sexta-feira, 6 de julho de 2012

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL GARANTE IMPUNIDADE DO ROUBO!










O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 353/2012, relativo à questão dos cortes dos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores da Administração Pública constitui – ao invés do que alguns opinadores logo trataram de pregar – uma errada, injusta e perigosa decisão contra os trabalhadores.

Antes de mais, porque passa por completo ao lado da questão de que os referidos cortes lesam, antes de mais, os princípios da protecção da confiança e da certeza e segurança jurídica dos cidadãos (não sendo aceitável o argumento de que estes, em tempo dito de crise, têm de estar preparados para tudo e, consequentemente, não se pode dizer que sejam surpreendidos por qualquer medida, por mais gravosa que ela seja). Como passa ao lado de que a mais grave violação do princípio da igualdade por parte das leis do orçamento reside na circunstância de apenas os titulares de rendimentos do trabalho terem de sujeitar os sacrifícios da drástica redução dos mesmos, enquanto os titulares de outros tipo de rendimentos, e desde logo os do Capital, os não suportarem, e muito menos na mesma medida e carga de esforço.

De seguida, porque – depois de a lastimável saga da eleição dos três novos membros se ter arrastado o tempo suficiente para o Acórdão sobre esta questão do corte dos subsídios só ser proferido depois do subsídio de férias já ter sido extorquido aos trabalhadores da Administração Pública – o Tribunal, usando artificiosamente do mecanismo da limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, e sob a expressa invocação da necessidade de cumprir as exigências da tróica (!?) vem despudoradamente estabelecer que tal declaração afinal não produz efeitos e não só relativamente ao subsídio de férias (já entretanto propositadamente extorquido) mas também quanto ao subsídio de Natal, cujo prazo de pagamento, porém, só ocorre daqui a cerca de 5 meses!? Ou seja, e em suma, neste Acórdão o Tribunal Constitucional declara que foi inconstitucional o roubo do subsídio de férias e que também será inconstitucional o roubo do subsídio de Natal, mas logo decreta que… o produto desse roubo não é para ser restituído às respectivas vítimas!

Finalmente, este mesmo Acórdão, da forma como enquadra e proclama o princípio da igualdade, no fundo está é a ensinar o Governo, e a legitimar desde já as respectivas medidas, sobre como deve igualizar “por baixo”, ou seja, está a dizer a Passos Coelho que se para o próximo ano ele retirar os dois subsídios a todos os trabalhadores por conta de outrém, sejam eles públicos ou privados, poderá desde já contar com a chancela do Tribunal.

Em suma, este Acórdão - que alguns dirigentes políticos dos partidos da oposição procuraram apresentar como uma grande vitória dos trabalhadores – deixa por completo impune o roubo dos subsídios de férias e de Natal neste ano de 2012 e ensina e incentiva o Governo a adoptar para 2013 medidas ainda mais gravosas contra a generalidade dos trabalhadores.

É caso para dizer: com “vitórias” destas, quem precisa, afinal, de verdadeiras derrotas?

António Garcia Pereira

(Texto publicado em Blog Garcia Pereira)

Um comentário:

  1. Deixe-me discordar consigo no bom sentido. Face ao atropelamento sucessivo das Leis em Portugal, eu penso que efectivamente se trata de uma vitória para os trabalhadores, para o povo e para Portugal. Não podemos dividir a sociedade em cidadãos de primeira e de segunda de acordo com a entidade patronal que tenham. Na realidade, o TC decidiu, e bem, pela inconstitucionalidade da medida com base no princípio da igualdade. O que está correctíssimo, pois qualquer leigo de boa-fé e bom-senso percebia que a medida era completamente iníqua. O que se estranha, efectivamente, é a suspensão da medida para o presente ano. No entanto, penso que os juízes deliberaram nesse sentido para retirar o álibi ao governo sobre o mais que provável incumprimento do défice para o presente ano. Embora, obviamente, o TC devesse ter incluído um ponto sobre a necessidade de restituição no futuro do confisco ilegal do presente ano. Enfim. É, no entanto, melhor do que nada. Agora, relativamente ao futuro, e se como diz, o tribunal deixa a porta aberta para que este governo roube todos os trabalhadores, em vez de roubar somente alguns, o governo terá também ele muitos problemas, pois terá que arcar com as consequências dessa estúpida medida. A ver vamos se têm coragem da infâmia, mas se a tiverem, então eu acho que os portugueses terão que lhes dar uma resposta à altura. Resumindo, este governo teve a hipótese de unir os portugueses para fazer face à crise, taxando todos e, principalmente, os lucros do capital e as grandes fortunas que ficaram de fora. Não o fez e, por puro fanatismo político e incompetência, achou que poderia afrontar uns em detrimento de outros. Errou. Agora, se decidir aplicar o alargamento do corte a todos através de uma sobretaxa, terá que arcar com as consequências da recessão infernal e pelo afundamento completo da já muito débil economia portuguesa. Aproveito para dizer que deixei a minha opinião completa no meu blogue www.naturezanaturada.blogspot.com, pois há também que desmitificar o mito de que esta medida era um corte da despesa. Isso é, também, uma visão redutora do problema. Jamais o confisco de salários, seja a uns ou a outros, pode significar redução de despesa de quem quer que seja. Só se as pessoas lesadas não tivessem quaisquer direitos, somente deveres e obrigações. Em relação a este pequeno pormenor nunca ouvi ninguém dizer que o confisco se tratava, na realidade, de um aumento da receita encapotado. Isto significa que as regras de cortes na despesa e receita estão viciados desde o início e, por isso, as regras do tal memorando da Troika são uma aldrabice pegada. Esta é outra conclusão que, indirectamente, se pode também retirar do acórdão do TC.

    Cumprimentos.

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