terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Empecilhos de Palmo e Meio


Diz o DN que as creches estão dispostas a abrir mais horas porque «admitem adaptar-se às necessidades dos pais que tenham de trabalhar aos sábados.» Deixemo-nos de tretas: se já há quem trabalhe aos sábados, domingos, à noite ou de madrugada, é porque já há pais e mães que têm de trabalhar aos sábados. Para quem, é certo, isto é uma boa notícia. Mas porque não aos domingos, all night long, nos feriados, 365 dias por ano, e incluindo, pelo menos, as escolas primárias?

Para começar, porque as creches, jardins infantis e escolas não são depósitos a abarrotar de empecilhos à produtividade — são a concretização efectiva do direito à educação e o espaço onde decorre grande parte da socialização das crianças. Pensá-los de acordo com a exigências do mercado laboral não é ser «realista», nem pensar nas necessidades dos pais — é transformá-los em «razão atendível» para que a educação seja uma mera gestão de danos e o elemento «família» desapareça do processo de socialização. Os putos não são a mão-de-obra barata do futuro, também têm direito a um presente — um presente em que não sejam geridos em vez de acompanhados, em que não se sintam parte de uma engrenagem em que tê-los é precisamente o que mais nos obriga a não poder estar com eles. Que raio de futuro é que se constrói assim, não sei — mas sei que nesta lógica de rebentar com os tempos passados fora da escola há muito mais do que pais e mães cansados a respirar de alívio.

Para começar, há mães e pais (e avós, tios, primas e restantes significant others) mais cansados e com menos tempo para os filhos — quem está com eles quando não nos deixam: professoras, educadores, auxiliares. Sejam os mesmos de hoje a trabalhar o dobro e a ganhar o mesmo, gente contratada com vínculos miseráveis, ou obrigada a trabalhar porque recebe subsídio de desemprego. Porque não é, certamente, de criação de emprego que estamos a falar quando se criam mecanismos para garantir que não há entraves a obrigar-nos a trabalhar mais.

Resta saber (e não é difícil prever) quem vai pagar esta benesse filantrópica — a mais horas de prestação de serviços costuma corresponder um aumento de preço, e a maioria dos miúdos não tem lugar nas creches públicas. Vamos trabalhar mais para poder pagar mais pelo que nos faz poder trabalhar mais. Quem é que se lixa? Nós. Os putos. Quem toma conta deles. Ou seja — os putos.

Sim, vivemos acima das nossas possibilidades — parimos, por exemplo. É tão bonito falar tanto nas criancinhas e esquecer que lhes estamos a ensinar que são, basicamente, um sacrifício.

(Foto de Paulete Matos)

Um comentário:

  1. Fabuloso! Dizem também que o Estado está a preparar uns testes psicotécnicos para avaliar as capacidades dos possíveis pais para educar os pequenos "abortos andantes". Sendo assim haviam muitos que por aqui não passavam e eu teria agradecido!

    ResponderExcluir