sexta-feira, 20 de abril de 2012

O centauro e os okupas


Hoje, a força bruta irrompeu violentamente por um projecto social digno de apreço. A violência física usada contra a Es.Col.A não tem desculpa. Tal como não devia ter a violência hegemónica que lhe veio associada.
Quíron, o centauro inteligente, é a figura que Maquiavel utiliza para mostrar a natureza dupla do poder político: força “animal” e astúcia “humana”, o mesmo que Gramsci traduz como coerção e consentimento.
Hoje o centauro percorreu o Porto e o país. E sentiu-se a violência da expressão manhosa das palavras.
Claro que nem todos os meios de comunicação social reagiram da mesma forma e houve coberturas informativas interessantes do que se passou.
Mas de manhã, escrevia o JN, na linguagem atabalhoada de uma notícia em actualização que já não se encontra disponível, qualquer coisa como: a polícia entrou na Es.Col.A para acabar com confrontos entre a polícia e os ocupantes. A estranheza do raciocínio, que acabou por ser corrigido, indicava desde logo um culpado sem apelo nem agravo e a acusação de que os exaltados comeram e não calaram.
E a expressão “confrontos”, que outras notícias de outros meios informativos foram repetindo ao longo do dia, faz o mesmo trabalho branqueando a violência da acção policial (desde a desocupação pela força à destruição cínica de todo de apoio às actividades desportivas e culturais) requerida por Rui Rio.
E mais até do que o processo interessa-me a caracterização dos protagonistas. As televisões, a SIC no noticiário da hora de almoço e a RTP no da hora de jantar colocavam ostensivamente nas suas telas a expressão “okupas”.
Eu até gosto da expressão “okupas” e penso que seria um bom dia para passar o documentário do João Romão. Só que a expressão, neste contexto, parece procurar ter como efeito a estigmatização e a marginalização do projecto da Fontinha. Parece desta forma legitimar a violência por outra forma já que ela não foi feita contra nós, pessoas normais, cidadãos honrados, mas contra os outros, umas pessoas esquisitas que sabe-se lá que interesses escondem e o que querem verdadeiramente fazer com aquilo…
Quem não viu já nas manifestações, as câmaras procurarem desesperadamente alguém que um visual digamos, para simplificar, “alternativo”?
O cinismo da manobra é deixar a conclusão por tirar quando ela já lá está mais que pronta a servir para o senso comum mais reacionário. Os espaços em branco que deixam parte da história por contar podem ser preenchidos pela imaginação. O fluxo informativo imparável, o limiar de atenção e o esquecimento farão o resto anulando informações que possam contradizer a imagem negativa.
Assim é a força do preconceito. Assim é a violência da informação que o alimenta.

2 comentários:

  1. Boa tarde. Bem com mais um episódio fascista, todos os blogues comentam, e eu como estou contra esta ditadura, e estas prisões e invasão ilegais lá vou lendo estes textos que se vão publicando uns nos outros, e parei neste blogue. Muito bem escrito por sinal, muitos parabéns. Quero pergunta-lhe onde se pode ver o documentário que fala. Obrigado e continue a malhar fortemente nestes governantes fascistas.

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  2. O documentário chama-se "Liberdade ocupada". Passou já na RTP2 (sem que tenha sido muito anunciado). Conta até uma desocupação à holandesa, uma nova moda que está a pegar com a direita no poder. O trailer está aqui. http://www.youtube.com/watch?v=01dnCPRk0gM
    A versão completa não sei se está disponível. Algumas das várias entrevistas que fazem parte do documentário estão igualmente disponíveis.

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