Quando Correa chegou ao poder, depois de vencer as eleições no Equador, deparou-se com um presente envenenado: uma dívida imensa acumulada, que o FMI reclamou, em nome de si mesmo e da banca privada anglo-saxónica. Correa e o seu ministro da Economia, Pedro Páez — que tenho o prazer de conhecer e de quem posso gabar-me de ser, de certa forma, amigo — não cederam e exigiram uma auditoria à dívida. O resultado foi que o Equador afinal era credor, e não devedor. O pequeno país da América Latina não se deixou intimidar, e provou que uma parcela dessa dívida era privada, outra estava inflacionada, e parte já fora compensada. Ou seja: tratava-se de uma fraude.
Também a Argentina sofreu a asfixia do FMI através da dívida. E embora tenha pago uma parte, fê-lo à sua maneira, impondo condições e prazos, e uma auditoria.
Agora, o alvo do negócio da dívida é a Europa, em especial (mas não em exclusivo) o Sul. Fazem-nos crer que os nossos estados estão terrivelmente endividados, e que é imperioso que se pague a dívida antes de tudo — ainda que às custas da educação, da saúde e das pensões públicas —, porque reduzir a dívida é a prioridade das prioridades. Está em curso uma grande campanha de intoxicação nos media, para nos convencer de que sem reduzir a dívida — forçando as classes populares a apertar o cinto, claro está — não é possível sair da crise económica.
Os estados europeus em geral, e a Espanha em particular, estão efectivamente muito endividados, mas quanta desta dívida é privada, e quanta é pública? Que parcela pertence à banca e às grandes construtoras e promotores imobiliários privados? E também podemos perguntar-nos quanto dinheiro deixou de entrar nos cofres do Estado e das regiões autónomas graças a reduções de impostos, irresponsáveis e injustas, que favoreceram as classes abastadas e os bancos.
É uma pena que faltem na Europa, por estes dias, ministros da Economia como Pedro Páez, que é também membro do Conselho Científico da ATTAC Espanha e do Fórum de Alternativas do Fórum Social Mundial.
Os estados europeus têm andado a fazer contas segundo a cartilha neoliberal, que é como quem diz, com base no IVA no IRPF |1| dos trabalhadores por contra de outrem e por conta própria, na privatização do sector público e na externalização dos serviços.
A alienação de bens públicos e a venda ao desbarato de empresas e bancos estatais, o ovo de Colombo das reduções fiscais — tal como comprovam as investigações soberbas de economistas críticos como Vicenç Navarro e Juan Torres, entre outros —, deram origem a estados profundamente anorécticos e debilitados, que continuaram, como no Estado Espanhol, a sustentar serviços de saúde pública até agora eficientes e de qualidade. O endividamento era, pois, inevitável, e a solução que está em cima da mesa não passa por instituir o ITF |2| ou impostos sobre as transacções especulativas ou as grandes fortunas — eliminados de forma suicida —, nem por acabar com os paraísos fiscais ou perseguir a delinquência financeira. Antes pelo contrário: impõem-nos duplos pagamentos em serviços públicos ou a redução desses serviços.
Não sou economista, e o que não falta é bons economistas que entendem disto mais do que eu. Portanto, a minha proposta é política: o apoio, que é imprescindível, a uma auditoria à dívida pública, europeia e do Estado Espanhol.
Um dos temas abordados na recente Conferência Social Europeia na sede do Parlamento Europeu — organizada pela Transform Europa e pela ATTAC França, entre outras organizações sociais e sindicais — foi o da dívida e do seu impacto negativo sobre os povos da Europa. A dívida é a desculpa mais frequente para justificar as chamadas políticas de austeridade, que estão a liquidar o estado de bem-estar no nosso continente. O presidente do CATDM, Eric Toussaint, foi o relator das conclusões sobre este assunto — em que trabalha há muitos anos em África e na América Latina, e que chega agora à Europa.
Há anos que o FMI impõe a mesma política económica profundamente neoliberal, decalcada de uns países para os outros. Chegou a vez da Europa.
As organizações sociais europeias, como a rede ATTAC Europa, a Transform, diversos sindicatos e fóruns sociais, e, em Espanha, o Socialismo21, a ATTAC e as Mesas Ciudadanas de Convergencia, assinaram um documento em que assumem como prioritária a luta contra a fraude da dívida pública, e a exigência de uma auditoria, levada a cabo por organismos públicos e independentes. O outro eixo fundamental das lutas sociais a nível europeu será o combate ao Pacto do Euro Plus.
Vamos reunir-nos em Londres a 1 de Outubro, e seria muito interessante que a dita conferência — convocada pela activa e bem organizada Coalition of Resistence britânica — contasse com a participação das diversas plataformas de resistência social do Estado Espanhol (a rede ATTAC, Democracia Real Ya!, as Mesas de Convergencia, Plataforma de Afectados por la Hipoteca, Ecologistas e Verdes, sindicatos de ONGs de carácter solidário e progressista). Temos de convergir e tratar de articular resistências e convocar uma Greve Geral Europeia de carácter sócio-político.
Por agora, a única resposta é a mobilização e a construção de uma consciência cidadã para denunciar a grande fraude e mentira com que estão a amordaçar a cidadania. A solução, insisto, é não pagar, auditando previamente, e implementar um sistema social justo e redistributivo. Os governantes europeus têm muito a aprender com os da América Latina… e oxalá Elena Salgado soubera metade do que Pedro Páez sabe. E tivera metade da lealdade que ele teve para com o seu povo.
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