sábado, 26 de novembro de 2011

Perguntas inconvenientes

A campanha de desinformação começou. A CGTP é um antro de inúteis. Quem faz greve devia ser despedido. Quem tem emprego devia era ir trabalhar e calar o bico. E porrada? Houve porrada? Ah, noutros tempos, noutros tempos...
De anarcas a alemães, há algo que fica claro: a comunicação tem cada vez menos de social e cada vez mais de política, estratégica e propagandística. Ainda não sabemos se devemos especular acerca do toque a finados do mesmo jornalismo que alguém, certamente odiada pela sarna liberal-paternalista deste país, um dia disse ter a função de vigiar o poder e os centros de poder. Pessoalmente, considero que o aparato mediático português é uma das causas da disfuncionalidade institucional da República. Ainda assim, os ataques à outrance a qualquer voz dissonante - e a cooptação de vozes razoavelmente dissonantes mas inócuas, cuja crítica tem o efeito de reforçar a impressão de democraticidade da esfera pública portuguesa, embora ela seja, e quem participa no combate anti-austeritário sabe-o bem, uma monocultura demente - manifestam uma pulsão repressiva que só pode ser parcialmente explicada pela imersão dos media  em grandes grupos económicos e pela invasão do nexo financeirista: trata-se de algo mais perverso e profundo.

Se as coisas fossem diferentes, talvez pudéssemos ouvir respostas a perguntas desagradáveis e talvez populistas.

Por exemplo, quando Pedro Passos Coelho fala na necessidade de empobrecer, está a referir-se a si mesmo? Está a referir-se à elite partidária do arco austeritário? Está a referir-se aos grupos económicos que sobrevivem à custa de comportamentos parasitários e dependentes do Estado (vide Europarque, PPPs e injecções de capital sem condições em empresas financeiras)?

Quando ouvimos as legiões de comentadores austeritários a perorar sobre a necessidade final do austeritarismo, de tirar o biberão aos que mamam da teta do contrato social - Vítor Bento, por exemplo -, eles colocam a hipótese de ficar do lado dos excluídos? Colocam a hipótese de não terem lugar à mesa do contrato social?

Quando Fernando Alexandre, o senhor que descobriu, com financiamento da Associação Portuguesa de Seguros, que os portugueses com mais dinheiro poupam mais e que o Estado social é uma aberração, diz que é preciso modificar o sistema repartido de financiamento da Segurança Social para um sistema de capitalização e desmantelar o Estado social, está a incluir a Universidade de Coimbra, onde fez a licenciatura e o mestrado, o Birkbeck College, onde fez o doutoramento, e a Universidade do Minho, que o emprega?

Quando João Duque, o Álvaro e Vítor Gaspar afirmam que é preciso retirar o Estado da economia, que a gestão pública é sempre e necessariamente inferior à gestão privada, estão a incluir a sua própria gestão? Consideram normal e inquestionável a sua dedicação a uma causa da qual duvidam, a causa pública?

Quando Rodrigo Moita de Deus, essa esperteza peregrina que afirma a pés juntos não existir investimento público e passou à frente de Bretton Woods, diz que a austeridade vai doer (e é bom que doa, parece sugerir por trás da barba), admite que lhe poderá doer também? E Henrique Raposo? E Miguel Morgado? E José Manuel Fernandes' E Helena Matos? Estes fãs redescobertos de Malthus e Spencer defendem a eficácia e necessidade das desigualdades; colocam a hipótese de se descobrirem do lado errado do mundo polarizado que descrevem? Não vale responder que a culpa de tudo é da esquerdaesquerdaesquerda.

Quando Henrique Medina Carreira diz que as universidades estão cheias de vadios, que isto é só doutores sem utilidade, que é preciso cortar cortar cortar, admite ir para a fila de um GIP, para que um técnico lhe carimbe a apresentação quinzenal?

Está na altura de perder o respeitinho e colocar a equanimidade desta trupe austeritária em causa. Colocar perguntas simples, óbvias, estúpidas e inconvenientes.

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