segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Ainda as inevitabilidades inviáveis e os lugares comuns dos comentadores habituais

Este governo passou todo o mês de Agosto a legislar. Cidadãos de férias, jornalistas de férias, programas de análise política interrompidos… há lá melhor época para legislar contra a Constituição do que quando as pessoas pensam que aquilo é obra dos comediantes da silly season? Mas a dura realidade é que já não estamos a ver o que vão fazer. Estamos a ver o que fizeram!

Além do que já está visto e feito, podemos supor o que vão fazer para a frente, com base no que conhecemos. Não vamos ser ingénuos, como se não conhecessemos este governo! Sobreiros, Moderna, submarinos? Sempre que o PSD vai para o governo a polícia desata a matar gente e a malhar forte e feio em qualquer manifestação! Aliás, já foi dito e anunciado que iria ser assim, primeiro pelo Coelho e depois pelo Portas. Truques para fazer desaparecer défices… lembram-se da Ferreira Leite? Mesmo que não se lembrem, estamos a pagar o negócio do Citybank! Mais o BPN, que cada dia tem mais e maiores buracos e novidades. Não podemos supor com base no que não conhecemos, mas esta gente já cá anda há tempo suficiente e a maior parte dos cidadãos também.

Sabemos até mais. Sabemos que anunciaram em grande pompa que iam ser menos ministros para poupar. Esqueceram-se de anunciar em grande pompa que são muito mais secretarias de estado e assessores e que na realidade este governo é muito mais caro que os anteriores!

Sobre a saúde:

Escolheram cortar nos transplantes, na vacina do HPV, etc. Esqueçamos a questão humana, que isto não é um país, é um aviário para a engorda. Um doente transplantado vai para casa um mês e depois volta a ser franguinho produtivo. Um não-transplantado agoniza durante uma data de tempo no bem-bom do hospital à custa do contribuinte e depois ainda por cima morre e não volta a ser produtivo e a pagar impostos! Uns mal-agradecidos, é o que é!!!
Uma mulher saudável trabalha, produz filhos, produz assistência familiar, etc. Uma mulher que morre aos 40 com cancro (que é a idade média no caso do cancro do colo do útero provocado pelo HPV) custa internamento, custa quimioterapia, custa todos os anos que não trabalhou por não viver e pagar impostos até aos 70, custa uma cirurgia. Tudo isto pode evitar-se com 3 injecções que custam no total 500 euros. Já sabemos que em aviários não há dor, sofrimento nem dramas familiares ou questões humanas a considerar.

A medida afinal foi reconsiderada e está em nova avaliação. O governo atirou a moeda ao ar e quando viu que lhe ia cair em cima lançou o aviso sobre tumultos e disse que afinal era só uma proposta em avaliação (a parte das vacinas, não a dos transplantes).

Os medicamentos biológicos são basicamente a diferença entre um franguinho que continua a produzir em pleno como se não tivesse doença nenhuma e um franguinho indigente, em casa, ainda por cima a tomar anti-inflamatórios à custa do pobre contribuinte trabalhador. A viver à grande, portanto. Humanamente é a diferença entre uma pessoa que vive a sua vida normal e uma pessoa consumida pela dor, incapaz de trabalhar, de se mexer, de fazer muitas das coisas quotidianas. O medicamento é caro…? Quem assistiu à diferença real, vista, observada, na vida verdadeira, vivida, de uma pessoa que passa do anti-inflamatório (que na verdade não faz grande coisa) para o novo medicamento, sabe que o medicamento não é caro. Nada caro. É uma escolha desumana e cara — porque um franguinho que trabalha e paga impostos é melhor que o franguinho indigente à custa do contribuinte.

Cultura:

Sobre a Cultura, volta o mesmo processo. Saem umas bocas muito gerais e imprecisas sobre a OpArt e a Cinemateca, o suficiente para medir a reacção, mas ainda com espaço para dizer que é só uma proposta e tal. Parece-me, no entanto, que já sabemos o suficiente desta gente para perceber que para eles nada disso é para respeitar. Não me parece descabido que mandem simplesmente extinguir ou privatizar, para ser comprada por uma Lusomundo ou TVI, no caso da Cinemateca.

Os Nacionais S. Carlos, S. João e D. Maria II, a mesma coisa. Já vi em França a Comédie Française privatizada. Os actores fazem 3 peças por dia, às vezes em papéis diferentes, mais ensaios para a estreia seguinte. Passaram a ser escolhidos por fotografia, não pela qualidade. É um regalo para os olhos ver aquele palco e há meninos e meninas para todos os gostos (o bonitinho, o machão, o charmoso; a loura, a morena e a ruiva)! São todos uns giraços e umas giraças, mas nada daquilo tem a ver com Molière, Corneille ou Beaumarchais! Quero com isto dizer que a privatização não é nada impensável…

Impensável?

Impensável era obrigar os agricultores a deitar as culturas fora, limitar a produção de leite dos Açores ou pôr quotas nas pescas e isso já foi há 20 anos! Impensável era democratizar o ensino superior e vermo-nos sem médicos a seguir — e o numerus clausus já lá vai e nós estamos mesmo sem médicos!
Impensável era toda esta novela do BPN, as voltas que deu sem sair do bairro da Coelha, mais a eleição e reeleição do permissivo e mui ciente do processo Cavaco Silva para a presidência. Impensável era estar toda esta gente a viver da escravatura em Angola em 2011. Eppur…

Impostos:

Quanto ao mito da boa gestão, podiam ter escolhido aumentar o IRS nos escalões mais altos e acrescentar um escalão de IRC para maiores lucros, em vez disso aumentaram o IVA para níveis impensáveis em qualquer outro país. Como o consumo diminui a subida do IVA não vai dar para nada. Até em termos de tesouraria estas decisões são um fiasco!

Podiam escolher criar postos de trabalho no combate à fraude e à evasão fiscal (para trazer receitas) — 2 em um!!! — mas escolheram não o fazer.

E concluímos, as trevas:

Repete-se à exaustão que as empresas lucrativas investem e criam emprego. Mas então onde está o investimento e consequente criação de emprego dos lucros crescentes dos últimos anos nos bancos, na TAP, Jerónimo Martins, SONAE, etc.? É a crença num mito. Estarão os nossos netos e bisnetos a chamar a esta época a segunda idade das trevas e do obscurantismo, em que as pessoas vivem na crença cega de um deus mercado que um dia há-de funcionar. Não há qualquer racionalidade ou explicação aparente para que se viva assim e no entanto a obediência inquestionável prossegue quase sem tropeções.

Em seguida voltamos à fita do inevitável e das dívidas que são para pagar. É mesmo conversa da treta para fazer chantagem e manter a tal obediência cega e obscurantista, não passa disso. Quem lê mais relatórios da ONU, mais Krugman e outros prémios Nobel da economia e menos comentadores partidários (o Pacheco Pereira, o Sousa Tavares, o Rebelo de Sousa…) tem plena consciência disso. Acontece que os relatórios da ONU e os prémios Nobel não dão na tv mesmo antes da novela.

A ONU e os Nobel, embora com pequenas diferenças, concordam nas mais básicas evidências: a dívida externa não é pior do que a que existe em muitos outros países, sobretudo a dívida pública; não sabemos que parcelas compõem o total da dívida pública, porque não houve nunca uma auditoria efectivamente esclarecedora; não sabemos sob que condições foi contraída a dívida, ou cada uma das suas partes e em nome de quê, nem onde está de facto esse dinheiro; o problema é que os bancos alemães têm dinheiro investido nas nossas dívidas (portuguesa, grega, irlandesa) e querem lucros gigantescos (esses sim, insustentáveis a valer) para ontem; salários e segurança no trabalho promovem o consumo e garantem a economia a longo prazo de forma sustentável.
Não a economia do milionário, mas a economia do Sr. Zé da mercearia, mais o Sr. António do café do bairro, que por sua vez vai à frutaria da D. Etelvina e leva os filhos no verão à praia e a jantar ao restaurante… Se cada um de nós puder tomar um café por dia no bairro, se cada um de nós puder comprar um CD ou um livro uma vez por mês, esses negócios mantêm-se. Um milionário, por mais que tenha, não janta 30 vezes por dia nem muda de roupa uma vez por hora — vai deixar o dinheiro num offshore, não consegue consumir tudo! Mas o mesmo dinheiro dado a 30 famílias diferentes dá 120 jantares naquele dia e eventualmente uma muda de roupa nova por estação por pessoa e umas idas ao teatro, a concertos e ao cinema!
E por falar em offshore: pode taxar-se o dinheiro à saída quando vai ser transferido para um offshore. Também é uma escolha não o fazer.

Mais, diz-se (é outra das inevitabilidades) que os administradores públicos têm que ser pagos assim, senão vão-se embora. Segredo: se fossem realmente melhor pagos lá fora e se alguém os quisesse, já tinham ido. Os nossos administradores ganham mais do que na maior parte dos países europeus. Não haverá por aí alguém competente e que se contente com um bom salário (e por bom salário estou a considerar algo que dê para grande vivenda, piscina e bom Mercedes novo de 6 em 6 meses — não é nenhuma miséria)?

Diz-se que se aumentarmos os custos (laborais e fiscais) para as empresas elas vão-se embora. Ó senhores… O Soares dos Santos (Jerónimo Martins, Pingo Doce) vai-se embora assim… e deixa um mercado de 10 milhões de habitantes a quem quiser ocupá-lo?! Mas já alguém parou para pensar (ou rir às gargalhadas de tal invenção)?

O Belmiro (ou mais recentemente o filho) deixa os netos e a família toda se o salário mínimo subir para os 500 euros? Essa gente também tem raízes e família, não vão embora por causa de uns trocos. E 500 euros seria ainda assim muito baixo comparativamente ao resto da Europa! Para compensar teria que emigrar para fora da Europa, o que não é muito plausível…

E se o Continente for à falência por causa dos 500 euros ou por causa de um IRC mais alto ou ainda se de repente a lei laboral tivesse que ser absolutamente cumprida? Um negócio de supermercado, que vende comida e bens básicos, só vai à falência por má gestão ou fraude. Se for realmente à falência, sendo um negócio seguro e lucrativo, será prontamente substituído por outro que saiba gerir com decência. O Belmiro lá ficava sem a fortuna, mas é tudo. Em termos nacionais (do ponto de vista dos clientes, dos trabalhadores e do fisco) ficaríamos bem melhor!


(publicado também no Luz de Lisboa)

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