terça-feira, 10 de julho de 2012
sexta-feira, 30 de março de 2012
es.col.a - carta aberta - resistiremos
Recapitulando: a 10 de Abril de 2011, um grupo de pessoas ocupou a antiga escola primária do Alto da Fontinha, devoluta e abandonada há mais de cinco anos pelo município que a devia manter. Depois de um mês de ocupação do espaço e já com inúmeras actividades a decorrer, a CMP mandou a polícia despejar violentamente os ocupantes e emparedar o edifício. Depois de um longo processo negocial, o Es.Col.A voltou à Escola da Fontinha onde se mantém até hoje, com a indiferença da CMP.
Esta farsa é, para nós, inaceitável, tal como o é o despejo em si - seja agora, em Junho, ou em qualquer altura. Perante quem tem, repetidamente, falhado no cumprimento da sua própria palavra e que entende o ultimato como forma de negociação, a posição do Es.Col.A só pode ser a de não aceitar a decisão de despejo. Fazê-lo seria desistir do sonho com que partimos para esta aventura, o de transformar as nossas vidas com as nossa próprias mãos, ensinando e aprendendo com quem se cruza connosco, nas ruas da Fontinha. Porque o Es.Col.A, muito mais do que uma escola, é um laboratório dum mundo já transformado, resistiremos.
Precisamos do sentido solidário de toda a gente que se identifica com o projecto. Em todo e qualquer lado, que a ocupação e a libertação de espaços sejam a resposta generalizada ao ataque às iniciativas de emancipação popular dum sistema que prefere a propriedade, mesmo que abandonada, ao usufruto, mesmo que colectivo.
Que a moda pegue!
ai, ai!
segunda-feira, 26 de março de 2012
Aspirante a manual de boas maneiras para protestos anti-austeritários*...
Mínimos de referência 2012 – para os movimentos sociais, sindicais ou não - versão 1.0
- os protestos, para terem interesse e impacto, têm de perturbar a ordem estabelecida. ‘Violência’ é a exibição de símbolos de repressão, todo o aparato policial para conter pessoas que se manifestam pacificamente ou os infiltrados que têm provocado distúrbios violentos nas mais recentes manifestações (e que as pessoas têm o direito de expulsar, pacificamente, das mesmas). Atirar coisas, que não magoem, aos símbolos de poder (financeiro ou político) - confettis, pétalas, purpurinas, peluches, tinta, bolos, tomates (maduros), ovos (crus, podres ou não), cenouras (cozidas), ou outras coisas que não ponham em causa a vida de ninguém, mesmo que atiradas de muito longe -, não são violência.
- a polícia de intervenção não é nossa amiga.
- ‘segurança` de uma manifestação, por parte de um ou mais colectivos organizadores, a existir, serve para garantir a segurança dos manifestantes face a infiltrados e a detenções injustas: são pessoas incentivando acções de grupo, apelando à solidariedade dos restantes manifestantes por forma a impedir os abusos policiais.
- as pessoas têm direito à autodefesa – individual ou colectiva - da detenção injusta ou ilegal e do abuso de poder; os manifestantes não são culpados até prova em contrário.
- não se deixam manifestantes para trás, numa acção pública. Aqueles que a polícia estiver a pressionar mais devem ser protegidos pelos restantes.
- todos os colectivos anti-austeritários são solidários, fazem circular informação entre si e tentam coordenar acções e mobilização em conjunto.
- nenhum colectivo anti-austeritário tem o direito de boicotar, canibalizar ou concorrer com acções e manifestações de outros colectivos.
- todos os colectivos anti-austeritários são bem vindos às acções dos restantes, sendo implícita a liberdade total de participação em cada protesto ou acção pública – utilização de máscaras, cartazes, bandeiras, faixas, palavras de ordem etc –, a comunicação prévia e o apoio público à acção são de bom tom
- chega de carros de som, vivam os rádios portáteis, megafones, apupos, vaias e a voz das pessoas.
- todas as pessoas e todos os colectivos têm direito a convocar o que quiserem: "se não concorda, não participe mas não atrapalhe."
- o que conta é a expressão colectiva e livre, não as estrelas e as vanguardas dos movimentos.
- não há só manifs e greves: imaginação ao poder.
- estão excluídas pessoas sem sentido de humor
Cidadãs. Várias.
*excepto grupos nazis, neonazis, xenófobos, racistas, homofóbicos ou sexistas, que não são bem vindos.
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
manifesto - 15 de Outubro - Porto
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Ainda as inevitabilidades inviáveis e os lugares comuns dos comentadores habituais
Este governo passou todo o mês de Agosto a legislar. Cidadãos de férias, jornalistas de férias, programas de análise política interrompidos… há lá melhor época para legislar contra a Constituição do que quando as pessoas pensam que aquilo é obra dos comediantes da silly season? Mas a dura realidade é que já não estamos a ver o que vão fazer. Estamos a ver o que fizeram!
Além do que já está visto e feito, podemos supor o que vão fazer para a frente, com base no que conhecemos. Não vamos ser ingénuos, como se não conhecessemos este governo! Sobreiros, Moderna, submarinos? Sempre que o PSD vai para o governo a polícia desata a matar gente e a malhar forte e feio em qualquer manifestação! Aliás, já foi dito e anunciado que iria ser assim, primeiro pelo Coelho e depois pelo Portas. Truques para fazer desaparecer défices… lembram-se da Ferreira Leite? Mesmo que não se lembrem, estamos a pagar o negócio do Citybank! Mais o BPN, que cada dia tem mais e maiores buracos e novidades. Não podemos supor com base no que não conhecemos, mas esta gente já cá anda há tempo suficiente e a maior parte dos cidadãos também.
Sabemos até mais. Sabemos que anunciaram em grande pompa que iam ser menos ministros para poupar. Esqueceram-se de anunciar em grande pompa que são muito mais secretarias de estado e assessores e que na realidade este governo é muito mais caro que os anteriores!
Sobre a saúde:
Escolheram cortar nos transplantes, na vacina do HPV, etc. Esqueçamos a questão humana, que isto não é um país, é um aviário para a engorda. Um doente transplantado vai para casa um mês e depois volta a ser franguinho produtivo. Um não-transplantado agoniza durante uma data de tempo no bem-bom do hospital à custa do contribuinte e depois ainda por cima morre e não volta a ser produtivo e a pagar impostos! Uns mal-agradecidos, é o que é!!!
Uma mulher saudável trabalha, produz filhos, produz assistência familiar, etc. Uma mulher que morre aos 40 com cancro (que é a idade média no caso do cancro do colo do útero provocado pelo HPV) custa internamento, custa quimioterapia, custa todos os anos que não trabalhou por não viver e pagar impostos até aos 70, custa uma cirurgia. Tudo isto pode evitar-se com 3 injecções que custam no total 500 euros. Já sabemos que em aviários não há dor, sofrimento nem dramas familiares ou questões humanas a considerar.
A medida afinal foi reconsiderada e está em nova avaliação. O governo atirou a moeda ao ar e quando viu que lhe ia cair em cima lançou o aviso sobre tumultos e disse que afinal era só uma proposta em avaliação (a parte das vacinas, não a dos transplantes).
Os medicamentos biológicos são basicamente a diferença entre um franguinho que continua a produzir em pleno como se não tivesse doença nenhuma e um franguinho indigente, em casa, ainda por cima a tomar anti-inflamatórios à custa do pobre contribuinte trabalhador. A viver à grande, portanto. Humanamente é a diferença entre uma pessoa que vive a sua vida normal e uma pessoa consumida pela dor, incapaz de trabalhar, de se mexer, de fazer muitas das coisas quotidianas. O medicamento é caro…? Quem assistiu à diferença real, vista, observada, na vida verdadeira, vivida, de uma pessoa que passa do anti-inflamatório (que na verdade não faz grande coisa) para o novo medicamento, sabe que o medicamento não é caro. Nada caro. É uma escolha desumana e cara — porque um franguinho que trabalha e paga impostos é melhor que o franguinho indigente à custa do contribuinte.
Cultura:
Sobre a Cultura, volta o mesmo processo. Saem umas bocas muito gerais e imprecisas sobre a OpArt e a Cinemateca, o suficiente para medir a reacção, mas ainda com espaço para dizer que é só uma proposta e tal. Parece-me, no entanto, que já sabemos o suficiente desta gente para perceber que para eles nada disso é para respeitar. Não me parece descabido que mandem simplesmente extinguir ou privatizar, para ser comprada por uma Lusomundo ou TVI, no caso da Cinemateca.
Os Nacionais S. Carlos, S. João e D. Maria II, a mesma coisa. Já vi em França a Comédie Française privatizada. Os actores fazem 3 peças por dia, às vezes em papéis diferentes, mais ensaios para a estreia seguinte. Passaram a ser escolhidos por fotografia, não pela qualidade. É um regalo para os olhos ver aquele palco e há meninos e meninas para todos os gostos (o bonitinho, o machão, o charmoso; a loura, a morena e a ruiva)! São todos uns giraços e umas giraças, mas nada daquilo tem a ver com Molière, Corneille ou Beaumarchais! Quero com isto dizer que a privatização não é nada impensável…
Impensável?
Impensável era obrigar os agricultores a deitar as culturas fora, limitar a produção de leite dos Açores ou pôr quotas nas pescas e isso já foi há 20 anos! Impensável era democratizar o ensino superior e vermo-nos sem médicos a seguir — e o numerus clausus já lá vai e nós estamos mesmo sem médicos!
Impensável era toda esta novela do BPN, as voltas que deu sem sair do bairro da Coelha, mais a eleição e reeleição do permissivo e mui ciente do processo Cavaco Silva para a presidência. Impensável era estar toda esta gente a viver da escravatura em Angola em 2011. Eppur…
Impostos:
Quanto ao mito da boa gestão, podiam ter escolhido aumentar o IRS nos escalões mais altos e acrescentar um escalão de IRC para maiores lucros, em vez disso aumentaram o IVA para níveis impensáveis em qualquer outro país. Como o consumo diminui a subida do IVA não vai dar para nada. Até em termos de tesouraria estas decisões são um fiasco!
Podiam escolher criar postos de trabalho no combate à fraude e à evasão fiscal (para trazer receitas) — 2 em um!!! — mas escolheram não o fazer.
E concluímos, as trevas:
Repete-se à exaustão que as empresas lucrativas investem e criam emprego. Mas então onde está o investimento e consequente criação de emprego dos lucros crescentes dos últimos anos nos bancos, na TAP, Jerónimo Martins, SONAE, etc.? É a crença num mito. Estarão os nossos netos e bisnetos a chamar a esta época a segunda idade das trevas e do obscurantismo, em que as pessoas vivem na crença cega de um deus mercado que um dia há-de funcionar. Não há qualquer racionalidade ou explicação aparente para que se viva assim e no entanto a obediência inquestionável prossegue quase sem tropeções.
Em seguida voltamos à fita do inevitável e das dívidas que são para pagar. É mesmo conversa da treta para fazer chantagem e manter a tal obediência cega e obscurantista, não passa disso. Quem lê mais relatórios da ONU, mais Krugman e outros prémios Nobel da economia e menos comentadores partidários (o Pacheco Pereira, o Sousa Tavares, o Rebelo de Sousa…) tem plena consciência disso. Acontece que os relatórios da ONU e os prémios Nobel não dão na tv mesmo antes da novela.
A ONU e os Nobel, embora com pequenas diferenças, concordam nas mais básicas evidências: a dívida externa não é pior do que a que existe em muitos outros países, sobretudo a dívida pública; não sabemos que parcelas compõem o total da dívida pública, porque não houve nunca uma auditoria efectivamente esclarecedora; não sabemos sob que condições foi contraída a dívida, ou cada uma das suas partes e em nome de quê, nem onde está de facto esse dinheiro; o problema é que os bancos alemães têm dinheiro investido nas nossas dívidas (portuguesa, grega, irlandesa) e querem lucros gigantescos (esses sim, insustentáveis a valer) para ontem; salários e segurança no trabalho promovem o consumo e garantem a economia a longo prazo de forma sustentável.
Não a economia do milionário, mas a economia do Sr. Zé da mercearia, mais o Sr. António do café do bairro, que por sua vez vai à frutaria da D. Etelvina e leva os filhos no verão à praia e a jantar ao restaurante… Se cada um de nós puder tomar um café por dia no bairro, se cada um de nós puder comprar um CD ou um livro uma vez por mês, esses negócios mantêm-se. Um milionário, por mais que tenha, não janta 30 vezes por dia nem muda de roupa uma vez por hora — vai deixar o dinheiro num offshore, não consegue consumir tudo! Mas o mesmo dinheiro dado a 30 famílias diferentes dá 120 jantares naquele dia e eventualmente uma muda de roupa nova por estação por pessoa e umas idas ao teatro, a concertos e ao cinema!
E por falar em offshore: pode taxar-se o dinheiro à saída quando vai ser transferido para um offshore. Também é uma escolha não o fazer.
Mais, diz-se (é outra das inevitabilidades) que os administradores públicos têm que ser pagos assim, senão vão-se embora. Segredo: se fossem realmente melhor pagos lá fora e se alguém os quisesse, já tinham ido. Os nossos administradores ganham mais do que na maior parte dos países europeus. Não haverá por aí alguém competente e que se contente com um bom salário (e por bom salário estou a considerar algo que dê para grande vivenda, piscina e bom Mercedes novo de 6 em 6 meses — não é nenhuma miséria)?
Diz-se que se aumentarmos os custos (laborais e fiscais) para as empresas elas vão-se embora. Ó senhores… O Soares dos Santos (Jerónimo Martins, Pingo Doce) vai-se embora assim… e deixa um mercado de 10 milhões de habitantes a quem quiser ocupá-lo?! Mas já alguém parou para pensar (ou rir às gargalhadas de tal invenção)?
O Belmiro (ou mais recentemente o filho) deixa os netos e a família toda se o salário mínimo subir para os 500 euros? Essa gente também tem raízes e família, não vão embora por causa de uns trocos. E 500 euros seria ainda assim muito baixo comparativamente ao resto da Europa! Para compensar teria que emigrar para fora da Europa, o que não é muito plausível…
E se o Continente for à falência por causa dos 500 euros ou por causa de um IRC mais alto ou ainda se de repente a lei laboral tivesse que ser absolutamente cumprida? Um negócio de supermercado, que vende comida e bens básicos, só vai à falência por má gestão ou fraude. Se for realmente à falência, sendo um negócio seguro e lucrativo, será prontamente substituído por outro que saiba gerir com decência. O Belmiro lá ficava sem a fortuna, mas é tudo. Em termos nacionais (do ponto de vista dos clientes, dos trabalhadores e do fisco) ficaríamos bem melhor!
(publicado também no Luz de Lisboa)
domingo, 12 de junho de 2011
Enquanto se contam mortos e feridos
Nada disso me interessa, confesso. A política dos estandartes e do soundbyte, que os blogues portugueses não parecem ter vindo amainar, não se compraz com desacelerações contemplativas. E só percebemos que a política, hoje, é uma arena de combate entre grupos organizados quando investimos tempo nessa desaceleração e contemplação. Sei perfeitamente que isto não é giro ou interessante. E também sei que a maior parte dos entendidos que navegam pela blogosfera, com uma observação aguda acerca da esquerda-caviar e de como somos todos uns iludidos que deviam era ir trabalhar, não quer saber destas coisas para nada. Pois olhem: eu quero. É que a política como combate organizado é aquela que importa. Não é a do voto perdido.
No próximo dia 23 de Junho, o Parlamento Europeu votará um conjunto de medidas que modificará todo o equilíbrio de forças do processo de integração europeia, hoje por hoje periclitante e ameaçado. Por um lado, a Comissão Europeia adquirirá poderes para sancionar Estados-Membros (EM) da zona euro que não respeitem o Pacto Euro-Plus e uma série de indicadores prospectivos da sua performance económica, sem intervenção significativa do único órgão directamente eleito, na arquitectura da UE - o Parlamento -, e sem possibilidade real de recurso para o Tribunal Europeu ou Tribunal de Contas.
Duas dessas medidas são particularmente inquietantes, porque se tratam de modificações fundamentais à União Económica e Monetária - o Procedimento para Correcção de Desequilíbrios Macroeconómicos Excessivos e o Procedimento para Correcção de Défices Excessivos. De acordo com Fritz Scharpf, professor emérito do Instituto Max Planck para o Estudo das Sociedades, estas medidas são extraordinárias por um conjunto de razões. Cito:
"First, it [o programa a ser votado] replaces the rule-based approach of the Maastricht Treaty and the Original Stability Pact with a highly discretionary regime of supranational economic management. Even the new EDP [Procedimento para Correcção de Défices Excessivos] will now refer to projections of "potential growth" for its assessment of national budgets. And the EIP [Procedimento para Correcção de Desequilíbrios Macroeconómicos Excessivos] must depend on disputable hypotheses (...). Since the capacities of governments to exercise indrect influences over such variables as nominal wages, private saving and spending, consumer credit, etc. may either not exist or differ enormously among member states, compliance with the "recommendations" issued by the Commission may well be impossible." (p. 30)
Para que se perceba: o novo regime de governo económico da União basear-se-á em indicadores prospectivos e hipóteses de base pouco sólida. A Comissão Europeia, órgão sem legitimidade democrática, poderá impor sanções de alcance brutal, com base no PIB de cada EM, com base nesses indicadores, a bem do monetarismo e de fundamentos microeconómicos que já passaram à categoria de fé religiosa. Enquanto se discute o sexo dos anjos, as nossas vidas estão em jogo. E quem tiver dúvidas de que, para esta trupe de alquimistas, não passamos de peões, leia e releia a documentação acerca das seis medidas para um novo governo económico. E, já agora, leia e releia, com atenção, o discurso do actual governador do Banco Central Europeu, aquando da entrega do Karlspreis 2011. Percebem-se as pretensões. Aliás, percebe-se todo um distúrbio psíquico e uma instância gravíssima de irrealidade, que deve circular entre Paris, Bruxelas e Frankfurt.
Não se trata de qualquer alarmismo. Continuando a citar Scharpf (pouco dado a alarmismos ou sectarismos),
"As long as it is alleged that they may somehow have an effect on imbalances, the requirements may specify policy changes in a completely undefined range of national competences - including areas like labor relations, education, or health care that have been explicitly protected against European legislation in successive versions of the Treaties". (p. 34)
Ou seja, a Comissão passará a auferir de poderes alargados para impor austeridade. Com um perigoso desequilíbrio institucional: não está dependente de legitimação eleitoral. Por agora, discute-se, com algum fulgor - e optimismo excessivo, quanto a mim, a federalização da Europa. Que ela seja feita, e depressa, ancorando o ou os órgãos dotados de poder executivo, na União Europeia, a procedimentos eleitorais transparentes e à prestação de contas regular e institucionalizada perante as cidadãs e cidadãos da UE. Porque um órgão sem legitimação eleitoral e dotado de poderes coercivos alargados não terá qualquer incentivo para refrear o ímpeto punitivo que já domina Bruxelas. E levaremos, em Portugal ou na Grécia, com um martelo particularmente duro. Continuamente. Porque o governo neoliberal não favorece o mercado livre, a democracia ou o socialismo; favorece o reforço de uma estrutura de poder que intensifica assimetrias brutais e transfere riqueza, oportunidades e saúde para um conjunto cada vez mais diminuto de pessoas. Se é preciso tomarmos anti-depressivos? Que tomemos. Se é preciso andar quatro horas em transportes privados para chegar a um call-center onde ganhamos 400 euros mensais? "É a economia, é o mercado". É, pois é.
A maioria conservadora no Parlamento Europeu garante, na prática, a aprovação destas medidas. O problema é que estás medidas desgastarão ainda mais o equilíbrio da UEM, porque garantem a continuação das economias excedentárias/deficitárias como tal, sem que existam mecanismos redistributivos de compensação. De facto, e porque os memorandos de entendimento impostos aos governos da Grécia, Irlanda e Portugal são economicamente deterministas, isto é, impõem um percurso pré-determinado aos países em causa (porque não enfrentam o problema da dívida privada, não definem prioridades de política industrial, não impõem sistemas fiscais progressivos nem impõem controlos de capital, além de não ser prevista a negociação de taxas de juro específicas com o BCE), e esse percurso é uma espiral destruidora que impede qualquer cumprimento das "recomendações" impostas pela Comissão Europeia, com base em indicadores tirados da cartola.
Se se quer continuar a discutir o Bilderberg, o grunhir do sujeito actualmente conhecido por Presidente da República ou a derrota suposta do partido dos meninos que vão a manifs e jogam na playstation em casa dos papás (curioso como um partido aparentemente tão irrelevante e pouco representativo suscita tanto ácido gástrico), força. Enquanto isso, nos corredores e nos despachos, reconstrói-se a Europa, uma Europa liberal-paternalista, onde os trabalhadores e os pobres são tratados com mão-de-ferro e as classes cosmopolitas levam com luvinhas de seda.
Ao menos, teremos mais razões para dizer que não somos contra o sistema, que o sistema é que é contra nós. Se, ao menos, tivéssemos prestado menos atenção à paróquia e mais à Igreja, talvez as coisas fossem diferentes.
Link para Sessão Plenária Parlamento Europeu 22.06/23.06
Link para paper Fritz Scharpf
Link para discurso Trichet
sexta-feira, 6 de maio de 2011
Mais Islândia

Claudi Pérez, El País, Madrid.
Tradutora: Isabel Fernandes.
Fonte: Courrier Internacional, Maio 2011
Não parece disposto a dar o braço a torcer na questão do Icesave. Estará porventura a assumir um papel que não é o seu?
Até agora, esta prerrogativa nunca tinha sido usada, mas vivemos tempos de grandes desafios. O essencial é que a Islândia é uma democracia, não um sistema financeiro, e que esta não é apenas uma crise económica: é uma crise política. Uma das razões por que a Islândia está a recuperar rapidamente reside no facto de o país estar a dar uma resposta democrática espantosa, e não apenas uma resposta financeira. Os islandeses provocaram uma mudança de Governo, deram início a uma investigação e vão rever a Constituição. Os referendos inscrevem-se nessa tendência. As anteriores condições de pagamento eram muito injustas: as novas são melhores, mas se os islandeses vão ter de pagar uma dívida da sua banca devem ter o direito de decidir.
Há dois anos, o euro parecia um paraíso para divisas pequenas como a coroa. Agora, o vento mudou mas, ainda assim, o Governo quer que a Islândia entre na U.E.. E o senhor?
Os recursos energéticos, a pesca, o turismo, tudo isso foi crucial para sair da crise, tal como a nossa divisa. A forte desvalorização é um paradoxo: por um lado ficamos mais pobres, mas, por outro, a competitividade da indústria aumenta.
Com o euro, essa vantagem desapareceria.
É evidente que a moeda foi parte da solução e que a Grécia e a Irlanda não puderam usar esse recurso. Mas a conveniência ou não da adesão à U.E. vai depender da negociação. Há uma contradição interessante: as sondagens mostram uma maioria que quer que as negociações prossigam. E há uma maioria ainda maior contra a adesão.
A Islândia deixou cair os seus bancos e persegue os banqueiros. Considera isto como um modelo islandês de saída da crise?
Talvez não nos restasse outra opção: os bancos eram tão grandes que não havia forma de os resgatar. Mas pouco importa se havia ou não outras opções: a Islândia não aceita a ideia de o cidadão comum ter de pagar a totalidade da factura pelas loucuras dos bancos, como aconteceu noutros países com as nacionalizações pela porta das traseiras. Volto ao meu argumento inicial: a solução para a crise não é meramente económica.
Foram instituídos controlos de capital, os impostos aumentaram e foram feitos cortes nas despesas sociais, o que gerou o descontentamento da população. Este é dirigido contra os bancos ou contra os políticos?
É difícil dizer. Apesar dos controlos, o país continua a funcionar bem; o impacto fiscal é inegável, mas era necessário e está a ser razoavelmente bem aplicado. As crises são dolorosas.
Alguém vai acabar na cadeia?
Não me cabe a mim dizê-lo.
Há alguns anos o senhor falava do “capitalismo viking“, de um grupo de jovens banqueiros “prontos para conquistar o mundo”. Ainda tem o mesmo ponto de vista?
Talvez as coisas tenham acontecido demasiado depressa e não conseguimos ver os riscos: as agências de notação e as autoridades europeias também não se aperceberam deles. Houve vozes críticas, mas, como tantos outros, eu não soube ouvi-las. Há que tirar lições do que aconteceu.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
follow the money

sócrates entra de carrinho, logo ao primeiro minuto, e diz SIM ao governo de salvação nacional da gente bem intencionada ...porque há tempo para as disputas e tempo para a unidade, o nosso primeiro acha possível e desejável um entendimento entre o PS, o PSD e outros partidos que se disponham a cooperar, que a democracia é o reino do compromisso e a sua riqueza é haver vários pontos de vista - mas agora esqueçam lá isso e todos juntos pelo FMI. nunca ninguém falou em união nacional, não, isso era uma coisa fascista, o que se falou foi de u-ni-da-de. podíamos ter evitado isto tudo, se tivéssemos negociado aquando do PEC IV - o PSD (que achava que esse ainda não era suficiente) nem precisava de aprovar, bastava olhar para o lado (abster-se é anuir, pois claro).
é preciso fazer uma revisão da história: não foram três PEC em que PS e PSD estiveram de acordo, não estiveram sempre bem, bem de acordo, o último já passou com muitas dificuldades... isto não ERA inevitável (como quem diz, agora é... mas, digo eu, olhe que é inviável). diz que levou o PECIV aos colegas europeus, ao banco central e à comissão europeia e eles disseram todos que estava bem - 'a Europa' punha uma linha vermilha em frente a Portugal, (e dizia 'salta', e nós saltávamos), e tínham todo um plano que resolvia todas as nossas dificuldades de financiamento. não fora a maldita crise política (e os senhores dos mercados não subiam os juros assim)...
o problema são as dívidas que já tínhamos: não havia mercado que nos emprestasse dinheiro para pagar os juros da dívida (estão a perceber a lógica??). vai daí, o pedido de ajuda. já tínhamos uma solução, vamos aplicá-la de qualquer maneira, ganhemos nós ou os outros, portanto para que foi isto tudo? era preferível pedir ajuda depois das eleições (não vá o caso das pessoas perceberem o que lhes vai acontecer, e, sei lá, votarem à esquerda).
... mas os banqueiros precisavam do dinheiro, e pressionaram, e foi tudo muito mais rápido do que ele estava à espera. para além além dos juros a subir, principalmente o 'downgrade dos bancos' colocou-os numa situação em que eles estavam com dificuldades de financiamento (tadinhos deles). o nosso sistema financeiro, os 'nossos' bancos, não tanto o estado, tinham dificuldades em financiar-se junto do BCE. sócrates está na luta para que o programa-que-vem tenha por base o PEC que foi chumbado (weeeee), se bem que a situação se deteriorou.
podemos olhar para 2011 com tranquilidade, que até nos tem sobrado dinheiro. a troika sabe bem qual é a nossa situação orçamental. e não se deixa levar.
domingo, 24 de abril de 2011
"Foi bonita a festa, pá!" Por São José Almeida
A 25 de Abril de 1974 tinha 14 anos. Pertenço à geração que se fez adulta com a democratização do país. Aprendi a importância da política e a grandeza da democracia ao vivo, vendo as tentativas reais de construção de uma sociedade mais livre, mais igualitária e mais solidária em Portugal. Tenho o privilégio de pertencer a uma geração que viveu em primeira mão o processo de democratização política, mas também económica e social, apostando no bem-estar de todos e na, cada vez mais justa, redistribuição da riqueza. Tenho o privilégio também de pertencer a uma geração que viveu na primeira pessoa a construção de uma sociedade mais livre e igualitária também nos direitos individuais, nas conquistas do feminismo e da construção de uma identidade gay.
Era demasiado nova para ter participado directamente em muita dessa construção. Pertenço à geração que chegou depois, que ficou adulta quando o espaço estava já preenchido, e que, por isso, é também a geração da descrença. A geração de que não se fala. Que aparentemente não fez nada. A geração que ainda formou a sua personalidade no fascismo e está ainda presa ao medo e à reverência, incapaz de, por exemplo, dinamizar o seu 12 de Março. A geração do assim-assim, do in-between, do pela metade, do meio, do a caminho de. A geração que se foi habituando a olhar o poder e os poderes com desconfiança, pois o fosso entre o país prometido e o país construído era cada vez mais evidente.
Mas, apesar de todas a frustrações, de todos os sonhos desfeitos como castelos na areia, de todos os entusiasmos que acabaram por morrer na praia, para a minha geração, que ainda viu escolas aonde chegavam crianças debaixo de chuva com chinelos de enfiar no dedo (que agora a moda transformou em havaianas), que viu carroças à noite a recolher restos de comida para alimentar os porcos e as galinhas, que conheceu os pobres andrajosos e sujos de Lisboa, por pouco que soubesse o que ia sendo feito, essa construção valia a pena e foi sempre uma festa. Ainda me lembro do primeiro ano de faculdade, em que, no dia 24 de Abril perto das onze da noite, quando terminou a aula, o saudosíssimo Piteira Santos perguntou: "Então! Quem vem para o Rossio festejar?" Porque a festa fazia-se então na rua. E celebrar a democracia era uma festa.
Existe, hoje, de facto, um país profunda e radicalmente diferente. Um Portugal mais livre, um Portugal mais igualitário, um Portugal mais solidário, um Portugal mais democrático. É verdade que somos uma sociedade pobre, onde cerca de quarenta por cento da população vive abaixo do limiar de pobreza e que essa percentagem só é reduzida a menos de vinte por cento pela intervenção do Estado-Providência. Modelo social que parcialmente foi introduzido por Marcello Caetano, mas que o 25 de Abril acelerou, completou e universalizou e que a adesão europeia assegurou. Esse maravilhoso mundo novo que ia ser a Comunidade Económica Europeia, depois alargada ao sonho da União Europeia a caminho do federalismo solidário - no qual acredito realmente.
É verdade que há distorções à liberdade, promiscuidade, corrupção, medo, mas há uma sociedade onde as novas gerações, que nasceram com o 25 de Abril ou depois, e que aprenderam a respirar liberdade, já fazem um 12 de Março.
Também verdade é que nos últimos dez anos, com a pressão neoliberal, imposta por essa mesma Europa - com o seu modelo de sociedade que desloca a sua razão de ser do bem-estar das pessoas para a garantia do lucro dos chamados "mercados", que é como quem diz das empresas financeiras privadas, logo de um conjunto de accionistas que atingem lucros fabulosos à custa do empobrecimento de todos -, a liberdade, a igualdade e a solidariedade têm sido postas em causa em Portugal. Mas há um núcleo essencial de direitos, a que a minha geração se habituou a chamar "Conquistas de Abril", que permanece quase intacto, pelo menos na Constituição. E que asseguram a organização do trabalho como um direito, assim como outros direitos sociais, no que toca à redistribuição da riqueza, que estão consubstanciados no Modelo Social Europeu. Para além dessa conquista fabulosa que é o Salário Mínimo - ainda me lembro que, em 1975, quando foi criado, se ouviam bocas sobre que não seria nunca cumprido, até porque ia dar azo a que os operários passassem a comer marisco...
Agora, quando o 25 de Abril faz 37 anos, o FMI está pela terceira vez em Portugal, orientado pela União Europeia e acompanhado pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu, para aplicar as suas receitas. E fazem-no, desta vez, sem disfarçar que se vive num regime pós-democrático, em que o poder político eleito já não representa o soberano, o povo, mas sim interesses privados dos chamados "mercados". Uma receita que nada tem a ver com poder democrático, nem mesmo a nível federal, mas que serve os interesses dos bancos credores do financiamento das sociedades europeias, que, nas últimas décadas, foram conduzidas a viver a crédito fácil imposto pelo marketing consumista oferecido pelos próprios bancos, que mantém hoje as pessoas e os Estados reféns.
E, cada vez mais, surge mais longe a realização do sonho do país livre, igual e solidário do 25 de Abril. Até porque muito do que é apontado como "cura" para a chamada "crise" da economia portuguesa entra em contradição e põe em causa a tal sociedade mais livre, mais igual e mais solidária contida nas "Conquistas de Abril". E a pergunta impõe-se: o que restará dessas "Conquistas de Abril", daqui a cinco anos, quando a "cura" trazida pela União Europeia já fizer efeito em Portugal?
Será que depois da "cura" se voltará a cantar, como fez Chico Buarque de Hollanda, logo em 1975, no seu Tanto Mar: "Foi bonita a festa, pá!"? Será que então o país mais livre, mais igual e mais solidário do 25 de Abril será apenas um país mais uma vez adiado ou terá sido simplesmente erradicado?