quinta-feira, 29 de setembro de 2011
terça-feira, 27 de setembro de 2011
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Um perfeito desastre
Paul Krugman | New York Times
Publicado a 11 de Setembro de 2011
Quinta-feira, Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE) – o equivalente europeu de Ben Bernake – perdeu a pose. Em resposta a uma questão sobre se o BCE se está a tornar num “mau banco”, graças à compra da dívida de nações em risco, o Sr. Trichet, levantando a voz, insistiu que a sua instituição se tinha comportado de forma “impecável, impecável!” como guardiã da estabilidade nos preços.
De facto, assim foi. E é por isso que o euro se encontra em risco de colapso.
A agitação financeira na Europa deixou de ser um problema apenas das economias pequenas e periféricas, como a Grécia. O que está a acontecer agora é uma investida de larga escala sobre as economias espanhola e italiana, muito maiores. Neste momento, os países em crise representam cerca de um terço do PIB da Zona Euro e, como tal, a moeda única encontra-se ameaçada.
Todas as indicações são de que os líderes europeus não estão dispostos sequer a reconhecer a natureza desta ameaça, quanto mais a lidar com ela.
Reclamei bastante sobre a “fiscalização” do discurso económico aqui na América, e sobre a forma como uma atenção prematura dada aos défices orçamentais desviou Washington do desastre das operações em curso. Mas não estamos sozinhos no que a isso diz respeito e, de facto, os europeus foram muito, muito piores.
Escutem os vários líderes europeus – especialmente, mas não apenas, os alemães – e pensarão que os problemas do continente se resumem a uma simples narrativa moralista de dívida e castigo: governos que pediram demasiado dinheiro emprestado que agora estão a pagar o preço, com a austeridade fiscal como a única solução.
Contudo, esta história poderá, eventualmente, aplicar-se à Grécia e a mais ninguém. A Espanha em particular tinha um excedente orçamental e uma dívida pequena antes da crise financeira de 2008; o seu registo fiscal era, poder-se-á dizer, impecável. E, apesar de ter sido fortemente atingida pelo colapso da sua bolha imobiliária, continua a ser um país relativamente pouco endividado e, torna-se difícil demonstrar que a condição fiscal do governo espanhol é pior do que a do governo Britânico, por exemplo.
Portanto, porque é que a Espanha – juntamente com Itália, que tem uma dívida superior mas défices mais pequenos – se encontra em dificuldades? A resposta é que este países estão a enfrentar algo muito parecido com uma corrida aos bancos, excepto que a corrida é aos seus governos em vez de, ou mais especificamente assim como, às suas instituições financeiras.
Eis como tudo funciona: Os investidores, por um qualquer motivo, receiam que um país entre em incumprimento. Isto faz com que deixem de querem comprar títulos desse país ou o façam apenas a taxas de juro muito elevadas. O facto de o país ter de cumprir o serviço da dívida a taxas de juro elevadas piora as suas perspectivas fiscais, tornando o incumprimento mais provável, fazendo com que a crise de confiança se torne uma profecia auto-realizável. E, à medida que isso acontece, torna-se igualmente uma crise do sector bancário, uma vez que os bancos do país normalmente investem fortemente em dívida pública.
Agora, um país com moeda própria, como o Reino Unido, pode curto-circuitar o processo: se necessário, o Banco de Inglaterra pode intervir e comprar a dívida pública com moeda emitida. Isto pode resultar em inflação (embora tal seja pouco provável quando a economia está em recessão), mas a inflação constitui uma ameaça muito inferior para os investidores que um default completo. Espanha e Itália, contudo, adoptaram o euro e já não têm moeda própria. Como tal, a ameaça de uma crise auto-realizável é bastante real – e as taxas de interesse das dívidas espanhola e italiana são mais do dobro dos juros da dívida britânica.
O que nos traz de volta ao impecável BCE.
O que o Sr. Trichet e os seus colegas deveriam estar a fazer neste momento seria comprar as dívidas grega e italiana – isto é, a fazer aquilo que estes países estariam a fazer por eles mesmos caso ainda tivessem moeda própria. De facto, o BCE começou a fazê-lo há apenas algumas semanas, dando temporariamente uma folga a esses países. Mas o BCE encontrou-se imediatamente debaixo de uma pressão imensa dos moralizadores, que detestam a ideia de aliviar os países, devido aos seus alegados pecados fiscais. A percepção de que os moralizadores irão bloquear quaisquer acções futuras de resgate gerou um renovado pânico dos mercados.
Para além deste problema, há ainda a obsessão do BCE em manter o seu registo “impecável” de estabilização dos preços: num período em que Europa necessita desesperadamente de uma forte recuperação, e uma inflação modesta iria ser uma benesse, o banco tem, em vez disso, vindo a promover um aperto monetário, tentando reduzir riscos de inflação que apenas existem na sua imaginação.
E agora está tudo a precipitar-se. Não estamos a falar de uma crise que se irá prolongar durante um ano ou dois; isto poderá desmoronar-se em matéria de dias. E, caso isso aconteça, o mundo inteiro irá sofrer.
Será que o BCE fará o que precisa de ser feito – emprestar livremente e baixar as taxas de juro? Ou continuarão os líderes europeus demasiado focados em punir os devedores para se salvarem a si próprios? O mundo inteiro está a observar.
sábado, 24 de setembro de 2011
A trivialização do desespero
Embora constitua mais uma evidência dos resultados contraproducentes da sangria austeritária, não é o artigo em si que perturba de forma particular. Nem é, sequer, o facto de vir acompanhado pela foto que o ladeia. Essa foto - pelo que é e representa - será sempre terrível, quando e onde quer que seja publicada. O que é particularmente perturbador - ou melhor, acrescidamente perturbador - é a legenda escolhida: «Protestos voltaram há vários dias às ruas de Atenas». Isto é, o texto escolhido para entitular a foto em que um homem se imola pelo fogo assume essa precisa imagem como ilustração «normal» (corrente, comum), do regresso dos protestos às ruas de Atenas.
Presumo, sem dificuldade, que o título escolhido não pretenda «normalizar» esta forma limite de protesto (ilustrando-a como se poderiam ilustrar outras formas, comuns, de protesto). Mas nem por isso a relação entre a fotografia e a legenda deixa de ser menos perturbadora. Ela mostra, porventura, uma das faces mais sinistras da vertigem austeritária: o ajustar progressivo do que é tolerável para níveis crescentemente indignos e imorais; a resignação que desce, um a um, os degraus do fosso dos retrocessos sociais que a austeridade cava consecutivamente.
(Sobre a destruição do tecido económico local e a deterioração das condições de vida em Atenas, resultante das ondas do choque austeritário, vale a pena ler este testemunho de um jurista de Viena, que há cerca de ano e meio vive num apartamento da capital grega).
(Publicado originalmente no Ladrões de Bicicletas)
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Ainda as inevitabilidades inviáveis e os lugares comuns dos comentadores habituais
Este governo passou todo o mês de Agosto a legislar. Cidadãos de férias, jornalistas de férias, programas de análise política interrompidos… há lá melhor época para legislar contra a Constituição do que quando as pessoas pensam que aquilo é obra dos comediantes da silly season? Mas a dura realidade é que já não estamos a ver o que vão fazer. Estamos a ver o que fizeram!
Além do que já está visto e feito, podemos supor o que vão fazer para a frente, com base no que conhecemos. Não vamos ser ingénuos, como se não conhecessemos este governo! Sobreiros, Moderna, submarinos? Sempre que o PSD vai para o governo a polícia desata a matar gente e a malhar forte e feio em qualquer manifestação! Aliás, já foi dito e anunciado que iria ser assim, primeiro pelo Coelho e depois pelo Portas. Truques para fazer desaparecer défices… lembram-se da Ferreira Leite? Mesmo que não se lembrem, estamos a pagar o negócio do Citybank! Mais o BPN, que cada dia tem mais e maiores buracos e novidades. Não podemos supor com base no que não conhecemos, mas esta gente já cá anda há tempo suficiente e a maior parte dos cidadãos também.
Sabemos até mais. Sabemos que anunciaram em grande pompa que iam ser menos ministros para poupar. Esqueceram-se de anunciar em grande pompa que são muito mais secretarias de estado e assessores e que na realidade este governo é muito mais caro que os anteriores!
Sobre a saúde:
Escolheram cortar nos transplantes, na vacina do HPV, etc. Esqueçamos a questão humana, que isto não é um país, é um aviário para a engorda. Um doente transplantado vai para casa um mês e depois volta a ser franguinho produtivo. Um não-transplantado agoniza durante uma data de tempo no bem-bom do hospital à custa do contribuinte e depois ainda por cima morre e não volta a ser produtivo e a pagar impostos! Uns mal-agradecidos, é o que é!!!
Uma mulher saudável trabalha, produz filhos, produz assistência familiar, etc. Uma mulher que morre aos 40 com cancro (que é a idade média no caso do cancro do colo do útero provocado pelo HPV) custa internamento, custa quimioterapia, custa todos os anos que não trabalhou por não viver e pagar impostos até aos 70, custa uma cirurgia. Tudo isto pode evitar-se com 3 injecções que custam no total 500 euros. Já sabemos que em aviários não há dor, sofrimento nem dramas familiares ou questões humanas a considerar.
A medida afinal foi reconsiderada e está em nova avaliação. O governo atirou a moeda ao ar e quando viu que lhe ia cair em cima lançou o aviso sobre tumultos e disse que afinal era só uma proposta em avaliação (a parte das vacinas, não a dos transplantes).
Os medicamentos biológicos são basicamente a diferença entre um franguinho que continua a produzir em pleno como se não tivesse doença nenhuma e um franguinho indigente, em casa, ainda por cima a tomar anti-inflamatórios à custa do pobre contribuinte trabalhador. A viver à grande, portanto. Humanamente é a diferença entre uma pessoa que vive a sua vida normal e uma pessoa consumida pela dor, incapaz de trabalhar, de se mexer, de fazer muitas das coisas quotidianas. O medicamento é caro…? Quem assistiu à diferença real, vista, observada, na vida verdadeira, vivida, de uma pessoa que passa do anti-inflamatório (que na verdade não faz grande coisa) para o novo medicamento, sabe que o medicamento não é caro. Nada caro. É uma escolha desumana e cara — porque um franguinho que trabalha e paga impostos é melhor que o franguinho indigente à custa do contribuinte.
Cultura:
Sobre a Cultura, volta o mesmo processo. Saem umas bocas muito gerais e imprecisas sobre a OpArt e a Cinemateca, o suficiente para medir a reacção, mas ainda com espaço para dizer que é só uma proposta e tal. Parece-me, no entanto, que já sabemos o suficiente desta gente para perceber que para eles nada disso é para respeitar. Não me parece descabido que mandem simplesmente extinguir ou privatizar, para ser comprada por uma Lusomundo ou TVI, no caso da Cinemateca.
Os Nacionais S. Carlos, S. João e D. Maria II, a mesma coisa. Já vi em França a Comédie Française privatizada. Os actores fazem 3 peças por dia, às vezes em papéis diferentes, mais ensaios para a estreia seguinte. Passaram a ser escolhidos por fotografia, não pela qualidade. É um regalo para os olhos ver aquele palco e há meninos e meninas para todos os gostos (o bonitinho, o machão, o charmoso; a loura, a morena e a ruiva)! São todos uns giraços e umas giraças, mas nada daquilo tem a ver com Molière, Corneille ou Beaumarchais! Quero com isto dizer que a privatização não é nada impensável…
Impensável?
Impensável era obrigar os agricultores a deitar as culturas fora, limitar a produção de leite dos Açores ou pôr quotas nas pescas e isso já foi há 20 anos! Impensável era democratizar o ensino superior e vermo-nos sem médicos a seguir — e o numerus clausus já lá vai e nós estamos mesmo sem médicos!
Impensável era toda esta novela do BPN, as voltas que deu sem sair do bairro da Coelha, mais a eleição e reeleição do permissivo e mui ciente do processo Cavaco Silva para a presidência. Impensável era estar toda esta gente a viver da escravatura em Angola em 2011. Eppur…
Impostos:
Quanto ao mito da boa gestão, podiam ter escolhido aumentar o IRS nos escalões mais altos e acrescentar um escalão de IRC para maiores lucros, em vez disso aumentaram o IVA para níveis impensáveis em qualquer outro país. Como o consumo diminui a subida do IVA não vai dar para nada. Até em termos de tesouraria estas decisões são um fiasco!
Podiam escolher criar postos de trabalho no combate à fraude e à evasão fiscal (para trazer receitas) — 2 em um!!! — mas escolheram não o fazer.
E concluímos, as trevas:
Repete-se à exaustão que as empresas lucrativas investem e criam emprego. Mas então onde está o investimento e consequente criação de emprego dos lucros crescentes dos últimos anos nos bancos, na TAP, Jerónimo Martins, SONAE, etc.? É a crença num mito. Estarão os nossos netos e bisnetos a chamar a esta época a segunda idade das trevas e do obscurantismo, em que as pessoas vivem na crença cega de um deus mercado que um dia há-de funcionar. Não há qualquer racionalidade ou explicação aparente para que se viva assim e no entanto a obediência inquestionável prossegue quase sem tropeções.
Em seguida voltamos à fita do inevitável e das dívidas que são para pagar. É mesmo conversa da treta para fazer chantagem e manter a tal obediência cega e obscurantista, não passa disso. Quem lê mais relatórios da ONU, mais Krugman e outros prémios Nobel da economia e menos comentadores partidários (o Pacheco Pereira, o Sousa Tavares, o Rebelo de Sousa…) tem plena consciência disso. Acontece que os relatórios da ONU e os prémios Nobel não dão na tv mesmo antes da novela.
A ONU e os Nobel, embora com pequenas diferenças, concordam nas mais básicas evidências: a dívida externa não é pior do que a que existe em muitos outros países, sobretudo a dívida pública; não sabemos que parcelas compõem o total da dívida pública, porque não houve nunca uma auditoria efectivamente esclarecedora; não sabemos sob que condições foi contraída a dívida, ou cada uma das suas partes e em nome de quê, nem onde está de facto esse dinheiro; o problema é que os bancos alemães têm dinheiro investido nas nossas dívidas (portuguesa, grega, irlandesa) e querem lucros gigantescos (esses sim, insustentáveis a valer) para ontem; salários e segurança no trabalho promovem o consumo e garantem a economia a longo prazo de forma sustentável.
Não a economia do milionário, mas a economia do Sr. Zé da mercearia, mais o Sr. António do café do bairro, que por sua vez vai à frutaria da D. Etelvina e leva os filhos no verão à praia e a jantar ao restaurante… Se cada um de nós puder tomar um café por dia no bairro, se cada um de nós puder comprar um CD ou um livro uma vez por mês, esses negócios mantêm-se. Um milionário, por mais que tenha, não janta 30 vezes por dia nem muda de roupa uma vez por hora — vai deixar o dinheiro num offshore, não consegue consumir tudo! Mas o mesmo dinheiro dado a 30 famílias diferentes dá 120 jantares naquele dia e eventualmente uma muda de roupa nova por estação por pessoa e umas idas ao teatro, a concertos e ao cinema!
E por falar em offshore: pode taxar-se o dinheiro à saída quando vai ser transferido para um offshore. Também é uma escolha não o fazer.
Mais, diz-se (é outra das inevitabilidades) que os administradores públicos têm que ser pagos assim, senão vão-se embora. Segredo: se fossem realmente melhor pagos lá fora e se alguém os quisesse, já tinham ido. Os nossos administradores ganham mais do que na maior parte dos países europeus. Não haverá por aí alguém competente e que se contente com um bom salário (e por bom salário estou a considerar algo que dê para grande vivenda, piscina e bom Mercedes novo de 6 em 6 meses — não é nenhuma miséria)?
Diz-se que se aumentarmos os custos (laborais e fiscais) para as empresas elas vão-se embora. Ó senhores… O Soares dos Santos (Jerónimo Martins, Pingo Doce) vai-se embora assim… e deixa um mercado de 10 milhões de habitantes a quem quiser ocupá-lo?! Mas já alguém parou para pensar (ou rir às gargalhadas de tal invenção)?
O Belmiro (ou mais recentemente o filho) deixa os netos e a família toda se o salário mínimo subir para os 500 euros? Essa gente também tem raízes e família, não vão embora por causa de uns trocos. E 500 euros seria ainda assim muito baixo comparativamente ao resto da Europa! Para compensar teria que emigrar para fora da Europa, o que não é muito plausível…
E se o Continente for à falência por causa dos 500 euros ou por causa de um IRC mais alto ou ainda se de repente a lei laboral tivesse que ser absolutamente cumprida? Um negócio de supermercado, que vende comida e bens básicos, só vai à falência por má gestão ou fraude. Se for realmente à falência, sendo um negócio seguro e lucrativo, será prontamente substituído por outro que saiba gerir com decência. O Belmiro lá ficava sem a fortuna, mas é tudo. Em termos nacionais (do ponto de vista dos clientes, dos trabalhadores e do fisco) ficaríamos bem melhor!
(publicado também no Luz de Lisboa)
sábado, 17 de setembro de 2011
Afogar o SNS na banheira
"Eu não quero abolir o Estado. Quero apenas reduzi-lo a um tamanho tal que me permita arrastá-lo para uma casa-de-banho e afogá-lo na banheira."
Paulo Macedo é como o algodão. Não engana. Bem tenta, mas já não consegue. Esta entrevista é um tratado de moral austeritária. É preciso cortar no SNS para salvá-lo. É preciso carregar sobre a sua suposta universalidade para manter o seu carácter universal. É preciso reduzi-lo a nada para manter a sua existência. É preciso esvaziá-lo para manter a sua substância.
O ministro da Saúde é um exemplo acabado daquilo a que se convencionou chamar New Public Management. A explicação é simples. Estão a ver o modelo de governo societário que resultou na crise actual? A maximização da eficiência/redução de custos é o binómio magno do NPM. A administração pública torna-se uma colónia balnear da novilíngua; o Estado transforma-se em quimera hierárquica e ineficiente. Urge domá-lo através da mão de ferro dos ministros da Saúde deste mundo. Isto é o NPM.
Na verdade, Paulo Macedo não é mais que um produto da esquizofrenia neoliberal - investimentos maciços na descredibilização do bem público e na captura dos arranjos institucionais que aprovisionam e procuram proteger esse bem. Isto encerra um problema fundamental. Se a descredibilização do bem público decorre de uma convicção absoluta na eficiência do mercado, o modelo de governo neoliberal implementa um sistema de incentivos ineficiente e, de acordo com a sua própria lógica, deveria ser substituído. Alan Wolfe propõe o argumento (embora enfatize incorrectamente "os conservadores"): quem é incapaz de compreender a especificidade do serviço público e da provisão de bens colectivos não sabe governar. Porque não reconhece a existência de bens colectivos e considera a existência de arranjos institucionais capacitados para a sua provisão uma distorção da sua divindade-mãe (o mercado).
Por outras palavras: alguém confia na sua médica de família se ela demonstrar atitudes misantrópicas ou se não conseguir mostrar uma compreensão básica da noção de "boa saúde" e do que significa ser "saudável"? Alguém consegue defender a ideia de que o melhor treinador de futebol do mundo, seja ele quem for, odeia o desporto? Ou que o mesmo treinador defende publicamente a ideia de que, para marcar mais golos, a sua equipa vai passar a usar cinco jogadores e a tentar meter a bola num cesto imaginário? Sim, conseguirá; mas não parecerá razoável. Porque a posição inversa não é estatista. É apenas mais razoável e rigorosa: sem uma apreciação da especificidade do bem público e do bem-estar colectivo, o desempenho eficiente de um cargo público é menos provável. E não é preciso estar à esquerda, direita ou centro: embora me pareça que essa apreciação é mais provável à esquerda, não creio que se esgote aí. A posição de tecnocratas como Paulo Macedo é, portanto, precária.
Se essa descredibilização não resulta de uma convicção absoluta (ou matizada; para o efeito, é irrelevante), é um efeito de juízos estratégicos e a discussão deve mudar de tom. Porque a captura dos arranjos institucionais que todas e todos representamos como património colectivo é uma ameaça ao bem público que esses arranjos providenciam e a causa principal da transferência ascendente de riqueza na sociedade portuguesa.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Partir a espinha é ao carapau
Diz o referido senhor:
"Os sindicatos têm uma esfera de accção perfeitamente definida. Existem para defender os seus associados em matérias muito concretas, como as remunerações e as condições de trabalho."Refere igualmente isto:
"A política de privatizações é uma matéria para a qual os sindicalistas não devem ser chamados."Presumo que o senhor não compreenda a contradição profunda. Talvez não saiba que um processo de privatização (no meu universo, que é bastante diferente do dele, admito) é, entre outras coisas, uma reconfiguração das relações industriais e existem poucos casos em que a estrutura de remunerações e as relações laborais de uma firma não sejam alteradas com a privatização da mesma. Portanto, sim, os sindicatos devem pronunciar-se acerca das privatizações. Se o senhor não fosse um jornaleiro de baixa craveira, como é, talvez se desse ao trabalho de saber o que é um sindicato. E talvez se desse ao trabalho de ler a Constituição da República Portuguesa - apesar de epígonos como ele preferirem ignorar a ordem constitucional. Talvez se desse ao trabalho de ler este sujeito, que diz algo como isto:
"So Karl Marx, it seems, was partly right in arguing that globalization, financial intermediation run amok, and redistribution of income and wealth from labor to capital could lead capitalism to self-destruct (though his view that socialism would be better has proved wrong)."Leia comigo: "a redistribuição de rendimento e riqueza do trabalho para o capital pode levar o capitalismo à auto-destruição".
Aproveite e dê uma espreitadela ao trabalho destes senhores. O aumento galopante das desigualdades e da concentração de poder, na utopia privatizada do outro lado do Atlântico, é uma consequência da perda de força dos sindicatos. Talvez queira ver isto e explicar aos seus leitores porque é que uma elevada taxa de sindicalização está correlacionada com níveis mais altos de desenvolvimento humano, qualidade de vida e inovação, ou acredita que os países escandinavos são distopias totalitárias?
Disse acima que presumo a incompreensão. Prefiro fazê-lo, porque sou um perigoso esquerdista, a presumir má-fé. Ou, pior, a presumir estupidez, que parece um gosto adquirido pelos epígonos conservadores portugueses. É no que dá querer escrever de forma muito máscula e patriarcal. O tiro ricocheteia.
Em suma: quer meter medo, mas não passa de um Batatinha. Ganhe juízo, se faz favor.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
terça-feira, 6 de setembro de 2011
A ONU também é anti-austeritária
"Os desequilíbrios fiscais e rácios de dívida pública mais elevados são uma consequência da crise financeira e económica global, não a causa."
"Dado que a crise não foi causada por políticas fiscais indisciplinadas, a contracção fical não é uma resposta apropriada. A mudança generalizada de uma política de estímulos fiscais para uma política de contracção fiscal é autodestrutiva. É o caso, especialmente, em quase todas as economias desenvolvidas atingidas pela crise. Uma política fiscal restritiva pode reduzir o crescimento do PIB e as receitas fiscais. O resultado é, portanto, contraproducente em termos de consolidação fiscal."
E a melhor:
"O argumento mais avançado para apoiar a contracção fiscal é a necessidade de restaurar a confiança dos mercados financeiros. Isto é percebido, geralmente, como a chave da recuperação económica. Contudo, é importante ter em conta que a crise foi gerada pelo comportamento irresponsável de actores privados nos mercados financeiros, e que isso exigiu intervenções públicas muito onerosas. Portanto, é surpreendente que um largo segmento da opinião pública e dos decisores políticos esteja, de novo, a colocar a sua confiança nessas instituições, incluindo as agências de notação financeira, acerca daquilo que constitui uma gestão macroeconómica correcta e finanças públicas sólidas."
A ONU, infelizmente, vai continuar a ser ignorada. Mas não deixa de ter razão.
Relatório aqui.