas e as transacções financeiras. Para conseguir isto, é imprescindível romper com a lógica capitalista e impor mudanças radicais na sociedade.» E acrescenta que, actualmente, «as instituições financeiras, culpadas pela crise, enriquecem e especulam com as dívidas dos estados, e isto com a cumplicidade activa do BCE e do FMI.»
Por isso, e uma vez que o endividamento público se insere numa ofensiva capitalista global, o CATDM propõe que as auditorias sejam acompanhadas por um conjunto de medidas: a luta contra a fraude fiscal das grandes empresas e dos mais ricos; a redução drástica do tempo de trabalho, para criar emprego ao mesmo tempo que se aumentam os salários e as pensões; e a nacionalização das numerosas empresas e serviços privatizados nos últimos 30 anos. Tudo isto acreditando que outro mundo é possível, e está em construção.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Como Fazer a Auditoria Cidadã à Dívida Pública :: 30/6

Seminário  
O que Fazer com esta Dívida? O que É a Auditoria e como se Faz
Éric Toussaint (CATDM)

30 de Junho de 2011, 10h00, 
Centro de Informação
 Urbana de Lisboa,
Rua do Viriato 13, CES-Lisboa

Enquadramento
Em consequência da crise financeira iniciada em 2007 e da recessão que lhe sucedeu
a dívida pública cresceu enormemente quer em países já que tinham uma dívida
elevada, quer em alguns que tinham dívidas muito reduzidas. Como se pode ver na tabela ao lado, Portugal não é o país em que a dívida mais cresceu na zona Euro, nem o que tem a dívida mais elevada. Mesmo assim o nosso país, a par da Grécia e da Irlanda, foi um dos que sofreu o ataque especulativo mais violento, vendo-se forçado a pagar taxas de juro incomportáveis.
O crescimento da dívida pública espoletou em toda a União Europeia a adopção de políticas de austeridade. A despesa pública foi cortada, a provisão de serviços públicos reduzida, os impostos indirectos aumentados, os salários e as pensões comprimidos. Os custos da crise foram transferidos dos seus causadores (o sistema financeiro) para os cidadãos mais vulneráveis. Na periferia da Eurozona, a Grécia, a Irlanda e Portugal estão sujeitos a uma intervenção do FMI e da EU que torna esta transferência de custos ainda mais pronunciada.
As políticas de austeridades estão a precipitar uma nova recessão e a agravar o problema do endividamento. Na Grécia, na Irlanda e em Portugal o desemprego atinge já níveis históricos e os sinais de fractura social são flagrantes. As taxas de juro da dívida continuam a subir nos mercados secundários. A UE e os governos respondem com austeridade reforçada. Em nome de quê?
Se o problema que se pretende resolver com “sacrifícios” sem fim à vista é o da dívida, os portugueses, como os gregos e os irlandeses, tem direito de saber o que é essa dívida. No entanto, a informação disponível é escassa. Quanto se deve exactamente, a quem se deve, porque se deve, quais as condições associadas à dívida, que parte dela é legítima e que parte não é?
A auditoria da dívida serve precisamente para responder a perguntas como estas.
Conhecer a experiência de auditorias da dívida levadas a cabo noutros países e em preparação, considerar a necessidade e discutir o modo de a organizar e levar a cabo também em Portugal são objectivos deste seminário.

Programa
10h00 | Abertura : Boaventura de Sousa Santos
10h30 – 11h30 | Éric Toussaint : O que é a auditoria da dívida e como se faz?
12h00 – 13h00 | Debate
14h30 – 16h00 | Intervenções de Eugénia Pires, José Gusmão, José Reis, Manuela
Silva e Octávio Teixeira.
16h30 – 17h30 | Debate e encerramento por Éric Toussaint

Nota biográfica
Éric Toussaint é historiador e politólogo, presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, membro do conselho científico da Attac França, da rede científica da Attac Bélgica e do conselho internacional do Fórum Social Mundial. Participou no Comité de Auditoria nomeado pelo Presidente do Equador Rafael Correia e acompanhou a par e passo a experiência de reestruturação desse país.

(daqui)

O que Fazer com esta Dívida? O que É a Auditoria e como se Faz

O debate no CES Lisboa é já na 5ªa feira, 30 de Junho
(Centro de Informação Urbana de Lisboa, Picoas Plaza, Rua do Viriato 13, Lisboa).

10h00 | Abertura : Boaventura de Sousa Santos
10h30 – 11h30 | Éric Toussaint : O que é a auditoria da dívida e como se faz?
12h00 – 13h00 | Debate
14h30 – 16h00 | Intervenções de Eugénia Pires, José Gusmão, José Reis, Manuela Silva e Octávio Teixeira.
16h30 – 17h30 | Debate e encerramento por Éric Toussaint


domingo, 26 de junho de 2011

Desmentido


Esta notícia, no que ao Portugal Uncut diz respeito, é, pura e simplesmente, falsa. O Portugal Uncut é um movimento antiausteridade, logo político na sua essência, mas não tem âmbito eleitoral. Apoiamos alternativas económicas e políticas (que propomos, divulgamos, e discutimos), e fazemos parte de qualquer dinâmica social com vista a combater a austeridade, o desmantelamento de serviços públicos e as políticas fiscais que favorecem a fraude e o desvio de fundos do bem comum para as mãos da elite financeira.  Mas não constituimos nenhuma plataforma que «vá a votos», porque o respeito que temos pela democracia e o repúdio por discursos populistas antipartido requer, a nosso ver, a coexistência de espaços de activismo social e político. E o nosso  é a rede e a rua.

sábado, 25 de junho de 2011

O Resgate Português: a Reinvenção da Roda.

Por Ricardo Cabral | The Portuguese Economy

Texto do economista Ricardo Cabral, que dificilmente poderá ser acusado de heterodoxia…

Os detalhes do acordo de ajuda financeira entre Portugal e a UE e o FMI (Ver Memorandum of Understanding on Specific Economic Policy Conditionality ou MoU) tornados públicos pareciam sugerir que a troika CE/BCE/FMI que o negociou tinha aperfeiçoado um pouco a sua estratégia e aprendido com as experiências da Grécia e da Irlanda.
Em vez disso, o acordo com Portugal, tal como é apresentado no MoU, exagera no propósito. A mensagem implícita da Troika parece ser que a abordagem está a falhar na Grécia e na Irlanda porque não se foi suficientemente longe.
O acordo inclui medidas importantes e impressiona pelo seu alcance. Contudo, também sugere que a troika pode não ter tido tempo de verificar os factos em matérias como, por exemplo, o comércio externo ou o preço da habitação. Dados recolhidos num artigo de 2008 por Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff sugerem que Portugal teve um dos menores aumentos no preço da habitação entre 2002 e 2006, num conjunto de 43 países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Posto isto, há que ponderar o porquê de a troika ter imposto medidas que tornam mais caro comprar casa, numa altura em que inúmeras famílias estão a ser forçadas a vender as suas habitações para evitar a execução de uma hipoteca ou mesmo devido a essa hipoteca.
Mais importante ainda, o acordo apresenta sérios problemas de execução e conteúdo, dos quais se devem enfatizar quatro:
Primeiro que tudo, não se discutem as causas da crise, ou seja, o que levou Portugal a esta situação. É como ir ao médico com uma doença grave e voltar sem um diagnóstico mas, em vez disso, com 222 prescrições diferentes (o número de medidas de acção principais presentes nas 34 páginas do MoU, aproximadamente o dobro das que constavam no memorando da Grécia e da Irlanda) e esperar que alguns dos medicamentos funcionem. Não funcionarão. A saúde do paciente deteriorar-se-á. Portugal enfrenta uma crise da balança de pagamentos e de dívida externa, e não apenas uma crise da dívida soberana. Talvez porque o MoU não identifica as causas da crise, as políticas de resposta são erradas e muito provavelmente vão falhar.
Para além do mais, graças ao elevado número de medidas, não é possível que um futuro governo, independentemente do partido no poder, seja capaz de cumprir inteiramente os termos do acordo. O mais certo é que o governo falhe logo de início vários objectivos do programa, colocando, desnecessariamente, em causa a sua competência junto dos parceiros europeus.
Em Segundo lugar, o acordo não questiona nem responde à questão da responsabilidade pelo que correu mal. Pode argumentar-se que não é possível nem relevante neste momento fazê-lo: mas, pelo contrário, é importante saber quem errou, uma vez que as economias de mercado têm tudo a ver com risco, recompensa e punição. É, também, possível encontrar os responsáveis. Só temos de olhar para à nossa volta.
Quem são os maiores devedores que não podem pagar? Resposta: no caso português, o governo e os bancos. Por isso, devem ter cometido erros. Nisto, a situação revela-se idêntica à encontrada na Grécia e na Irlanda.
Quem são os maiores credores, agora com medo de não receberem o seu dinheiro de volta? Resposta: os grandes bancos e seguradoras, numa série de países, e o Eurosistema (BCE e os bancos centrais dos países da zona euro). Na realidade, o Eurosistema é o maior credor de Portugal, assim como do sistema bancário e governos da Grécia e Irlanda. Portanto, estes credores também cometeram erros.
As consequências destes erros deviam ser suportadas por quem os cometeu. Mas não é isso que está a acontecer – em vez disso, os custos do resgate estão a ser assumidos exclusivamente pelos cidadãos e contribuintes portugueses. Esta não é a cultura de mérito e responsabilização que a União Europeia merece.
Terceiro, o acordo centra-se nos pequenos detalhes, num raciocínio pouco baseado na realidade no que se refere a uma série de áreas, que vão desde a regulação e suporte do sector financeiro e organização do sistema judicial à administração local e regional, apenas para citar algumas. O grande número de medidas impossibilita qualquer tentativa séria de avaliar a sua eficácia individual. De preferência, o MoU deveria seleccionar os 20% de ideias com 80% de impacto económico (cada uma com um impacto económico acima de, digamos, 250 milhões de euros por ano) e examiná-las uma a uma, de forma consistente. Caso contrário, trata-se apenas de atirar areia para os olhos.
Finalmente, não está a ser implementada correctamente uma política com um impacto económico alargado. Mais especificamente, ao lidar com os bancos portugueses, cuja combinação de passivos representa 250% do PIB, o acordo não adopta as melhores práticas internacionais. Estas teriam requerido, antes de qualquer aumento de capitais ou garantias, a introdução de uma resolução especial para os bancos (Regime Especial de Resolução com acções correctivas imediatas), tal como as disponíveis, por exemplo, nos EUA e no Reino Unido.
Uma resolução determinada e imediata relativamente aos bancos iria, entre outras coisas, impor perdas aos credores dos bancos em falência e forçar a saída dos seus gestores. Em vez disso, a troika exigiu aos contribuintes portugueses que continuassem a suportar o sistema bancário, através de garantias e aumentos de capital que vão até 47 mil milhões de euros (27,2% do PIB). Para além do mais, em vez de substituir as equipas de gestão dos bancos em falência, seguindo por exemplo as práticas do depósito federal norte-americano (US FDIC), o MoU indica que os aumentos de capital «serão formulados de forma a garantir o controlo da gestão dos bancos por parte dos seus proprietários não-estatais.»
Isto é, o contribuinte irá provavelmente recapitalizar o sistema bancário privado, nacionalizando-o na prática, e no entanto a gestão continuará a ser feita pelos antigos proprietários. Uma explicação possível para esta passividade da troika na aplicação de um Regime Especial de Resolução aos bancos prende-se com o conflito de interesses por parte de um dos seus membros, o BCE. O BCE é membro do Eurosistema, que enfrentaria grandes perdas caso se aplicasse aos bancos a resolução apropriada de forma imediata.
A ideia implícita no MoU de que um país inteiro pode ser reestruturado – apesar de tudo, a 38.ª maior economia mundial – com base num documento delineado em 3 semanas e 34 páginas, é impressionante. O acordo procura reinventar a roda e, no entretanto, destruir o que ainda funciona. Este tratamento da Islândia, Hungria, Letónia, Grécia, Irlanda e Portugal começa a parecer uma versão ocidental do Grande Passo em Frente da China: objectivos impossíveis baseados em nada mais do que pura ideologia. É simplesmente demasiado triste.

Tradução de Franciso Venes

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Goldman Sachs Toma Oficialmente Posse da Presidência do BCE


Mário Draghi, antigo Presidente da Goldman Sachs Europa, toma hoje posse na presidência do Banco Central Europeu. Draghu presidia ao Banco de investimentos americano no momento em que este, nos anos 2000, ajudou a Grécia a mascarar as contas públicas. O seu papel vai ser o de preservar os interesses dos bancos na atual crise Europeia.
Podíamos até aqui interrogarmo-nos sobre as razões pelas quais o BCE e Jean-Claude Trichet se opunham de modo virulento – mesmo contra a Chancelaria alemã – a toda e qualquer ideia da reestruturação da dívida Grega.
Esta atitude parecia incompreensível, dado que todos os analistas, incluindo os economistas dos bancos, concordavam em considerar que a Grécia não pode cumprir as suas obrigações de dívida na atuais condições contratuais. A inevitabilidade de um reescalonamento, mesmo uma anulação parcial, parece ser consensual. Querer atrasar a reestruturação não fará mais do que agravar o desgaste económico e social provocados pelos planos de austeridade brutais e impopulares impostos sobre os Gregos.
A nomeação de M. Draghi clarifica as coisas. O BCE defende não os interesses dos cidadãos e contribuintes europeus, mas o interesse dos bancos. Um estudo britânico citado ontem no Les Echos tem o mérito de quantificar claramente o processo em curso: este estudo indica que graças ao «pacote de ajuda» da Grécia e ao «mecanismo europeu de estabilidade» posto em prática pelo BCE, FMI e UE, «a fasquia de dívida Grega nas mãos de contribuintes estrangeiros passará de 26% para 64% em 2014. Isto quer dizer que a exposição de cada agregado familiar da zona euro passará de 535 euros hoje para 1450 euros.»
O «salvamento» da Grécia é assim uma gigantesca operação de socialização de prejuízos do sistema bancário. Trata-se de transferir o essencial da dívida Grega – mais também da dívida Irlandesa e Espanhola – das mãos dos banqueiros para as dos contribuintes. Será então possível passar os custos da inevitável reestruturação destas dívidas para os orçamentos públicos Europeus.
Como dizem os Indignados espanhóis, «esta não é uma crise, é uma fraude!» O Parlamento Europeu votou ontem o «pacote de governação económica» que reforma o pacto de estabilidade, reforçando as restrições sobre os orçamentos nacionais e as sanções contra os países em infração. O Conselho europeu reúne-se hoje e amanhã para completar os trabalhos. E não será a próxima nomeação de Christine Lagarde como cabeça do FMI que reduzirá a influência dos bancos sobre as instituições financeiras internacionais - bem pelo contrário.
Felizmente, as resistências sociais e de cidadania cruzam-se por toda a Europa. Governar para os povos ou governar para a finança? A resposta é hoje clara: será preciso que os povos europeus retomem o poder para juntos construirem uma outra Europa. As Attac de toda a Europa organizam de 9 a 13 de Agosto uma Universidade Europeia de movimentos sociais em Frebourg, na Alemanha. Será neste verão um dos locais principais de coordenação das resistências e de construção de das alternativas europeias.

Tradução de Tiago Neves

quinta-feira, 23 de junho de 2011

A Fraude da Dívida «Pública»

por Carlos Martínez García | ATTAC Espanha

Quando Correa chegou ao poder, depois de vencer as eleições no Equador, deparou-se com um presente envenenado: uma dívida imensa acumulada, que o FMI reclamou, em nome de si mesmo e da banca privada anglo-saxónica. Correa e o seu ministro da Economia, Pedro Páez — que tenho o prazer de conhecer e de quem posso gabar-me de ser, de certa forma, amigo — não cederam e exigiram uma auditoria à dívida. O resultado foi que o Equador afinal era credor, e não devedor. O pequeno país da América Latina não se deixou intimidar, e provou que uma parcela dessa dívida era privada, outra estava inflacionada, e parte já fora compensada. Ou seja: tratava-se de uma fraude.
Também a Argentina sofreu a asfixia do FMI através da dívida. E embora tenha pago uma parte, fê-lo à sua maneira, impondo condições e prazos, e uma auditoria.
Agora, o alvo do negócio da dívida é a Europa, em especial (mas não em exclusivo) o Sul. Fazem-nos crer que os nossos estados estão terrivelmente endividados, e que é imperioso que se pague a dívida antes de tudo — ainda que às custas da educação, da saúde e das pensões públicas —, porque reduzir a dívida é a prioridade das prioridades. Está em curso uma grande campanha de intoxicação nos media, para nos convencer de que sem reduzir a dívida — forçando as classes populares a apertar o cinto, claro está — não é possível sair da crise económica.
Os estados europeus em geral, e a Espanha em particular, estão efectivamente muito endividados, mas quanta desta dívida é privada, e quanta é pública? Que parcela pertence à banca e às grandes construtoras e promotores imobiliários privados? E também podemos perguntar-nos quanto dinheiro deixou de entrar nos cofres do Estado e das regiões autónomas graças a reduções de impostos, irresponsáveis e injustas, que favoreceram as classes abastadas e os bancos.
É uma pena que faltem na Europa, por estes dias, ministros da Economia como Pedro Páez, que é também membro do Conselho Científico da ATTAC Espanha e do Fórum de Alternativas do Fórum Social Mundial.
Os estados europeus têm andado a fazer contas segundo a cartilha neoliberal, que é como quem diz, com base no IVA no IRPF |1| dos trabalhadores por contra de outrem e por conta própria, na privatização do sector público e na externalização dos serviços.
A alienação de bens públicos e a venda ao desbarato de empresas e bancos estatais, o ovo de Colombo das reduções fiscais — tal como comprovam as investigações soberbas de economistas críticos como Vicenç Navarro e Juan Torres, entre outros —, deram origem a estados profundamente anorécticos e debilitados, que continuaram, como no Estado Espanhol, a sustentar serviços de saúde pública até agora eficientes e de qualidade. O endividamento era, pois, inevitável, e a solução que está em cima da mesa não passa por instituir o ITF |2| ou impostos sobre as transacções especulativas ou as grandes fortunas — eliminados de forma suicida —, nem por acabar com os paraísos fiscais ou perseguir a delinquência financeira. Antes pelo contrário: impõem-nos duplos pagamentos em serviços públicos ou a redução desses serviços.
Não sou economista, e o que não falta é bons economistas que entendem disto mais do que eu. Portanto, a minha proposta é política: o apoio, que é imprescindível, a uma auditoria à dívida pública, europeia e do Estado Espanhol.
Um dos temas abordados na recente Conferência Social Europeia na sede do Parlamento Europeu — organizada pela Transform Europa e pela ATTAC França, entre outras organizações sociais e sindicais — foi o da dívida e do seu impacto negativo sobre os povos da Europa. A dívida é a desculpa mais frequente para justificar as chamadas políticas de austeridade, que estão a liquidar o estado de bem-estar no nosso continente. O presidente do CATDM, Eric Toussaint, foi o relator das conclusões sobre este assunto — em que trabalha há muitos anos em África e na América Latina, e que chega agora à Europa.
Há anos que o FMI impõe a mesma política económica profundamente neoliberal, decalcada de uns países para os outros. Chegou a vez da Europa.
As organizações sociais europeias, como a rede ATTAC Europa, a Transform, diversos sindicatos e fóruns sociais, e, em Espanha, o Socialismo21, a ATTAC e as Mesas Ciudadanas de Convergencia, assinaram um documento em que assumem como prioritária a luta contra a fraude da dívida pública, e a exigência de uma auditoria, levada a cabo por organismos públicos e independentes. O outro eixo fundamental das lutas sociais a nível europeu será o combate ao Pacto do Euro Plus.
Vamos reunir-nos em Londres a 1 de Outubro, e seria muito interessante que a dita conferência — convocada pela activa e bem organizada Coalition of Resistence britânica — contasse com a participação das diversas plataformas de resistência social do Estado Espanhol (a rede ATTAC, Democracia Real Ya!, as Mesas de Convergencia, Plataforma de Afectados por la Hipoteca, Ecologistas e Verdes, sindicatos de ONGs de carácter solidário e progressista). Temos de convergir e tratar de articular resistências e convocar uma Greve Geral Europeia de carácter sócio-político.
Por agora, a única resposta é a mobilização e a construção de uma consciência cidadã para denunciar a grande fraude e mentira com que estão a amordaçar a cidadania. A solução, insisto, é não pagar, auditando previamente, e implementar um sistema social justo e redistributivo. Os governantes europeus têm muito a aprender com os da América Latina… e oxalá Elena Salgado soubera metade do que Pedro Páez sabe. E tivera metade da lealdade que ele teve para com o seu povo.

|1| Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas, equivalente ao IRS em Portugal.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Solidariedade com as Assembleias Populares "Democracia Verdadeira Já!"

As organizações da sociedade civil portuguesa representadas neste comunicado expressam o seu repúdio veemente à acção policial do dia 4 de Junho, na praça do Rossio, contra os participantes na Assembleia Popular "Democracia Verdadeira Já".

Exprimem, ainda, profunda consternação com a demonstração da ignorância dos agentes policiais a respeito de direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa, em particular o Direito de Reunião (nº 1 do artº 45º): "Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização." Tratou-se de um duplo atentado à ordem democrática e à integridade da comunidade de cidadãs e cidadãos.

Acresce, a tudo isto, a gravidade do dia da acção policial; no dia anterior ao exercício de um dos direitos cívicos conquistados com Abril, qualquer acção repressiva ganha uma dimensão simbólica adicional. O grupo profissional dos agentes policiais deve reflectir, em conjunto, acerca das razões que têm levado, nos últimos tempos, a uma escalada de violência que prenuncia novos e intensificados actos de violência.

Os acontecimentos de Setúbal, do Rossio e do Bairro 6 de Maio demonstram que é necessário repudiar toda a repressão policial, criticar as suas origens e é necessário questionar todas as instituições envolvidas na tomada de decisões que resulta em actos de violência e repressão policial, incluindo o Ministério da Administração Interna, as divisões relevantes da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana, além dos departamentos da Polícia Municipal. Embora os actos ocorridos a 4 de Junho se refiram à Polícia Municipal de Lisboa (cujos agentes pertencem aos quadros da PSP), este comunicado visa expressar um repúdio generalizado a todo e qualquer acto de repressão policial cujas razões não sejam justificáveis à luz do ordenamento jurídico relevante.

Assinalando a relevância dos objectivos destas Assembleias, em particular o de intervir efectivamente em todos os processos da vida política, social e económica, as organizações signatárias manifestam a sua total solidariedade com a referida Assembleia Popular.

As organizações/movimentos subscritores:
Associação Comunidária
Attac- Portugal
CMA-J, Colectivo de Solidariedade Mumia Abu-Jamal
Colectivo Revista Rubra
Comité de Solidariedade com a Palestina
FERVE - Fartas/os d'Estes Recibos Verdes
GAIA
Marcha Mundial das Mulheres - Portugal
Movimento 12 de Março
Panteras Rosa - Frente de Combate à LesGayBiTransfobia
Precários Inflexíveis
Portugal Uncut
projecto casaviva - porto
Solidariedade Imigrante - Associação para a defesa dos direitos dos imigrantes
SOS-Racismo
UMAR

domingo, 12 de junho de 2011

Enquanto se contam mortos e feridos

A blogosfera arde em discussões acerca das razões pelas quais o Bloco foi derrotado. O afamado cidadão Cavaco Silva desdobra-se em frases e motes mobilizadores a lembrar outras épocas, épocas em que terá (ou não) assinado declarações engraçadas (ou não).

Nada disso me interessa, confesso. A política dos estandartes e do soundbyte, que os blogues portugueses não parecem ter vindo amainar, não se compraz com desacelerações contemplativas. E só percebemos que a política, hoje, é uma arena de combate entre grupos organizados quando investimos tempo nessa desaceleração e contemplação. Sei perfeitamente que isto não é giro ou interessante. E também sei que a maior parte dos entendidos que navegam pela blogosfera, com uma observação aguda acerca da esquerda-caviar e de como somos todos uns iludidos que deviam era ir trabalhar, não quer saber destas coisas para nada. Pois olhem: eu quero. É que a política como combate organizado é aquela que importa. Não é a do voto perdido.

No próximo dia 23 de Junho, o Parlamento Europeu votará um conjunto de medidas que modificará todo o equilíbrio de forças do processo de integração europeia, hoje por hoje periclitante e ameaçado. Por um lado, a Comissão Europeia adquirirá poderes para sancionar Estados-Membros (EM) da zona euro que não respeitem o Pacto Euro-Plus e uma série de indicadores prospectivos da sua performance económica, sem intervenção significativa do único órgão directamente eleito, na arquitectura da UE - o Parlamento -, e sem possibilidade real de recurso para o Tribunal Europeu ou Tribunal de Contas.
Duas dessas medidas são particularmente inquietantes, porque se tratam de modificações fundamentais à União Económica e Monetária - o Procedimento para Correcção de Desequilíbrios Macroeconómicos Excessivos e o Procedimento para Correcção de Défices Excessivos. De acordo com Fritz Scharpf, professor emérito do Instituto Max Planck para o Estudo das Sociedades, estas medidas são extraordinárias por um conjunto de razões. Cito:

"First, it [o programa a ser votado] replaces the rule-based approach of the Maastricht Treaty and the Original Stability Pact with a highly discretionary regime of supranational economic management. Even the new EDP [Procedimento para Correcção de Défices Excessivos] will now refer to projections of "potential growth" for its assessment of national budgets. And the EIP [Procedimento para Correcção de Desequilíbrios Macroeconómicos Excessivos] must depend on disputable hypotheses (...). Since the capacities of governments to exercise indrect influences over such variables as nominal wages, private saving and spending, consumer credit, etc. may either not exist or differ enormously among member states, compliance with the "recommendations" issued by the Commission may well be impossible." (p. 30)

Para que se perceba: o novo regime de governo económico da União basear-se-á em indicadores prospectivos e hipóteses de base pouco sólida. A Comissão Europeia, órgão sem legitimidade democrática, poderá impor sanções de alcance brutal, com base no PIB de cada EM, com base nesses indicadores, a bem do monetarismo e de fundamentos microeconómicos que já passaram à categoria de fé religiosa. Enquanto se discute o sexo dos anjos, as nossas vidas estão em jogo. E quem tiver dúvidas de que, para esta trupe de alquimistas, não passamos de peões, leia e releia a documentação acerca das seis medidas para um novo governo económico. E, já agora, leia e releia, com atenção, o discurso do actual governador do Banco Central Europeu, aquando da entrega do Karlspreis 2011. Percebem-se as pretensões. Aliás, percebe-se todo um distúrbio psíquico e uma instância gravíssima de irrealidade, que deve circular entre Paris, Bruxelas e Frankfurt.

Não se trata de qualquer alarmismo. Continuando a citar Scharpf (pouco dado a alarmismos ou sectarismos),

"As long as it is alleged that they may somehow have an effect on imbalances, the requirements may specify policy changes in a completely undefined range of national competences - including areas like labor relations, education, or health care that have been explicitly protected against European legislation in successive versions of the Treaties". (p. 34)

Ou seja, a Comissão passará a auferir de poderes alargados para impor austeridade. Com um perigoso desequilíbrio institucional: não está dependente de legitimação eleitoral. Por agora, discute-se, com algum fulgor - e optimismo excessivo, quanto a mim, a federalização da Europa. Que ela seja feita, e depressa, ancorando o ou os órgãos dotados de poder executivo, na União Europeia, a procedimentos eleitorais transparentes e à prestação de contas regular e institucionalizada perante as cidadãs e cidadãos da UE. Porque um órgão sem legitimação eleitoral e dotado de poderes coercivos alargados não terá qualquer incentivo para refrear o ímpeto punitivo que já domina Bruxelas. E levaremos, em Portugal ou na Grécia, com um martelo particularmente duro. Continuamente. Porque o governo neoliberal não favorece o mercado livre, a democracia ou o socialismo; favorece o reforço de uma estrutura de poder que intensifica assimetrias brutais e transfere riqueza, oportunidades e saúde para um conjunto cada vez mais diminuto de pessoas. Se é preciso tomarmos anti-depressivos? Que tomemos. Se é preciso andar quatro horas em transportes privados para chegar a um call-center onde ganhamos 400 euros mensais? "É a economia, é o mercado". É, pois é.

A maioria conservadora no Parlamento Europeu garante, na prática, a aprovação destas medidas. O problema é que estás medidas desgastarão ainda mais o equilíbrio da UEM, porque garantem a continuação das economias excedentárias/deficitárias como tal, sem que existam mecanismos redistributivos de compensação. De facto, e porque os memorandos de entendimento impostos aos governos da Grécia, Irlanda e Portugal são economicamente deterministas, isto é, impõem um percurso pré-determinado aos países em causa (porque não enfrentam o problema da dívida privada, não definem prioridades de política industrial, não impõem sistemas fiscais progressivos nem impõem controlos de capital, além de não ser prevista a negociação de taxas de juro específicas com o BCE), e esse percurso é uma espiral destruidora que impede qualquer cumprimento das "recomendações" impostas pela Comissão Europeia, com base em indicadores tirados da cartola.

Se se quer continuar a discutir o Bilderberg, o grunhir do sujeito actualmente conhecido por Presidente da República ou a derrota suposta do partido dos meninos que vão a manifs e jogam na playstation em casa dos papás (curioso como um partido aparentemente tão irrelevante e pouco representativo suscita tanto ácido gástrico), força. Enquanto isso, nos corredores e nos despachos, reconstrói-se a Europa, uma Europa liberal-paternalista, onde os trabalhadores e os pobres são tratados com mão-de-ferro e as classes cosmopolitas levam com luvinhas de seda.

Ao menos, teremos mais razões para dizer que não somos contra o sistema, que o sistema é que é contra nós. Se, ao menos, tivéssemos prestado menos atenção à paróquia e mais à Igreja, talvez as coisas fossem diferentes.

Link para Sessão Plenária Parlamento Europeu 22.06/23.06
Link para paper Fritz Scharpf
Link para discurso Trichet

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Perplexidades de um neo-liberal não austeritário.

Sofrimento sem sentido

J. Bradford DeLong*

Por três vezes na minha vida, concluí que o meu entendimento do mundo estava substancialmente errado.

A primeira vez foi em 1994, na sequência da assinatura do Acordo de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA), quando os fluxos financeiros para o México com vista à construção de fábricas que exportassem para o maior mercado consumidor do mundo se revelaram claramente inferiores aos fluxos de capitais com destino aos Estados Unidos da América em busca de um clima de investimento mais favorável. O resultado foi a crise do peso mexicano (que eu, enquanto Secretário Adjunto do Tesouro norte-americano, tive que ajudar a conter).

A segunda epifania surgiu no Outono/Inverno de 2008, quando se tornou claro que os grandes bancos não tinham controlo nem sobre a sua alavancagem nem sobre as suas carteiras de derivados, e que os bancos centrais de todo o mundo não tinham nem capacidade nem vontade de sustentar a procura agregada em face de uma crise financeira de grandes proporções.

O terceiro momento é agora. Enfrentamos actualmente uma contracção nominal da procura de 8% relativamente à tendência pré-recessão, não existem quaisquer sinais de pressões inflacionárias e as taxas de desemprego na região do Atlântico Norte excedem em pelo menos três pontos percentuais todas as estimativas credíveis do que possa ser uma taxa de desemprego sustentável. Ainda assim, e apesar da falta de atenção ao crescimento económico e ao desemprego implicarem normalmente derrotas nas eleições seguintes, os líderes políticos da Europa e dos Estados Unidos clamam pela adopção de políticas que reduzem, no curto prazo, os níveis de actividade económica e de emprego.

Estará a escapar-me aqui alguma coisa?

Julgava eu que as questões fundamentais da macroeconomia se encontravam resolvidas por volta de 1829. Por essa altura, já nem o próprio Jean-Baptiste Say acreditava na Lei de Say dos Ciclos Económicos. Say sabia muito bem que as situações de pânico financeiro e de excesso de procura por activos financeiros poderiam dar origem, no sector real da economia, a uma procura insuficiente para manter os níveis de produção e de emprego; e que embora a não aplicabilidade da Lei de Say no curto prazo pudesse ser temporária, isso teria, ainda assim, consequências altamente destrutivas.

Fazendo uso deste conhecimento, as perturbações do ciclo económico deverão ser corrigidas através de uma, ou mais, das três formas seguintes:

1. Primeiro que tudo, não deixar acontecer. Evitar o que quer que seja que possa dar origem a uma situação de escassez de activos financeiros ou de excesso de procura por esses mesmos activos – quer se trate do esvair de fluxos financeiros para o exterior no contexto do padrão-ouro; de um colapso da riqueza de longo prazo, tal como sucedeu aquando do rebentamento da bolha das empresas tecnológicas; ou de uma movimentação em massa em direcção a activos financeiros mais seguros, como em 2007/2008.

2. Se não for possível evitar o problema, então o governo deverá intervir e aumentar os níveis de consumo público de bens e serviços, de modo a manter o emprego nos seus níveis normais e a compensar a contracção da despesa privada.

3. Se não for possível evitar o problema, então o governo deverá criar e disponibilizar os activos financeiros que o sector privado quer deter, por forma a relançar a procura privada pelos bens e serviços produzidos em consequência da capacidade instalada.

Há um sem-número de subtilezas relativamente à adopção de cada uma destas opções políticas por parte dos governos. A tentativa de implementação de uma delas pode comprometer, ou interferir, com as tentativas de prossecução das restantes. Para além disso, no caso dos agentes económicos incorporarem a expectativa de tendências inflaccionárias nos seus cálculos e acções, pode suceder que nenhuma destas três curas se mostre eficaz. Porém, não é essa a situação em que nos encontramos.

Da mesma forma, se o grau de confiança na capacidade de um governo fazer face aos seus compromissos financeiros sofrer um abalo, a intervenção de um financiador externo de último recurso pode ser essencial para assegurar a eficácia tanto da primeira quanto da segunda cura. No entanto, actualmente também não é esse o caso entre as principais economias do Atlântico Norte.

E no entanto, de alguma forma, todas estas três curas deixaram de estar em cima da mesa. Não se vislumbra como provável a implementação de reformas em Wall Street e Canary Wharf que visem reduzir a probabilidade e gravidade de um qualquer pânico financeiro futuro, tal como não são prováveis quaisquer intervenções governamentais com vista a regular os fluxos de activos financeiros de elevado risco no interior do sistema bancário. Também não existe qualquer pressão política no sentido de alargar, ou mesmo prolongar, as anémicas medidas de estímulo que foram adoptadas.

Entretanto, o Banco Central Europeu está activamente à procura de formas de reduzir a sua oferta de activos financeiros ao sector privado e a Reserva Federal dos Estados Unidos encontra-se sob pressão para fazer exactamente o mesmo. Em ambos os casos, o argumento é que a adopção de políticas expansionistas adicionais poderá despoletar processos inflaccionistas.

Contudo, quando observamos a evolução dos índices de preços ou a forma como os mercados financeiros têm estado a reagir às estimativas e previsões anunciadas, não é possível observar quaisquer sinais de inflação. Por outro lado, se atentarmos na evolução das taxas de juro praticadas nos mercados de dívida pública das principais economias desta região, também não encontramos quaisquer indícios de risco de emergência de uma crise da dívida soberana entre estas economias.

Ainda assim, quando escutamos os discursos dos decisores políticos de ambos os lados do Atlântico, aquilo que se ouve é Presidentes e Primeiros-Ministros a dizer coisas como: “Assim como as famílias e as empresas tiveram que ser cautelosas a gastar, também o Governo tem agora que apertar o cinto”.

E é aqui que atingimos o limite dos meus horizontes mentais enquanto neoliberal, tecnocrata e economistamainstream e neoclássico. Neste momento, a economia global encontra-se no meio de uma convulsão de grandes proporções caracterizada pela insuficiência da procura e pelo elevado desemprego. Nós conhecemos as curas – e, contudo, parecemos determinados a infligir mais sofrimento ao paciente.

*Artigo de J. Bradford DeLong, ex-Secretário Adjunto do Tesouro norte-americano, Professor de Economia em Berkeley na Universidade da Califórnia e Investigador Associado no National Bureau for Economic Research (EUA), publicado por http://www.bepress.com/ev/ em Março de 2011. Original aqui.

**Tradução de Sandra Paiva, Paulo Coimbra e Alexandre Abreu.


***Também publicado em Postais de Inglaterra.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Auditoria da Dívida Pública: Instrumento para enfrentar a crise financeira

Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, autorizou-nos a publicar o artigo que se segue. A Auditoria Cidadã da Dívida é uma iniciativa brasileira de auditoria à dívida que pretende "dissecar o processo de endividamento do País, revelar a verdadeira natureza da Dívida e, a partir daí, promover ações no sentido de reduzir o montante das Dívidas Interna e Externa".

Agradecemos a Maria Lúcia e à Auditoria Cidadã da Dívida. Para que este debate se torne mais rigoroso e uma plataforma alargada da sociedade civil portuguesa colabore no sentido de promover esta iniciativa.

AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA: Instrumento para enfrentar a crise financeira

Maria Lucia Fattorelli
Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida - Brasil

INTRODUÇÃO

Artigo na íntegra aqui

"O presente artigo aborda, resumidamente, as experiências de auditoria cidadã no Brasil desde o ano 2000, de auditoria oficial equatoriana (2007-2008), e recente investigação parlamentar da dívida brasileira (2009-2010), focando especialmente a organização dos trabalhos e sua metodologia, de forma a incentivar a organização de uma comissão de auditoria da dívida no Continente Europeu, especialmente nos países mais afetados - Grécia, Portugal, Irlanda – no início da atual crise da dívida pública:
Item I - Experiência de 10 anos de trabalho da Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil, destacando-se a metodologia realizada pela sociedade civil, bem como a experiência da Comissão de Auditoria da Dívida do Congresso Nacional, realizada em 1989, que propôs importante metodologia para o trabalho de auditoria da dívida.
Item II - Experiência de auditoria oficial do Equador (2007-2009), que viabilizou grande redução na dívida em bônus com bancos privados internacionais (dívida em títulos públicos emitidos pelo governo). Nesse item, são destacados os aspectos relevantes para a conformação e funcionamento da comissão de auditoria da dívida pública.
Item III - Experiência de Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da Dívida Pública no Brasil (2009-2010), fruto de empenho de parlamentares e cidadãos ligados à Auditoria Cidadã da Dívida. A CPI possibilitou importante mobilização social e a identificação de diversos indícios de ilegalidades no endividamento.
Item IV - Breve análise de aspectos da dívida pública de países europeus e indicação de possíveis linhas de investigação da necessária auditoria dessa dívida.
É imprescindível que os trabalhos da auditoria da dívida contem com a participação e ampla base de apoio nos movimentos sociais, sindicais e políticos, a fim de garantir que aqueles que foram historicamente beneficiados com o endividamento dos países do Sul e agora do Norte, não venham se apropriar da tarefa que é exclusiva daqueles que estão pagando a conta."

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Rossio, 4 de Junho, ainda: um testemunho diferente


Conheço a Maria Vitória Pato há muitos anos, vimos ambas da safra dos chamados «católicos progressistas», colaborámos em tarefas clandestinas e semi-clandestinas desde os anos 60. Ontem à noite, enviou-me este texto porque pretende que aquilo que viveu no Rossio seja conhecido. Não tem rastas nem é mal cheirosa e tem quase 80 anos (Na foto, a falar com um polícia.)

No Sábado 4 de Junho, pelas 15h, cheguei acompanhada de uma amiga ao Rossio, ao grupo da Acampada. Mal cheguei, vi polícias. Eram da Polícia Municipal a chegarem e a derrubarem tudo e arrancando fotografias expostas sobre fios. Puxavam pelos fios e arrancavam. Empurravam as pessoas que estavam sossegadas. Tudo sem sentido. Empurravam as e os jovens e eu só vi eles quererem explicar e perguntar o que se passava para aquela violência. Não vi ninguém dos jovens bater em polícias. O que vi depois foi um jovem ser arrastado de forma bruta, era um jovem de t-shirt amarela. Os polícias arrastavam-no violentamente pelo chão até o meterem num carro. Acontece que os jovens tinham material de som e fugiam a guardar o material. Ouvi dizer que foram três os arrastados e presos, mas só vi a violência ser feita a um.

Eu, como tenho 79 anos, achei que devia falar com os polícias para ver se ao menos a uma velha eles eram capazes de ouvir e dialogar, se havia vestígios de respeito e dignidade. Mas, sobretudo aos mais velhos, só queriam empurrar e eram incapazes de ouvir o que quer que fosse, era só empurrar. «Estão a meter-se em trabalhos e vocês são novos e há fotógrafos aqui de todo o mundo», disse eu a um dos mais novos que, em fila de defesa em frente a nós, sempre me ouvia. «Não empurrem!» Mas eles empurravam. Então uma rapariga do grupo dos Acampados começou a dizer: «Eis o que fazemos» e atirou pétalas de flores. Eu apanhei as pétalas das flores e colocava-as em cima de um jovem polícia , um com ar terrível como se estivesse a receber flechas (aparece no Público online). Eu só queria ver se eles, que eram jovens, acordavam da emboscada em que os chefes os meteram e recusavam trabalho tão absurdo. Mas o polícia ficava irritado por eu lhe atirar também as pétalas de flores…Devem ser treinados para a violência e não para o apaziguamento, não sabem lidar com calma nenhuma. Houve um que me empurrou de tal maneira com um cassetete que me magoou, mas não foi nada de grave - só um empurrão bruto. Então eu quis falar com os mais velhos dos polícias que tinham ar de chefiar, mas esses empurravam ainda mais e não queriam ouvir nada, mesmo nada, chegar junto deles era só receber empurrão.

A um polícia novo, perguntei: «Qual a razão por que vieram aqui empurrar e magoar os jovens?» . A resposta foi: «São ordens.» Eu disse-lhe que já conhecia essa frase de a ter ouvido já lá vão sessenta anos. Disse-lhe ainda: «Pensem que os polícias de baixo é que "se lixam".» Ele tentou explicar-me «que sendo o Rossio a praça nobre da cidade e a estátua o ícone dela, tinha de ser preservada de papeis e pessoas à volta». E em resposta ao perigoso que era serem acusados de brutalidades, respondeu-me: «Eu por mim já estou por tudo.»

Depois daquela confusão, todos os polícias se foram embora. Eram 16h30, mais ou menos, enfiaram-se na carrinha que estava mal estacionada (não havia por ali nenhuma Emel para a multar e bloquear…) e isto sobre a bela praça do Rossio e junto ao seu ícone o Rei D Pedro IV.

Maria Vitória Vaz Pato
BI 1651480

(originalmente publicado em Entre as brumas da memória)

Porque devemos reestruturar a dívida pública e como fazê-lo

Porque devemos reestruturar a dívida pública e como fazê-lo 

4 Junho 2011

 

Alberto Garzón Espinosa – Conselho Científico da ATTAC Espanha

 

Como é sabido, a crise financeira transformou-se em crise económica, porque as entidades financeiras encarregadas de financiar a actividade produtiva deixaram de fazê-lo, temendo piorar o estado dos seus balanços, já muito deteriorados por activos tóxicos. Activos tóxicos que recebiam esse nome porque, ainda que o preço de mercado fosse, formalmente, muito alto, careciam, na realidade de valor real - mais tarde ou mais cedo, teríam que contabilizar-se como perdas.

A quebra da concessão sôfrega de crédito conduziu a uma paralização do consumo e investimento nas várias economias nacionais; em Espanha, além disso, fez rebentar, definitivamente, a sua particular bolha imobiliária. Uma bolha que havia sido tornada possível pelas entidades financeiras, credoras de quantidades brutais de dinheiro, obtido nos mercados financeiros (empréstimos interbancários, emissão de obrigações e titularização, etc. ). Durante todos estes anos, o crédito privado foi o combustível de um modelo produtivo totalmente esgotado e que, na sua queda, provocou taxas de desemprego socialmente insustentáveis.

Para tentar conter a crise, os Estados europeus foram obrigados a desembolsar quantias enormes de dinheiro público. Por um lado, aprovaram resgates financeiros às entidades com problemas e, inclusivamente, em muitos casos, nacionalizaram-nas por completo. Por outro lado, levaram a cabo programas de estímulo económico cujo objectivo era criar emprego público e, desse modo, travar a queda do consumo e do investimento. Tudo isso conduziu ao incremento da despesa pública.

Do lado da receita, os Estados lidaram com as dificuldades próprias de um momento de crise económica. Dada a importância dos impostos na receita dos Estados (são a maior fonte de receitas públicas; em menor medida, os lucros das empresas públicas), e dado que esses impostos estão associados à renda, ao lucro e ao consumo... com a queda dessas variáveis, também as receitas públicas caíram.

Assim, a queda das receitas e o aumento das despesas causou o aumento do défice orçamental (a diferença entre receitas e despesas). Algo que o próprio Fundo Monetário Internacional reconheceu. E, para financiar esse desequilíbrio, os Estados tiveram que incrementar o seu endividamento exterior, ou seja, tiveram que emitir mais dívida.

Ver Gráfico

Como se percebe no gráfico, o endividamento de todos os países aumentou como consequência da crise, e não ao contrário, como alguns autores têm sugerido, tentando dissociar a responsabilidade bancária da degradação da situação fiscal dos países.

A emissão de dívida é um processo simples. Os Estados emitem títulos que proporcionam uma rentabilidade determinada ao seu comprador. No chamado mercado da dívida pública, os investidores (bancos, fundos de investimento, multimilionários...) participam no leilão e, desse acto, surge a taxa de juro paga pelo Estado sobre os títulos. Ao fim e ao cabo, os títulos de dívida pública constituem o processo pelo qual o Estado se endivida perante outros agentes (que também podem ser outros países). Quanto maior o número de compradores no leilão, menor o preço pago pelo Estado.

É evidente que a dívida contraída pelo Estado gera taxas de juro que é necessário pagar com regularidade (na forma de cupões) e os quais é necessário financiar, de alguma forma. Dado que a crise se mantém e a situação fiscal do Estado (a relação receitas-despesas) também se mantém, o Estado vê-se obrigado a reendividar-se. Aumentam, portanto, os chamados Encargos da Dívida, e pode entrar-se num círculo vicioso de que é muito complicado sair.

É necessário acrescentar, a isto, os processos especulativos, que tornam a carga da dívida ainda maior ou menos eficiente. Os investidores podem especular contra a dívida pública (como fizeram com a Grécia ou a Espanha), e provocar, assim, o encarecimento da emissão futura de dívida pública (aumentando a rentabilidade para o investidor). Tudo isto intensifica o círculo vicioso anterior.


O futuro da dívida pública e os planos de ajustamento

As medidas dos governos europeus têm o objectivo de aplicar os planos de ajustamento. Querem corrigir o défice orçamental através de uma descida das despesas públicas, o que acarretará um retrocesso do Estado social, e, em certa medida, através do aumento das receitas, sobretudo através de impostos indirectos (que são regressivos porque afectam, igualmente, ricos e pobres).

Contudo, esse caminho enfrentará riscos insuperáveis, como já advertiram, inclusivamente, prémios Nobel da economia como Krugman ou Stiglitz, dado que a despesa pública é um componente da procura com importância acrescida em momentos de crise. Se a despesa pública diminui, o consumo e o investimento também continuarão em queda, aprofundando a quebra económica. O consumo, sem a contribuição-chave do Estado, cairá, e as empresas não investirão num mercado em regressão, pelo que não haverá criação de emprego - haverá, pelo contrário, destruição de postos de trabalho. Isto, acrescentado à reforma errónea do sistema financeiro (que, ao continuar privado, não abrirá as portas às pequenas e médias empresas, que são as verdadeiras criadoras de emprego) e as reformas laborais (que precarizarão, ainda mais, o trabalho e reduzirão, em agregado, a capacidade de consumo da população), conduzirá a um desastre - nas palavras de Stiglitz.

Portanto, mesmo que a ofensiva neoliberal em curso seja bem-sucedida na redução da despesa pública, não terá a mesma sorte com a manutenção ou subida das receitas. Pelo contrário, é muito provável que as receitas continuem a diminuir e, portanto, que a relação mais relevante (receitas-despesas) continue a deteriorar-se. O que obrigará a um regresso contínuo ao mercado de dívida e ao reendividamento. 

 

Reestruturar a dívida

O não-pagamento da dívida é uma necessidade imperiosa para os países que estão presos neste círculo vicioso, ainda que, por certo, não seja a única medida imprescindível. Já existem muitos movimentos sociais partidos políticos - de esquerda - a reclamar a reestruturação ou não-pagamento da dívida. Não obstante, uma coisa é reestruturar a dívida; outra, muito diferente, é não pagar a totalidade da mesma. A reestruturação supõe a diferenciação dos vários contratos de dívida assumidos pelo Estado e modificar o seu prazo, a sua quantidade ou, inclusivamente, cancelar uma parcela ou a sua totalidade. É isto, precisamente, que está a ser reclamado pelos movimentos de esquerda.

A reestruturação dirigida pelos devedores (debtor-led default), ao contrário da reestruturação dirigida pelos credores (creditor-led default), supõe a realização de uma auditoria prévia da totalidade da dívida, controlada pelas cidadãs e cidadãos. Trata-se de determinar que parte da dívida é ilegal, imoral ou directamente insustentável. Por exemplo, pode declarar-se imoral qualquer contrato de dívida subscrito por bancos resgatados com dinheiro público ou, inclusivamente, por bancos que tenham comprado dívida pública com dinheiro obtido junto do Banco Central Europeu. Nesse caso, pode reestruturar-se o prazo, o volume ou, simplesmente, declarar que não se paga. O objectivo é reduzir a carga da dívida.

É claro que este processo tem custos políticos e económicos importantes. Os mercados financeiros (os credores: bancos e outros agentes financeiros) actuariam conjuntamente para atacar e especular contra o país em questão. Também haveria reticências radicais, a nível institucional, por parte da União Europeia e do Banco Central Europeu, além dos bancos nacionais. Por isso, seria recomendável que a reestruturação fizesse parte de um plano mais amplo e que, além disso, estivesse coordenado, pelo menos, pelos países que dele têm mais necessidade. Estes países são periféricos, como Portugal, Grécia ou Espanha. O desejável, ainda assim, seria uma auditoria a nível europeu.

O plano mais amplo deveria incluir, como têm recomendado autores como Onaran, Husson, Toussaint o Lordón, a nacionalização das entidades financeiras e a contrução europeu de um novo sistema sancionatório que puna especialmente as rendas parasitárias do capital e as grandes fortunas, além de servir para reverter a tendência para desigualdade na distribuição de receitas entre capital e trabalho. Também seriam necessárias medidas correctivas dos desequilíbrios europeus (como apontado pelo relatório da Research on Money and Finance) e da altíssima dívida privada.

(Original aqui)