segunda-feira, 25 de julho de 2011

O que se Está a passar na Somália não é Um Desastre Natural

Adam Ramsay | Bright Green

Nos mês passado, perguntei a uma agricultora queniana qual o impacto na comunidade da especulação nos alimentos. «A comida está a tornar-se cada vez mais cara», disse-me. Falou-me igualmente sobre como as alterações climáticas estavam a atingir a sua comunidade, de como se estava a tornar cada vez mais difícil plantar produtos agrícolas.
É demasiado fácil olhar para imagens de bebés subnutridos e acreditar tratar-se de algum tipo de desastre natural. É fácil, porque a alternativa é aceitar uma verdade dolorosa — existem pessoas a fazer isto aos somalis. São eles banqueiros que jogam com o preço dos alimentos, gestores petrolíferos que fecham os olhos relativamente aos impactos das alterações climáticas, grupos de pressão corporativos que insistem para que o FMI e o Banco Mundial forcem a abertura dos mercados dos países africanos. São pessoas que dizem coisas como «o capitalismo é o único sistema que funciona» quando isso significa que é o sistema que actualmente funciona para eles. Vivem em cidades como Londres ou Nova Iorque, e são normalmente bastante amigáveis.
É mais fácil olhar para a situação como um desastre natural mas, não existe nada de natural acerca disto. É certo que existe uma seca. E sim, esta terá diminuído a produtividade. Mas alguns países são capazes de lidar com secas. O motivo para que esta seca tenha levado à fome deve-se a uma concepção humana: a pobreza.
E mesmo a própria seca não tem nada de natural. É certo que não se pode dizer que cada evento meteorológico é resultado de alterações climáticas. Mas pode-se dizer que a sua intensidade o é. Pode-se dizer que a sua frequência o é. E, tal como Financial Times descreve:

«As secas costumavam ocorrer na região tipicamente a cada 10-15 anos mas tornaram-se mais regulares, afectando os mecanismos de reacção das comunidades sujeitas a viver num ambiente frágil e semidesértico.»

Podemos portanto afirmar o seguinte: sem o nível de carbono que bombeámos para a atmosfera, não teríamos nem a frequência nem a escala de secas a que hoje assistimos. As comunidades teriam tempo para recuperar e e ganhar resiliência. As alterações climáticas são portanto responsáveis por uma parte significativa do sofrimento. E, por isso, também o é o nosso sistema económico de exploração intensiva dos recursos e aqueles que exigem que o mantenhamos. Em particular, quando os gestores petrolíferos agem de forma a prevenir acções relativas às alterações climáticas, temos de perceber que eles estão a causar essas mortes.
Mas a seca é apenas um factor. Chegou no meio de uma tempestade perfeita para a Somália, com preços dos alimentos a nível global muito elevados e um governo muito fraco.
Os factores que estão a impulsionar a subida dos preços dos alimentos são numerosos: uma série de eventos meteorológicos por todo o mundo, ligados a alterações climáticas, uma utilização crescente de terrenos agrícolas para biocombustíveis e produção de forragem para animais. Mas a especulação à volta destas subidas é crucial. Assim que os banqueiros, que destruíram a nossa economia, se aperceberam de que não podiam continuar a depender das hipotecas subprime — cobrando valores que forçaram as pessoas a deixar as suas casas —, passaram para algo diferente: jogar nos mercados de matérias-primas, forçando preços que retiram a comida da mesa das pessoas. Os preços subiram de forma rápida. É com este custo que a agricultora queniana com que falei se preocupava há um mês atrás. É este custo que se encontra escrito na cara dos somalis que fogem à fome. Não é um fenómeno natural. É impulsionado pelos banqueiros que causaram a crise do crédito para que possam continuar a fazer os seus milhões. Grupos políticos e ONGs deixaram bem claro que os seus esquemas financeiros arriscavam-se a matar milhares. Estes recusaram-se a parar.
Mas, como é óbvio, o assunto é mais complexo do que isso. A política somali é um exemplo de má organização há já algum tempo. Bem, na verdade é mais complexo do que isso também. Não existe apenas uma política somali. Aquilo de que estamos verdadeiramente a falar é, mais propriamente, de três países. Cada um tem o seu governo, ou falta dele, e cada um com os seus sucessos e falhas. Mais especificamente, tal como eu o percebo, a Somalilândia e a Puntlândia são governadas com relativo sucesso. A metade Sul do país, maioritariamente dirigida (ou, mais precisamente, talvez não dirigida) a partir de Mogadíscio, é a área com os problemas mais sérios. E, por isso, não é surpreendente que seja ali que a fome ataque.
Mas se olharmos para o Sul, que está efectivamente sem um governo desde 1991, é importante perceber o porquê disto. A guerra civil que devastou o país começou após 10 anos de de programas de reajustamento desastrosos por parte do FMI, que viram o PIB per capita cair a uma taxa de 1,7% ao ano desde a sua introdução. Este programa consistia largamente em cortes (milhares de funcionários públicos foram demitidos), privatizações e desregulamentação — os três cavaleiros do Apocalipse neoliberal a que nos temos habituado. Claro que a guerra é mais complexa que isto. Mas devemos aceitar que o colapso económico torna a violência mais provável e que a imposição ocidental de políticas de capitalismo corporativo tiveram o seu impacto.
Quando vemos somalis a morrer, é muito simples pensar num desastre natural. Mas os preços dos alimentos são elevados porque os banqueiros — muitos neste país — estão a jogar com eles. As secas são mais frequentes graças a gestores petrolíferos que reclamam o direito de continuar a explorar e extrair e a manter a nossa sociedade dependente de combustíveis fósseis. O caos no Sul do país é um resultado de um acumular da história — um resultado, entre outras coisas, do colonialismo britânico, italiano e soviético e dos condicionalismos do FMI, pensados para as corporações ocidentais e não para o povo somali. Estas políticas corporativas de mercado, estes destruidores climáticos e estes banqueiros e especuladores estão a afectar pessoas no Reino Unido à medida que sentimos o peso da austeridade. No Ocidente, as pessoas começam a perceber quem é responsável por arruinar tantas vidas. Deveríamos igualmente perceber que estas mesmas pessoas não estão apenas a arruinar a vida daqueles que vivem no Corno de África. Estão a matá-las aos milhares.

Tradução de Francisco Venes

Nenhum comentário:

Postar um comentário