terça-feira, 29 de novembro de 2011

24 de Novembro - Quem são os violentos?

A Plataforma 15 de Outubro, internacionalista, apartidária e pacífica, reivindicando a reposição da justiça e da verdade no que diz respeito aos eventos do dia 24 de Novembro, declara:
  1. Testemunhámos e denunciamos a presença de polícia não fardada e não identificada na manifestação de 24 de Novembro em frente a São Bento. Estes elementos, entre os manifestantes, incitaram à violência com palavras e acções, ao contrário do que afirmou inequivocamente o Ministro da Administração Interna. Esta acção da polícia de um Estado de Direito e dito “democrático” configura uma ilegalidade e um crime. A acção da polícia nos piquetes de greve deste dia pautou-se igualmente pela ilegalidade e repressão, tendo-se apresentado nos locais onde se encontravam os piquetes armada com caçadeiras e metralhadoras, além de ter sido enviada polícia de intervenção para atacar e romper os piquetes.
  2. Repudiamos ser, consciente e propositadamente, apelidados de “delinquentes”, “criminosos” e outros adjectivos que claramente configuram um insulto pessoal e colectivo, com o único objectivo de anular a Plataforma 15 de Outubro como sujeito político. Foi impedida a realização da Assembleia Popular prevista para as 18h00, hora em que começaram os distúrbios. Está a ser construída, consciente e propositadamente, uma narrativa de terror social que visa claramente criminalizar o movimento social e os eventos da Greve Geral e manifestação que, tendo sido um grande sucesso, é minorada pela construção de factos e eventos de “violência” por parte das estruturas de poder.
  3. Manifestamo-nos contra a detenção avulsa de pessoas isoladas, outra tentativa de reforçar esta narrativa criminalizadora.
  4. Somos e continuaremos a reivindicarmo-nos como uma plataforma de acção política pacífica e não aceitaremos ser, como colectivo, associados a qualquer acto de violência que cidadãos em nome individual possam cometer na demonstração da sua legítima revolta.
  5. Rejeitamos a inversão total e propagandística da verdade que está em curso, procurando apelidar de violentas pessoas e movimentos que procuram defender os seus direitos e interesses de forma pacífica. A violência das medidas de austeridade é que é indesmentível e por mais cortinas de fumo que por ela sejam lançadas, está à vista de todo o povo. Acusamos o governo de violência, directa e indirecta, sobre o país.
  6. Em resposta a esta campanha vergonhosa, informamos que convocaremos uma nova manifestação, a realizar no final de Janeiro.

Por tudo isto, a Plataforma 15 de Outubro exige:
  • A divulgação pública das provas audiovisuais, filmes e fotografias que demonstram claramente a presença e acção provocadora de agentes da polícia não identificados e não fardados dentro da manifestação que ocorreu no dia 24 de Novembro.
  • A abertura, por parte das entidades competentes, de inquéritos que visem a investigação da acção policial, nomeadamente o uso de violência sobre manifestantes isolados e a instigação à violência por parte de elementos não identificados e não fardados da polícia.
  • Que os meios de comunicação social, que tão prontamente assumiram esta narrativa distorcida dos acontecimentos, dêm espaço às informações que têm vindo a público, cumprindo o seu dever de informar e repôr a verdade dos factos.
  • Que sejam retiradas consequências do facto de terem sido proferidas publicamente inverdades por parte do Ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que reforçaram uma narrativa que não corresponde comprovadamente à verdade dos factos.
  • Que os detidos no dia 24 de Novembro sejam absolvidos, sendo tido em conta nos seus processos o facto de terem sido detidos de forma ilegal e abusiva através de agentes provocadores que, além do mais, incitaram delitos. Expressamos total solidariedade em relação aos companheiros e companheiras detidos nesse dia.
A criminalização da actividade política e da contestação é um sinal claro dos tempos em que vivemos, em que a Democracia é ameaçada e posta em causa justamente pelo Estado que tem como dever protegê-la. A tentativa de suprimir os acontecimentos históricos que foram a Greve Geral de dia 24 de Novembro e a expressão popular ocorrida na manifestação nesse dia serve de sinal de aviso às forças progressistas. Não permitiremos que vingue a tentativa de fazer com que o medo sufoque a legitimidade das reivindicações populares à dignidade e aos direitos e, como tal, estaremos novamente nas ruas, no final de Janeiro.

Não esquecemos, exigimos explicações!

No dia 24 de Novembro último, dia de greve geral e manifestações de apoio a esta última um pouco por todo o país, uma badalada detenção percorreu — a custo — todos os telejornais.
Por volta das 18h, já de noite, enquanto a maioria dos manifestantes se mantinha em frente ao Palácio de S. Bento, algumas pessoas tinham-se afastado e circulavam na Calçada da Estrela. Entre os transeuntes encontrava-se um membro do Portugal Uncut, Nuno Bio, com alguns amigos e ainda a deputada do BE, Ana Drago.
De repente, alguns gritos chamaram a atenção para uma cena de agressões físicas: um grupo de quatro ou cinco pessoas espancava um rapaz, primeiro sem armas e depois utilizando bastões extensíveis. Os amigos deste último e os transeuntes gritavam por socorro e pela polícia. A cena foi filmada por um telemóvel de quem assistiu — imagens entretanto retiradas do Vimeo, mas que se mantêm no Youtube e que aparecem em todas as reportagens televisivas sobre o assunto — e ainda pela RTP que, tendo imagens suas não deu a notícia.

À chegada dos agentes fardados da PSP os agressores foram afastados da vítima sem qualquer tentativa de detenção, guardaram novamente os bastões e distanciaram-se, enquanto os agentes fardados detinham a vítima, transportando-a para um carro. Percebeu-se, portanto, que eram agentes à paisana. Este facto foi confirmado quando um deles, tendo ficado ferido (não é claro se pela vítima ou por uma bastonada de um colega), foi transportado para o hospital na mesma ambulância que o repórter da SIC agredido violentamente pela polícia nas escadarias da AR. O agente ferido reportado pela PSP é então este agente à paisana envolvido na agressão da Calçada da Estrela.

Durante várias horas os meios de comunicação foram informados do incidente, receberam o vídeo e fotografias, mas não demonstraram qualquer receptividade a dar notícia do acontecimento. Afinal, o espancamento brutal de um cidadão desarmado por polícia à paisana não tem qualquer interesse editorial. Só no dia seguinte, após muita insistência, a TVI decidiu dar notícia do espancamento com entrevista de testemunhos e um pedido de esclarecimento junto da PSP. Depois da primeira notícia os restantes órgãos de comunicação viram-se obrigados a não ficar atrás.
Entretanto, o Ministro da Administração Interna tinha desvalorizado os acontecimentos e elogiado o comportamento da polícia e a PSP reportava um agente ferido gravemente. A sequência das declarações pode ser vista na reportagem da SIC. Nesta última ficamos ainda a saber por declarações da PSP que o detido era alegadamente um cidadão extremamente perigoso e procurado pela Interpol.

Na sexta-feira todos os detidos durante a manifestação foram ouvidos em tribunal. O rapaz detido neste episódio fica a aguardar julgamento em Portugal e em liberdade. Não há, afinal, qualquer processo internacional e a sua perigosidade não é tanta que não possa aguardar julgamento em liberdade. Acusação: agressão de um agente da autoridade e nada que implicasse o anunciado mandato de captura internacional da Interpol. Ficámos assim a saber que a polícia não tem qualquer problema em mentir para a televisão, inventando versões de factos que lhe pareçam favoráveis — mas que, mesmo que provassem ser verdadeiras, nunca explicariam a brutalidade da agressão na detenção de um indivíduo que, como se vê nas imagens, não oferece resistência nem mostra deter quaisquer armas.
Todos os detidos durante a manifestação foram soltos o mais tardar no dia seguinte. Na sexta-feira à tarde já não estava ninguém detido. Nalguns casos as queixas foram retiradas, consideradas improcedentes e noutros aguardam julgamento em liberdade.

sábado, 26 de novembro de 2011

Perguntas inconvenientes

A campanha de desinformação começou. A CGTP é um antro de inúteis. Quem faz greve devia ser despedido. Quem tem emprego devia era ir trabalhar e calar o bico. E porrada? Houve porrada? Ah, noutros tempos, noutros tempos...
De anarcas a alemães, há algo que fica claro: a comunicação tem cada vez menos de social e cada vez mais de política, estratégica e propagandística. Ainda não sabemos se devemos especular acerca do toque a finados do mesmo jornalismo que alguém, certamente odiada pela sarna liberal-paternalista deste país, um dia disse ter a função de vigiar o poder e os centros de poder. Pessoalmente, considero que o aparato mediático português é uma das causas da disfuncionalidade institucional da República. Ainda assim, os ataques à outrance a qualquer voz dissonante - e a cooptação de vozes razoavelmente dissonantes mas inócuas, cuja crítica tem o efeito de reforçar a impressão de democraticidade da esfera pública portuguesa, embora ela seja, e quem participa no combate anti-austeritário sabe-o bem, uma monocultura demente - manifestam uma pulsão repressiva que só pode ser parcialmente explicada pela imersão dos media  em grandes grupos económicos e pela invasão do nexo financeirista: trata-se de algo mais perverso e profundo.

Se as coisas fossem diferentes, talvez pudéssemos ouvir respostas a perguntas desagradáveis e talvez populistas.

Por exemplo, quando Pedro Passos Coelho fala na necessidade de empobrecer, está a referir-se a si mesmo? Está a referir-se à elite partidária do arco austeritário? Está a referir-se aos grupos económicos que sobrevivem à custa de comportamentos parasitários e dependentes do Estado (vide Europarque, PPPs e injecções de capital sem condições em empresas financeiras)?

Quando ouvimos as legiões de comentadores austeritários a perorar sobre a necessidade final do austeritarismo, de tirar o biberão aos que mamam da teta do contrato social - Vítor Bento, por exemplo -, eles colocam a hipótese de ficar do lado dos excluídos? Colocam a hipótese de não terem lugar à mesa do contrato social?

Quando Fernando Alexandre, o senhor que descobriu, com financiamento da Associação Portuguesa de Seguros, que os portugueses com mais dinheiro poupam mais e que o Estado social é uma aberração, diz que é preciso modificar o sistema repartido de financiamento da Segurança Social para um sistema de capitalização e desmantelar o Estado social, está a incluir a Universidade de Coimbra, onde fez a licenciatura e o mestrado, o Birkbeck College, onde fez o doutoramento, e a Universidade do Minho, que o emprega?

Quando João Duque, o Álvaro e Vítor Gaspar afirmam que é preciso retirar o Estado da economia, que a gestão pública é sempre e necessariamente inferior à gestão privada, estão a incluir a sua própria gestão? Consideram normal e inquestionável a sua dedicação a uma causa da qual duvidam, a causa pública?

Quando Rodrigo Moita de Deus, essa esperteza peregrina que afirma a pés juntos não existir investimento público e passou à frente de Bretton Woods, diz que a austeridade vai doer (e é bom que doa, parece sugerir por trás da barba), admite que lhe poderá doer também? E Henrique Raposo? E Miguel Morgado? E José Manuel Fernandes' E Helena Matos? Estes fãs redescobertos de Malthus e Spencer defendem a eficácia e necessidade das desigualdades; colocam a hipótese de se descobrirem do lado errado do mundo polarizado que descrevem? Não vale responder que a culpa de tudo é da esquerdaesquerdaesquerda.

Quando Henrique Medina Carreira diz que as universidades estão cheias de vadios, que isto é só doutores sem utilidade, que é preciso cortar cortar cortar, admite ir para a fila de um GIP, para que um técnico lhe carimbe a apresentação quinzenal?

Está na altura de perder o respeitinho e colocar a equanimidade desta trupe austeritária em causa. Colocar perguntas simples, óbvias, estúpidas e inconvenientes.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Em defesa da dignidade, do trabalho e do Estado Social


(Por 128 cientistas sociais)

«O último ano tem sido marcado por uma catadupa de decisões políticas atentatórias das condições de vida dos cidadãos e dos serviços e apoios sociais arduamente conquistados ao longo da história, criando uma situação que é tão mais gravosa quanto ocorre num quadro de progressivo desemprego e recessão económica.

É o caso dos cortes unilaterais nos salários dos trabalhadores do Estado, da apropriação fiscal de grande parte do subsídio de Natal dos trabalhadores e pensionistas, do corte dos subsídios de Natal e de férias dos trabalhadores do sector público e dos pensionistas que, tal como o aumento do horário laboral no sector privado, estão previstos para o próximo ano, da substancial diminuição do financiamento ao Serviço Nacional de Saúde e à educação pública, ou da restrição do acesso ao subsídio de desemprego e a outras prestações sociais.

No entanto, estas opções políticas não se limitam a agravar as condições de vida dos trabalhadores, pensionistas e suas famílias, fazendo até perigar a própria subsistência de muitos deles em condições minimamente dignas.

Essas decisões são tomadas em nome do reequilíbrio das contas públicas e da necessidade de servir a dívida. No entanto, devido à recessão que já provocam e irão aprofundar, não permitirão sequer atingir esses objectivos. Dessa forma, ao sofrimento imposto a milhões de pessoas e à injustiça na repartição dos custos, vem somar-se a consciência da inutilidade de tais sacrifícios.

Mais ainda, as medidas tomadas no âmbito das políticas de “ajustamento” constituem uma brutal subversão do contrato social que permitiu à Europa libertar-se, após a II Guerra Mundial, da endémica incerteza e insegurança de vida dos seus cidadãos e, com base nisso, assegurar vivências mais dignas, uma maior equidade e níveis de paz social e segurança colectiva sem paralelo na sua história.

Ao subverterem a credibilidade e a segurança jurídica da contratação laboral e sua negociação, ao esvaziarem e restringirem os elementos de Estado Social implementados no país (pondo com isso em causa o acesso dos cidadãos à saúde, à educação e a um grau razoável e expectável de segurança no emprego, na doença, no desemprego e na velhice), essas opções políticas, apresentadas como se de inevitabilidades se tratasse, reforçam as desigualdades e injustiças sociais, abandonam os cidadãos mais directamente atingidos pela crise, e criam as condições para que a dignidade humana, os direitos de cidadania e a segurança colectiva sejam ameaçados pela generalização da incerteza, do desespero e da ausência de alternativas.

Por essas razões, os cientistas sociais signatários reafirmam que os princípios e garantias do Estado Social e da negociação consequente dos termos de trabalho não são luxos apenas viáveis em conjunturas de crescimento económico, mas sim condições básicas da dignidade e da existência colectiva, que se torna ainda mais imprescindível salvaguardar em tempos de crise. São, para além disso, elementos essenciais de qualquer estratégia credível para ultrapassar a crise e relançar o crescimento económico.

Num quadro de fortes limitações orçamentais, esse imperativo societal requer a reversão das crescentes assimetrias na distribuição de riqueza entre capital e trabalho, designadamente através da utilização de uma substancial e mais equitativa tributação dos lucros e mais-valias como fonte do reforço de financiamento dos serviços e prestações sociais.

Sendo as opções governativas em curso (e em particular a proposta de OGE 2012) contrárias a estas necessidades e atentatórias da dignidade humana e da segurança colectiva, os cientistas sociais signatários apoiam a Greve Geral convocada pela CGTP-IN e a UGT para o próximo dia 24 de Novembro, apelando aos seus concidadãos para que a ela adiram.

Tratando-se embora de uma acção a nível nacional, os signatários saúdam também esta Greve Geral como um momento do combate europeu contra as políticas de austeridade e de regressão social, a favor de mudanças na política europeia que coloquem no centro os cidadãos, o crescimento económico, o desenvolvimento e a defesa da Europa Social e da democracia.»

Os cientistas sociais:
Alan Stoleroff (ISCTE-IUL), Alexandre Abreu (CEG-UL), Amanda Guapo (IELT-UNL), Ambra Formenti (ICS-UL), Ana Benard da Costa (ISCTE-IUL), Ana Benavente (ULHT), Ana Cordeiro Santos (CES-UC), Ana Costa (ISCTE-IUL), Ana Cristina Ferreira (ISCTE-IUL), Ana Cristina Santos (CES-UC), Ana Delicado (ICS-UL), Ana Horta (ICS-UL), Ana Margarida Esteves (Tulane Un.), Ana Paula Guimarães (FCSH-UNL), Anne Cova (ICS-UL), António Brandão Moniz (FCT-UNL), António Carlos Santos (UAL), António Galamba (antr.), António Monteiro Cardoso (CEHCP-IUL), Britta Baumgarten (CIES-IUL), Carlos Augusto Ribeiro (FCSH-UNL), Carlos Pedro (antr.), Carlos Rodrigues (UA), Catarina Casanova (ISCSP-UTL), Cícero Pereira (ICS-UL), Clara Saraiva (FCSH-UNL), Cristina Santinho (CRIA), Dulce Simões (INET-UNL), Elisabete Figueiredo (UA), Elísio Estanque (CES-UC), Elsa Peralta (ICS-UL), Emília Margarida Marques (CRIA), Francisca Alves-Cardoso (FCSH-UNL), Frédéric Vidal (CRIA), Giovanni Alves (CES-UC), Gonçalo Santinha (UA), Graça Videira Lopes (FCSH-UNL), Guilherme Fonseca-Statter (CEA-IUL), Guya Accornero (CIES-IUL), Helena Lopes (ISCTE-IUL), Henrique Sousa (FCSH-UNL), Hermes Costa (CES-UC), Hugo Dias (CES-UC), Inês Godinho (antr.), Inês Sachetti (UCLA), Irene Flunser Pimentel (hist.), Isabel Cardigos (FCSH-UA), João Areosa (soc.), João Edral (IELT-UNL), João Estevão (ISEG-UTL), João Ferrão (ICS-UL), João Leal (FCSH-UNL), João Luís Lisboa (FCSH-UNL), João Paulo Dias (CES-UC), João Pedroso (FE-UC), João Pina Cabral (ICS-UL), João Rodrigues (CES-UC), João Seixas (ICS-UL), João Teixeira Lopes (FL-UP), João Vasconcelos (ICS-UL), Jorge Carvalho (UA), Jorge Malheiros (IGOT-UL), José António Fernandes Dias (FBA – UL), José Carlos Mota (UA), José Castro Caldas (CES-UC), José Gabriel Pereira Bastos (CRIA), José Manuel Cordeiro (ICS-UM), José Manuel Pureza (CES-UC), José Manuel Rolo (ICS-UL), José Manuel Sobral (ICS-UL), José Mapril (CRIA), José Neves (FCSH-UNL), Lourenzo Bordonaro (CRIA), Luís Silva (CRIA), Luís de Sousa (ICS-UL), Luís Souta (ESSE-IPS), Luísa Lima (ISCTE-IUL), Luísa Oliveira (ISCTE-IUL), Luísa Schmidt (ICS-UL), Luísa Tiago de Oliveira (ISCTE-IUL), Manuel Carlos Silva (ICS-UM), Manuel Couret Branco (UE), Manuel Loff (hist.), Manuela Ivone Cunha (UM), Margarida Paredes (CRIA), Margarida Pereira (FCSH-UNL), Margarida Perestrelo (ISCTE-IUL), Maria Cardeira da Silva (FCSH-UNL), Maria Clara Murteira (FE-UC), Maria Eduarda Gonçalves (ISCTE-IUL), Maria Fátima Ferreiro (ISCTE-IUL), Maria Inácia Rezola (IHC-UNL), Maria Inês Amaro (FCH-UCP), Maria João Freitas (LNEC), Maria José Casa-Nova (UM), Maria Luís Pinto (UA), Maria da Paz Campos Lima (ISCTE-IUL), Mário Vale (IGOT-UL), Marlene Rodrigues (CPES-ULHT), Marta Prista (FCSH-UNL), Marzia Grassi (ICS-UL), Mauro Serapioni (CES-UC), Michel Binet (CL-UNL), Micol Brazzabeni (CRIA), Miguel Cardina (CES-UC), Miguel Vale de Almeida (ISCTE-IUL), Mónica Truningen (ICS-UL), Nuno Domingos (ICS-UL), Nuno Martins (UCP), Oriana Alves (IELT-UNL), Patrícia Alves Matos (CRIA), Paulo Castro (ISCTE-IUL), Paula Godinho (FCSH-UNL), Paulo Alves (ISCTE-IUL), Paulo Castro Seixas (ISCSP-UTL), Paulo Granjo (ICS-UL), Paulo Mendes (UTAD), Paulo Peixoto (FE-UC), Paulo Raposo (ISCTE-IUL), Pedro Aires Oliveira (FCSH-UNL), Pedro Hespanha (CES-UC), Raquel Rego (ISEG-UTL), Raúl Lopes (ISCTE-IUL), Renato Carmo (ISCTE-IUL), Ricardo Sequeiros Coelho (CES-UC), Ricardo Paes Mamede, Rita Poloni (ICS-UL), Rosa Maria Perez (ISCTE-IUL), Rui Bebiano (CES-UC), Rui Tavares (hist.), Ruy Blanes (ICS-UL), Sanda Samitca (ICS-UL), Sara Falcão Casaca (ISEG-UTL), Sílvia Portugal (CES-UC), Sofia Aboim (ICS-UL), Sofia Sampaio (CRIA), Sónia Bernardes (ISCTE-IUL), Sónia Ferreira (FCSH-UNL), Sónia Vespeira Almeida (CRIA), Susana Boletas (ICS-UL), Susana Durão (ICS-UL), Teresa Albino (IICT), Teresa Carvalho (UA), Teresa Santos (ICS-UL), Tiago Correia (CIES-IUL), Tiago Saraiva (ICS-UL), Vera Borges (ICS-UL), Virgílio Amaral (CES-UC), Vitor Ferreira (ICS-UL), Vitor Neves (FE-UC)

24 de Novembro :: GREVE GERAL! Em Toda a Parte.


Manifestações:  
Lisboa: 14h30, Marquês de Pombal
Porto: 15h, Praça da Liberdade 

Austeridade, cortes, desemprego, sacrifícios, direitos perdidos. São as palavras de que se vai fazendo o nosso quotidiano, e todos os dias a fasquia do inadmissível desce mais um bocadinho. Dizem-nos que o nosso desígnio é empobrecer, que o desemprego é uma zona de conforto, que emigrar é a solução — os mesmos que nos dizem há muito tempo que vivemos acima das nossas possibilidades, que a dívida é transparente, e que o suicídio consentido do nosso tecido social e económico é a panaceia que «acalmará» os insaciáveis mercados. Mas que se esquecem sempre de incluir nas contas da inevitabilidade os resgates aos bancos, o dinheiro escondido em paraísos fiscais, a negociata das PPP ou as receitas que o Estado poderia recolher através de uma política fiscal justa e progressiva, que taxasse lucros exorbitantes e grandes fortunas com a mesma voracidade com que aumenta a taxa de IVA na cultura.

Entretanto, a democracia na Europa reduz-se a juntas austeritárias, com o objectivo único de aplicar a sangria da austeridade, e nós vemos, todos os dias e em toda a parte, que essa austeridade é sinónimo de miséria, desemprego, desespero. Dizem-nos também que a Grécia não é aqui, quando é óbvio que ela está cada vez mais perto. E contam com a tua complacência, o teu silêncio, o teu encolher de ombros para que da Grécia chegue apenas o descalabro inevitável, e não o exemplo de resistência. Nós dizemos que inevitável é a resistência, porque dela depende não só o teu emprego, o teu salário, a tua escola, o teu futuro, mas também a própria democracia.
Por tudo isto, no dia 24, fazemos Greve Geral. Trabalhemos com ou sem contrato, com um vínculo menos ou mais precário, na função pública, no comércio, ou com aberrações laborais como bolsas de investigação. E, porque a greve é de todas e todos, não esquecemos que há cada vez mais quem esteja no desemprego, trabalhe num contexto imposto de ilegalização, se tenha reformado, trabalhe por conta própria, estude (ou não possa estudar), ou tenha um contrário tão precário que exclui direitos garantidos na Constituição... e marcamos encontro na rua.

Se te recusas a ser cúmplice duma sociedade em que 1% da riqueza se sobrepõe aos direitos mais básicos de 99% das pessoas, e queres dizê-lo a alto e bom som, vem ter connosco ao Marquês de Pombal, às 14h30, em Lisboa (ou à Praça da Liberdade, às 15h, se estiveres no Porto). Vamos ter com a concentração da União de Sindicatos de Lisboa no Rossio, e seguimos juntos, no meio da diversidade de vozes e experiências que somos, para São Bento. Os frutos da resignação estão à vista, se ainda tinhas dúvidas. Vamos mostrar-lhes que somos a alternativa que eles dizem que não existe?

domingo, 13 de novembro de 2011

Palavra do ano 2012?

A minha aposta vai para tecnocracia / tecnocratas.

PS. O artigo da Spiked define bem os governos de Papademos e Monti: juntas austeritárias.

A breve fraqueza dos fortes

Ao explicar hoje na RTP a nova situação política italiana, o repórter Noé Monteiro hesitou numa palavra. Falava então da queda de Berlusconi e da sua sucessão por Mario Monti. Monti, o tecnocrata preferido pelos mercados que foi comissário europeu durante um par de anos, prepara-se para ser convidado a formar governo pelo presidente Giorgio Napolitano. Portanto, frisava o repórter, não estão pensadas eleições na sequência desta mudança, ao contrário que é norma em regimes... "democráticos". De facto, e independentemente do asco que se possa e deva sentir por Berlusconi, a actual ultrapassagem da democracia pelo regime dos credores não é coisa de somenos. Tal como os referendos, as eleições actualmente tendem a ser vistas com bons olhos apenas se não atrapalharem. Neste novo regime a que também já se chamou "pós-democrático", expressões como "governo técnico" - com o qual se pretenderá crismar o "governo Monti" -, "saneamento das contas públicas", "combate ao défice", "remoção das gorduras do Estado" erguem-se como um novo senso comum. E tudo isto numa sopa populista que identifica a "democracia" com os "políticos" e estes com o "estado a que isto chegou". A Grécia e a Itália estão a dar-nos o sinal: a democracia é um resíduo espúrio que os senhores da finança, ancorados no eixo franco-alemão, não têm dificuldades em descartar se for essa a melhor forma de, para utilizar um eufemismo que agradaria a Cavaco Silva, "empobrecer dignamente". Obrigada a dar-se a ver desta forma, a força dos fortes tem, contudo, a fraqueza dos gestos impositivos. Talvez os italianos o percebam mais rápido do que se pensa.

sábado, 5 de novembro de 2011

Das alimárias e dos tabus

Torna-se difícil ouvi-los. É uma geração de líderes que ficará nos anais da história europeia, caso reste algum e a história não seja descartada por não ter valor de mercado, pela estupidez definitiva com que geriu a trapalhada na qual o continente foi enfiado. Utilizo, para os devidos efeitos, a noção de estupidez oferecida por Carlo Cipolla:
Uma pessoa é estúpida se causar prejuízo a alguém ou a um grupo de pessoas sem derivar benefício pessoal ou, ainda pior, causando prejuízo a si mesma.
O teatro moral desta semana revelou, qual tragédia de fraca qualidade, o alcance da estupidez, assim definida, de Merkel e Sarkozy. A manobra de Papandreou acicatou as suas reacções ferozes. Temem, obviamente, a voz dos seres humanos que compõem essa Europa; a eurocracia recorda, com mau gosto na boca, os referendos ao Tratado de Lisboa. Nada disto foi surpreendente: a esquerda europeia (que exclui o PS, entenda-se) também não mostrou um consenso em torno da proposta do PM grego. Nem poderia mostrar. Tratou-se de uma manobra acrobática que resultou mal e o povo grego continua sem ser tido nem achado.

Não. O que me surpreendeu - e estou a tentar compreender a realidade do ponto de vista austeritário - foi a quebra de um tabu que também revela a iliteracia política destas elites anafadas. Merkel e Sarkozy abordaram o tema da permanência na UEM. O seu apoio deixou de ser incondicional e ficou implícito que, nos departamentos de análise política e económica de Paris e Berlim, já foram construídos modelos e propostos cenários em que a zona euro pode ter o seu número de membros reduzido. Ou seja, uma zona euro onde a língua franca é o alemão.

A Comissão Europeia, pelo que percebi, tentou arrefecer os ânimos, afirmando que não existem provisões, no acquis comunitário, para a saída voluntária ou expulsão da UEM sem movimento análogo relativo à UE. Um problema: não existem provisões para saídas voluntárias ou expulsões. Se quiserem dar um chuto no rabo grego, as chancelarias de Paris, Berlim, Amesterdão e Viena precisarão de reescrever o Tratado a grande velocidade.

A pergunta: por que razão quebraram o tabu? A economia moral da dívida e o velho espírito do capitalismo presidiram à decisão de fazer declarações que terão consequências terríveis?

Talvez não. Talvez sejam apenas alimárias iletradas e cipollicamente estúpidas, traços em que não diferem das musas Barroso, Juncker, van Rompuy e Trichet. Não percebem o que é uma união monetária e não entendem que o euro é uma construção política defeituosa. Na verdade, nem me admiraria se reescrevessem o tratado sem mexer na no-bailout clause e se deixassem os estatutos do BCE como estão.

As consequências é que não esperarão muito tempo. Quebrado o tabu, é uma questão de tempo até alguém, algures em Wall Street, começar a testar as águas. Liquidez excessiva? Venham até nós, swaps; é agora que o Mediterrâneo vai ao fundo.

Alguém tem um colete salva-vidas?

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Pedido de Abertura de Inquérito e de Condenação Pública da Agressão Policial


Ao Ministério da Administração Interna (MAI)

Ao Inspector-Geral da Administração Interna (IGAI)

Pedido de abertura de inquérito e de condenação pública da agressão policial

Exmos/as Srs/as,

No dia 15 de Outubro de 2011, em São Bento, reclamávamos por uma democracia verdadeira, ao mesmo tempo que na Arrentela a actual democracia espalhava o terrorismo social, através da brutalidade e violência policial. Por volta das 22 horas, a  polícia agrediu, violentou e brutalizou diversas pessoas.
Tudo aconteceu após uma festa do primeiro aniversário de um bebé do bairro, nas instalações da Associação Khapaz, que terminou pelas 22 horas.  Algumas pessoas permaneceram no jardim a conviver, o que motivou uma denúncia à polícia, tendo esta respondido com uma intervenção altamente agressiva, corporizada, violenta, sexista e racista. Esta forma de intervenção policial, que se verifica diversas vezes, ocorre numa lógica de criminalização da pobreza, da miséria e da vulnerabilidade social e económica, especialmente quando se trata de pessoas negras, ciganas e brancas pobres. Pobreza essa promovida e estruturada por um modelo neoliberal que relega as pessoas para o desemprego em massas e que tem nos bairros pobres mão-de-obra escrava e barata.
A polícia, instrumento de acção repressiva directa do Estado, promove a violência policial no espaço público, sobretudo contra classes sócio-económicas desfavorecidas e contra as pessoas migrantes e as mulheres. Neste sentido assistimos a um investimento no Estado policial[1] e por outro lado a um desinvestimento no Estado social.
No vídeo feito por uma pessoa que se encontra no local[2] e que mostra parte do que aconteceu, identificamos facilmente que tanto os homens como as mulheres são alvo da violência policial e, consequentemente, da violência do Estado. Basta ocuparem o espaço público para serem potenciais vítimas, o que rompe com a ideia estereotipada de que a violência policial incide sobre jovens, negros, do sexo masculino. Tal como os homens, o que vemos e facilmente identificamos são mulheres a serem brutalmente agredidas pela polícia, diante dos filhos e filhas – o que terá impacto inegável no desenvolvimento destas crianças e jovens. Não é por acaso que este tipo de intervenções policiais incide sobre comunidades vulneráveis e, em particular, sobre as mulheres - que têm associadas a si discriminações múltiplas, pelo simples facto de serem mulheres, por serem negras e por morarem num território social e economicamente estigmatizado.
Esta polícia sustentada por uma corrente de tolerância zero e de criminalização da miséria não é compatível com um modelo social democrático real e não é compatível com uma sociedade equilibrada, justa e equitativa., tal como definido na Constituição da República Portuguesa.

Como tal, solicitamos, ao MAI e ao IGAI, abertura de inquérito sobre esta actuação, bem como condenação pública do abuso de poder policial.

As associações,
UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta e KHAPAZ

Subscrevem:
ACED - Associação Contra a Exclusão Pelo Desenvolvimento
APPT - Associação Portuguesa para a Prevenção da Tortura
Associação Cultural Moinho da Juventude
Associação Lusofonia Cultura e Cidadania
ATTAC Portugal
Casa do Brasil em Lisboa
ComuniDária – Associação de Integração de Migrantes e Minorias Étnicas
GAIA – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental
GIP - Grupo de Intervenção nas Prisões
JURE - Associação Juvenil Jovens Unidos Rumo à Esperança
não te prives – Associação de Defesa dos Direitos Sexuais
Panteras Rosa – Frente de Combate à LesBiGayTransfobia
Portugal Uncut
Precári@s Inflexíveis
Solidariedade Imigrante -Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes
SOS Racismo

Alexandra Oliveira, FPCE-UP
Almerinda Bento, Professora aposentada
Ana Cristina Santos, Centro de Estudos Sociais, UC
Ana Estevens, doutoranda do IGOT- UL
André Carmo, investigador CEG-UL
Andrea Inocêncio, Artista Plástica e Professora Assistente
António Monteiro Cardoso, jurista, professor ESCS-IPL
António Pedro Dores, ISCTE
António Serzedelo, Opus Gay, Vidas Alternativas
Catarina Moreira, Socióloga
Catarina Paulo Leal, Professora
Chullage, Músico, Activista, Sociólogo
Cláudia Múrias, Psicóloga, Investigadora UP
Conceição Nogueira, Professora Escola de Psicologia, UM
Cristina Pires, Técnica de Política Social
Dália Costa, ISCSP
Diana Andringa, Jornalista
Elsa Sertório, Tradutora
Fabiana Lopes Coelho, Directora de Comunicação e Marketing
Filipe Canha, Artista Visual, Performer
Gabriela Mota Vieira, Enfermeira
Helena Pinto, GIP
Helena Romão, Musicóloga
Hugo Monteiro, ESE Porto
Inês Galvão, Antropóloga
Isabel Rodrigues, Administrativa
João Manuel de Oliveira, U.Minho/Birkbeck College, U. London
José Manuel Fernandes, Professor do Ensino Secundário
José Soeiro, Sociólogo
Lucília José Justino, Professora ESCS-IPL
Luís Filipe da Cruz Pereira, Formador aposentado
Magda Alves, Socióloga
Mamadou Ba, dirigente associativo
Manuel Almeida dos Santos, Engenheiro
Manuela Góis, professora aposentada
Manuela Tavares, Investigadora em Estudos sobre as Mulheres
Mara Sé, GAIA
Margarida Paredes, Antropóloga
Maria Helena Leite Dias, Jurista
Maria Helena Santos, Psicóloga Social
Mariana Avelãs, Tradutora
Marta Lança, Editora Buala
Miguel Cardina, Historiador
Miguel Vale de Almeida, ISCTE/IUL
Mónica Guerreiro, Investigadora em Ciências da Comunicação, FCSH-UL
Nádia Cantanhede, Psicóloga Clínica
Nilzete Pacheco, ALCC
Otavio Raposo, Sociólogo
Paula Godinho, FCSH-UNL
Paulo Jorge Vieira, Investigador CEG-UL
Pedro Bacelar de Vasconcelos, Professor de Direito
Pedro Rainha, Estudante
Raquel Levy, Licenciada em Ciências da Educação
Ricardo Loureiro, Sociólogo
Ricardo Noronha, Investigador IHC, FCSH-UNL
Rita Silva, Grupo Direito à Habitação da SOLIM, Psicóloga Comunitária
Rui Bebiano, FLUC, CES, Director do Centro de Documentação 25 de Abril
Salomé Coelho, Psicóloga
Susana Boletas, Doutoranda em Antropologia
Teresa Cunha, ESE Coimbra
Tiago Landreiras, Estudante, UCP
Vera Santana, Socióloga
(subscrições continuam abertas. enviar informações para umarfeminismos@gmail.com)
________________________________
[1] Por ex.: “MAI atribui 11 milhões a polícias” - http://economico.sapo.pt/noticias/mai-atribui-11-milhoes-a-policias_129514.html
[2] Ver vídeo em http://www.youtube.com/watch?v=zIT761aGauE&feature=share


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Sexta-feira em Atenas

Nas últimas horas, ficámos a saber algumas coisas.

1. Vem aí um governo de unidade nacional na Grécia. Provavelmente liderado por um tecnocrata não eleito que, coincidência das coincidências, foi vice-presidente do BCE entre 2002 e 2010.
2. Haverá eleições na Grécia. Ou melhor, haverá um referendo ao austeritarismo com as seguintes opções: "quer a sua austeridade com sotaque conservador? vote Antonis Samaras" ou "quer a sua austeridade com sotaque social-democrata? vote Evangelos Venizelos".
3. A reestruturação "ordeira" da dívida grega continua sem ser sustentada por um programa legível e estruturado. Quanto melhor se conhecem as condições, pior parece a solução. A conclusão preliminar: o duo dinâmico Paris-Berlim tem piores analistas e decisores do que parecia até agora.
4. Para usar um jargão conhecido dos institucionalistas em estudos políticos, toda esta confusão parece ter criado uma dependência de trajectória e uma dinâmica de retorno crescente que funcionarão como obstáculos à implementação das reformas (quanto mais a transição sistémica) necessárias à sobrevivência da UE como a conhecemos e a qualquer mudança de paradigma. As instituições europeias não estão preparadas ou vocacionadas para abalos sísmicos no mundo sub-comunitário, vulgo procedimentos democráticos substantivos, ou para cisnes negros, como a declaração repentina de um PM grego com uma agenda específica.
5. A capa do Jornal de Negócios ilustra aquilo que tinha dito. A máquina de spin já começou a funcionar. Os gregos, esses ingratos de merda, essas pútridas tumefacções pecadoras-gastadoras-devedoras, ainda têm o atrevimento de questionar? Quem deve, aceita. Quem deve obedece a quem lhe emprestou. É assim a gente honrada, foi assim que aprendemos. E eis como a origem moral do conceito de dívida reemerge. Esses porcos comedores de queijo feta, desavergonhados!
6. Amanhã, quer-me parecer que Papandreou tomará o seu lugar como eminência parda e dará o lugar a Venizelos. Samaras - esse grande estadista, nas palavras do Pedro Magalhães - já afirmou que a Nova Democracia não aceita Papandreou.
7. A cúpula da União Europeia, na sua estupidez insana, desatou a falar da saída do euro. A Comissão apressou-se a indicar o óbvio: o TFEU não prescreve mecanismos de expulsão ou saída voluntária da UEM ou da UE. Mas Merkel e Sarkozý, essas inenarráveis alimárias embrutecidas, não se coibiram de abordar o tema da moeda única e da possível saída da Grécia. As consequências serão imprevisíveis, mas sabemos isto: com esta liderança, a UE está fadada a um desaparecimento autofágico.

Amanhã o povo grego entra numa nova fase de combate. Convém não tirar isto da cabeça: a sociedade grega enfrenta um processo de desagregação. Não há julgamentos políticos anteriores ou ulteriores: se há gente a morrer e redes sociais a desaparecer, o resto é acessório.

Edit 1: Estava enganado, a CE também atirou achas à fogueira. Está tudo doido.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

No Egeu, algo de novo?

O anúncio de uma proposta de referendo (e reitero - anúncio de proposta) pelo PM grego tem muitas coisas mal explicadas, mas terá consequências importantes. Algumas:

Coisas mal explicadas:
1. As instituições são uma chatice.

"O Presidente deve anunciar um referendo depois da votação favorável de uma maioria [absoluta] dos MPs, sob proposta do Governo (sobre "questões nacionais cruciais"); ou leis sobre "questões sociais relevantes" (com a excepção de questões fiscais), depois de uma decisão de 3/5 dos MPs". aqui (44, 2) e aqui (h/t Pedro Magalhães

Tendo em conta que será votada uma moção de confiança, na próxima 6ª-feira, num parlamento onde as cisões, os cismas e os autismos dominam, parece-me prudente respirar fundo e, a quem o anúncio de Papandreou parecer mais que uma acrobacia desesperada ou uma jogada política para encostar toda a oposição às cordas (a referência aos autismos parlamentares dirige-se a estes senhores), esperar. À velocidade a que o PASOK está a perder peso no parlamento, não será um passeio à beira-mar. Eu, confesso, não espero grande coisa disto, a não ser mais um ponto de pressão sobre o povo grego, que será fustigado, sem dó nem piedade, por todo o aparato mediático grego, europeu e cosmocapitalista (Irlanda, França, anyone?).

Para mim, Papandreou dura até 6ª-feira e haverá eleições ou, melhor, um governo de salvação nacional apoiado pelo trio de arcontes furiosos. E este cenário até pode ter pesado na decisão de Papandreou.

2. As perguntas importam. O contexto importa mais.

A quem acha que o objecto do referendo será o acordo europeu de 27 de Outubro: leiam isto. Não, o objecto do hipotético referendo será uma escolha simples: dracma ou euro? O inferno conhecido ou o inferno desconhecido? Caso venha a acontecer, e isso não é linear, o resultado não é óbvio. Sim, a maior parte da população grega discorda da perda de soberania e das medidas de hiper-austeridade impostas a partir do comité de arcontes estrangeiros; no entanto, a maior parte dessa população não quer voltar ao dracma. Além disso, o último referendo foi efectuado em 1974.
Por isso, deitar foguetes antes de sabermos coisas como a) que perguntas, b) quantas perguntas, c) a ordem das perguntas, d) a data do referendo, é prematuro.

3. Vitória. De quê? De quem?

Acolher o referendo parece deixar implícito que o povo grego terá algo a ganhar. Não, não terá. Este é um jogo em que a sociedade grega deixou de ter poder decisório. Sejamos honestos, por uma vez: a sociedade grega entrou num processo de desagregação que não poderia ser parado ou revertido num ano, ainda que se transferissem todas as gregas e gregos para a Noruega. Estamos a olhar para um processo de destruição controlada. Em vez de se atentar somente nos processos de resistência, atente-se também na destruição. Aprendem-se lições valiosas. A austeridade destrói. A austeridade é Schumpeter cortado ao meio. Este anúncio de proposta não alterará isso.
Assumindo que o referendo acontecerá e a recusa do acordo será aprovada por mais de 50% da população votante, as consequências serão imprevisíveis. Em primeiro lugar, não é óbvio que a recusa do povo grego resulte na recusa do governo grego. Na Grécia, o povo já não é soberano, pelo que esta avaliação é relevante. Em segundo lugar, a recusa do acordo poderá resultar numa repetição dos episódios na Irlanda e na França, aquando do Tratado de Lisboa. Em terceiro lugar, as sanções impostas à Grécia pelo directorado Paris-Berlim-Amesterdão-Helsínquia não estão determinadas pelo acquis comunitário: não existem, lembremos, e antes de falarmos levianamente de saídas do euro e da UE, provisões legais específicas para processos de saída voluntária ou expulsão da UE e/ou da UEM. O TFEU teria que ser reescrito e as instituições europeias não são conhecidas pela sua agilidade. A saída/expulsão unilateral seria um acto de consequências imprevisíveis, faria regredir o processo de integração europeia e poderia instigar sanções pecuniárias/comerciais que exponenciariam o sofrimento do povo grego.

Portanto, cantarolar, por estes dias, o panegírico da democracia é um exercício fútil. É preciso lutar por ela e descortinar as questões sistémicas que sustentam estes eventos Entretanto, a elite grega não perde tempo e apressa-se a transferir capitais.

Passando às consequências importantes:

1. As atitudes perante o anúncio de proposta.

As respostas ao anúncio serão importantes. Permitir-nos-ão compreender, um pouco melhor, como se posicionam as lideranças e as instituições, já para não falar da intelectualidade cronista. Até agora, as reacções consternadas, irritadas ou desconcertadas são clarificadoras: esta gente só gosta da democracia quando lhes afaga o lombo. Quando os meninos sentem que há um risco, calculado e pequeno, de serem contrariados, choram e fazem birra. Ou, ajustada a escala, mobilizam recursos cognitivos e materiais para fustigar seres humanos já combalidos pela imposição de um regime austeritário com a mensagem que lhes apraz: "é calar e comer, seus pecadores-gastadores-devedores".
É evidente que ler comentários idiotas como este (um dia destes, ainda hei-de perceber como é possível Nicolau Santos partilhar espaço com crónicas de tão reles calibre) não serve para nada, a não ser para derivar as tais consequências importantes.
Isto não é totalmente mau. Assim, percebemos que os procedimentos democráticos lhes desagradam. Percebemos que o povo grego ainda lhes mete medo. E sabemos que há mais um domínio político onde a hegemonia está em erosão acelerada.
Vejam bem as crónicas que se seguirão, em todos os jornais, blogues e televisões. Quem disser que a Grécia está a levar a Europa para o abismo, que Papandreou é um ingrato, que o povo grego tem mais é que aguentar, que o referendo é "desnecessário, fútil e perigoso" (Hirschman, Hirschman, quanta razão...), que é preciso fazer festinhas aos mercados e o referendo é uma forma de esmurrá-los, está a sinalizar que a democracia é facultativa. Se convier, tudo bem. De outra forma, o povo caladinho, ou os tanques, rapidamente e em força.

2. O referendo terá impacto, mesmo que nunca venha a ser realizado.

Os "mercados", seja lá o que isso for, já reagiram. A Société Générale perdeu 17% do seu valor em bolsa. O Deutsche Bank perdeu 8%. Joseph Ackermann estará a bufar de raiva contra a palavra "referendo", contra Papandreou e contra o Mediterrâneo em geral. Pior para ele: mesmo que as gregas e gregos não venham a exercer o seu direito, a democracia ainda dói à elite do poder.
Com tudo isto, é preciso aguardar pelos resultados da votação da moção de confiança, na 6ª, e pelos multivariados discursos do duo dinâmico Merkozý, em Cannes, e dos parceiros do G20. Fazer a corte à China e ao Brasil pode ter-se tornado uma prioridade ou uma banalidade: depende da alavancagem da elite europeia sobre o governo grego. Além disso, ali para a Kaiserstrasse, em Frankfurt-am-Main, há-de haver um banqueiro italiano a fazer contas à vida. Das duas uma: ou deita fora o legado do seu antecessor e faz de governador a sério, ou ergue um altar a Trichet e as nossas filhas e netos vão continuar a criticar e a tentar combater o austeritarismo.

3. As ligações, filho, as ligações.

O anúncio de Papandreou pode ser um passo importante para refocar o debate no que é realmente importante: a construção de um sistema de relações sociais que incorpore a democracia económica e política. E mais um sinal: os movimentos sociais estão a reagir com análises independentes, críticas e solidárias.