sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Eu vou


A política entrou em regime de aceleração. Há umas semanas atrás, o governo ainda se mostrava coeso. Comentadores televisivos teciam análises sobre a inevitabilidade das medidas de empobrecimento. O CDS preparava com normalidade a sua rentrée. Passos Coelho, rodeado de seguranças numa praia algarvia, conseguia ainda assim dar um mergulho com povo em volta. António José Seguro mantinha a“abstenção violenta”, não obstante a existência de vozes dissonantes no seio do PS. A contestação à troika e ao memorando conseguia passos concretos – como o Congresso das Alternativas, a realizar a 5 de Outubro – mas parecia difícil estalar um certo verniz modorrento.

Em menos de duas semanas, o cenário mudou. O governo encontra-se num doloroso processo de esfarelamento. Os barões do PSD ensaiam distâncias. O CDS tenta passar incólume por meio das gotas de ácido sulfúrico. Seguro afirma que o PS votará contra o próximo orçamento de Estado. E, daqui a umas horas, uma manifestação em dezenas lugares do país e do estrangeiro propõe-se colocar em xeque a troika e a austeridade que nos tem sido administrada. Uma manifestação que visa resgatar “as nossas vidas” porque é isso exactamente que está em jogo: a vida. Não nos serve um extremismo liberal que condena o país a uma espiral recessiva, aumenta as desigualdades e o desemprego, opta pelos rendimentos da banca e da finança em detrimento dos direitos constitucionalmente consagrados, privilegia o capital e pune o trabalho. Este é um modelo que hipoteca o presente e elimina o futuro, condenando-nos à precariedade, ao desemprego, à emigração, ao silêncio. É por isso – porque não quero isto! - que estarei na rua.

Daqui a umas horas é a imensa maioria que tem a palavra. Porque a política entrou em regime de aceleração, uma grande manifestação pode fazer a diferença. Não será só ali que será construída a alternativa necessária – que terá formas, empenhamentos e temporalidades várias. Mas será também ali, agora, na rua. Porque precisamos de provar, desde logo a nós próprios, que não estamos condenados a ser um país que ainda se imagina refém de uma espécie de conformismo genético. Porque necessitamos de esvaziar o discurso chantagista das inevitabilidades e abrir o campo dos possíveis. Porque, como disse um dia Eduardo Galeano, “embora não possamos adivinhar o futuro, temos o direito de imaginar o que queremos que seja”.

Eu vou. Sem lenço e sem documento, com tacho e colher na mão.

Publicado inicialmente no Arrastão

Nenhum comentário:

Postar um comentário