Boas notícias. Notícias que me animam e, julgo, animarão quem se bate por novos horizontes. Mas será prudente enfatizar isto: a resistência, a resistência séria, começa realmente agora. Antes que se cantem vitórias e nos regozijemos por um qualquer renascimento esquerdista, os tempos aconselham prudência e uma crítica mais agressiva.
Basta ler esta peça da Reuters para percebê-lo. "Gregos furiosos rejeitam o resgate (sic) e arriscam saída do euro". Uma declaração política sucinta e demonstrativa da guerra de fricção que será movida, com ou sem quartel, a este renascimento ainda frágil. De acordo com a narrativa nascente, esses gregos furiosos (e irracionais, portanto) não acorreram às urnas para definir o rumo da República Helénica nos próximos meses ou anos. Não. Esses loucos furiosos acorreram a um plebiscito à "ajuda" da tríade FMI-CE-BCE, mostraram não ter maturidade para compreender a gravidade de uma recusa do pensamento único corporizado pela Nova Democracia do espantoso Samaras e pelo risível PASOK; a moeda única foi depauperada por cada voto na SYRIZA, no KKE (que continuará a ser o opóbrio de sempre) e em todos esses perigosos esquerdistas - o Tratado Fiscal, que ilegaliza o Estado keynesiano, pressentirão os verdugos da Europa austeritária, ainda não palmilhou o caminho da imanência austeritária; ainda podemos resistir-lhe.
Esta será a narrativa. Vejam o que escreverá o Expresso. Vejam o que escreverão os inenarráveis (mas sempre circunspectos e isentos, afirma-se) FT e Economist. Hollande já estará a ser pressionado no sentido de refrear o ímpeto soberanista, dado que a eurocracia não gosta de incerteza ou flexibilidade quando se vê afectada por elas; terá de ser responsável, porque o Eliseu deve ser ocupado por um cidadão responsável, capaz de cumprir o papel de correia transmissora do ordoliberalismo.
O impasse na formação de um governo grego, com as consequências dramáticas que advirão daí, será imputado à SYRIZA e a Tsipras, apesar de defender um projecto europeísta e ser, actualmente, a única força política grega com imaginação para apresentar alternativas. Mas será essa a táctica: Tsipras é um jovem inexperiente e a SYRIZA, com o costumeiro utopismo paroquial da "extrema-esquerda", servirá apenas como força de bloqueio das gentes responsáveis, das redes clientelares que conhecem bem a Goldman Sachs, a Siemens e os paraísos fiscais para onde o capital da indústria naval tem ido apanhar sol (ou bruma, no caso do Luxemburgo e de Zurique). Quando Venizelos defende um "governo de salvação nacional", aludindo à responsabilidade dos partidos com expressão parlamentar, procura recentrar a questão do euro e encostar a SYRIZA à parede. Falhará, mas o risco continuará ali, latente.
Os yields das obrigações francesas subirão exponencialmente e Hollande - com a equipa que escolher (e essa é uma questão em aberto que não é dispensável ou de somenos importância) - será obrigado a enfrentar Merkel, Schäuble, Draghi, Barroso e Rehn, se, depois de todas as rondas negociais e telefonemas (pode ser que Mélenchon e a Frente de Esquerda venham a ter influência, algo que me suscita muitas dúvidas), continuar a considerar a austeridade light um caminho melhor que a austeridade brutal. E, acreditamos, a inclusão de cláusulas tendentes ao investimento fará o projecto repressivo do neoliberalismo tardio cair por terra. Porque é mais frágil do que nos querem fazer crer; é por isso que precisa de reprimir e dividir, de inventar e reforçar um Estado liberal-paternalista onde as paranóias securitárias criam novos mercados no sector farmacêutico e carceral.
Entretanto, a ascensão do Chrysi Aygi e da Front Nationale devia ser um motivo de reflexão. Mas guardemos isso para outros carnavais.
Encarreguemo-nos de não tornar este Domingo um carnaval irreflectido e o começo de uma vitória pírrica. Aconselha-se prudência e um fôlego internacionalista.
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