segunda-feira, 24 de setembro de 2012

"Pessoas já referenciadas pela polícia", uma expressão inadmissível, que se tornou habitual

Estive no RDA69 no Regueirão dos Anjos, umas três vezes no máximo, mas ter lá estado, ou não, é absolutamente indiferente para a questão que aqui enuncio. 
O que me leva a fazer este post é a incomodidade que me provoca a transcrição acrítica, por parte da comunicação social, das declarações policiais que falam em indivíduos "referenciados" por esta ou aquela atuação, por esta ou aquela opção ideológica. E mais ainda me causa uma enorme incomodidade, que isso não provoque um mínimo sobressalto cívico nos destinatários das ditas notícias, isto é, todos e todas nós.
AQUI tinha referido esta incomodidade, esta perplexidade pela falta de memória coletiva em relação a questões sensíveis como esta. Onde, como e porquê, vai a polícia buscar a autorização para marcar cidadãos com o carimbo de "referenciados"? Que raio de designação é essa? 
Categoria jurídica não é, só  podendo resultar de uma perigosa criatividade policial, seguramente autorizada 'superiormente'. Mas, para que a polícia possa afirmar que um cidadão é já "referenciado", terá que haver uma base de dados donde conste esse cidadão com as ditas referências. Ora, que se saiba, a Comissão Nacional de Protecção de dados nada autorizou nesse sentido e, se o tivesse feito, essa autorização seria completamente ilegal.
                                                Artigo 35º da Constituição

1 - Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam nos termos da lei.
2 - A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, designadamente através de entidade administrativa independente.
3 - A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei  com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis.
4 - É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei.
5 - É proibida a atribuição de um número nacional único aos cidadãos.
6 - A todos é garantido livre acesso às redes informáticas de uso público, definindo a lei o regime aplicável aos fluxos de dados transfronteiras e as formas adequadas de protecção de dados pessoais e de outros cuja salvaguarda se justifique por razões de interesse nacional.
7 - Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores, nos termos da lei.


Artigo 7.º da Lei nº 67/98


Tratamento de dados sensíveis
1 - É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.
2 - Mediante disposição legal ou autorização da CNPD, pode ser permitido o tratamento dos dados referidos no número anterior quando por motivos de interesse público importante esse tratamento for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não discriminação e com as medidas de segurança previstas no artigo 15.º.
3 - O tratamento dos dados referidos no n.º 1 é ainda permitido quando se verificar uma das seguintes condições:

a) Ser necessário para proteger interesses vitais do titular dos dados ou de uma outra pessoa e o titular dos dados estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento;
b) Ser efectuado, com o consentimento do titular, por fundação, associação ou organismo sem fins lucrativos de carácter político, filosófico, religioso ou sindical, no âmbito das suas actividades legítimas, sob condição de o tratamento respeitar apenas aos membros desse organismo ou às pessoas que com ele mantenham contactos periódicos ligados às suas finalidades, e de os dados não serem comunicados a terceiros sem consentimento dos seus titulares;
c) Dizer respeito a dados manifestamente tornados públicos pelo seu titular, desde que se possa legitimamente deduzir das suas declarações o consentimento para o tratamento dos mesmos;
d) Ser necessário à declaração, exercício ou defesa de um direito em processo judicial e for efectuado exclusivamente com essa finalidade.
Memória viva do que é o desrespeito pela liberdade  e direitos dos cidadãos - que sem a anterior nada são - é fácil todos termos. Basta-nos recuar aos tempos de trevas, que tão perto ainda estão.
E para quem se não lembra, ou não queira lembrar, relembremos nós, em quem se não apagou a memória!
Publicado originalmente em http://inverno-em-lisboa.blogspot.com)

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