quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O sorriso de Borges



"Se toda a gente soubesse o que se está a fazer não haveria mercado". Borges sorri várias vezes, tenta esconder-se no jargão técnico e na suposta respeitabilidade da sua "indústria" de hedge funds. Defende o privilégio e o segredo partilhado pelos amigos. Quando notam a imoralidade responde com "oportunidades de mercado". É para elas que trabalha. Ainda hoje. Se toda a gente soubesse para quem eles trabalham, Borges não sorriria.


(publicado no dia em que apregoa, qual varina dos mercados, que a dívida portuguesa é linda: lá está, oportunidades de mercado)

domingo, 7 de outubro de 2012

Concentração "Cerco a S.Bento! Este não é o nosso Orçamento!"




É cada vez mais evidente - a não ser para um governo que segue fanaticamente, e sem olhar a meios, o programa da Troika - que este caminho não nos serve. Temos saído repetidamente à rua para exigir que sejamos ouvidos, para mostrar que estamos indignados com tanta insensibilidade social e com tantos jogos políticos que conduzem sempre ao mesmo resultado: mais pobreza, mais desemprego, mais precariedade, mais desigualdade social, mais austeridade, menos futuro! Saímos à rua, porque é nela que mora a última esperança de liberdade quando os governos se tornam cegos, surdos e mudos face às justas exigências de igualdade e justiça social. Saímos à rua porque estes governos apenas se preocupam com a aplicação suicida de políticas pensadas para proteger os mais ricos e os interesses financeiros. Voltaremos a sair à rua em Portugal, em Espanha, na Grécia e em tantos outros lugares pelas mesmas razões essenciais: queremos uma economia virada para as pessoas, uma democracia com direitos para todos e todas sem discriminações e um planeta onde possamos coexistir de forma sustentável e cooperante.




Se o povo quiser, o povo decide, por isso vamos para a rua a 15 de Outubro dizer de forma clara e definitiva que recusamos o retrocesso social imposto, que este não é o caminho e que queremos uma vida digna. Queremos recuperar a nossa responsabilidade sobre o nosso futuro. Governo para a rua já!



Em Portugal, como em Espanha, cerquemos o Parlamento!


A subscrição encontra-se aberta a mais coletivos, até ao momento os subscritores são os seguintes:


Comité para a Anulação da Dívida Pública Portuguesa (CADPP)

Comité de Solidariedade com a Palestina

Colectivo Mumia Abu-Jamal

Movimento de Professores e Educadores (3R´S)

Movimento Sem Emprego (MSE)

Plataforma 15 de Outubro

Portugal Uncut

Rubra

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Congresso Democrático das Alternativas

A União Europeia confronta-se com uma crise de legitimidade que se tem acentuado com o avolumar de contradições que podem ser melhor compreendidas, por exemplo, no contexto do debate que opôs Karl Polanyi a Friedrich Hayek e que colocou a economia reconfigurada em função de uma ordem social democrática e igualitária contra um neoliberalismo onde as estruturas não mercantis são valorizadas apenas na medida em que forem instrumentais ao alargamento da esfera de ação dos mercados. 

No discurso de Thorstein Veblen dir-se-ia que os valores do cerimonial económico do modelo de governação em crise de legitimidade são os de uma religião onde o mercado é central e ao qual todos os restantes factores da economia, incluindo o trabalho, se subordinam; os de um regime de globalização que permite às grandes empresas transnacionais interferir na capacidade democrática de organização colectiva; os de uma cultura de consumismo ostensivo associada a uma emulação pecuniária que impede a prossecução de objectivos racionais e equitativos de provisão geral; os de um sistema financeiro com lógica de casino; os de um sistema industrial marcado pelo desperdício e pela sabotagem. 

Quando a partir do final de 2007, em sequência de um longo período de especulação financeira praticamente irrestrita, a mão invisível começou a faltar ao encontro com o equilíbrio prometido e os EUA, primeiro, e a Europa, logo a seguir, mergulharam numa crise que só encontra paralelo na Grande Depressão de 1929, os mercados desregulados não só não rejeitaram a intervenção do Estado como dela inteiramente dependeram, tendo o colapso certo sido (provisoriamente?) evitado com quantias absolutamente gigantescas de dinheiro público; longe de produzirem a prometida prosperidade universal, os cortes na despesa pública que se seguiram mais não fizeram que aprofundar a crise. 

Na zona Euro, o endividamento público caiu de 72% para 67% entre 1999 e 2007 (início da crise financeira) enquanto o endividamento das instituições financeiras, no mesmo período, aumentou de menos de 200% para mais de 250% do PIB; ao contrário do que afirma a narrativa ainda dominante, a explosão na dívida pública que se verificou a partir de 2007 resultou da necessidade de socorrer o sector privado, e em particular o subsector financeiro, e não o contrário. 

Na Europa e em Portugal, a crise resulta essencialmente da arquitectura disfuncional de uma moeda única que, desenhada na crença da tendência sistémica para o equilíbrio das economias onde o estado está ausente, pressupõe que o trabalho, assumido como variável única de ajustamento, é uma mercadoria como outras. 

Ao contrário do que afirma a utopia neoliberal, o trabalho não é mercadoria e nenhum modelo de governação que o pressuponha pode subsistir; nas palavras de Karl Polanyi, “[t]rabalho é apenas outro nome para a atividade humana que é a vida em si mesmo” e “[p]ermitir que o mecanismo de mercado seja o único administrador da sorte dos seres humanos e do seu ambiente natural, ainda que apenas no que diz respeito à quantidade e uso de poder de compra, resultaria na demolição da sociedade”. 



A 15 de Setembro último, a sociedade defendeu-se do extremismo mercantil e uma massiva manifestação de descontentamento popular, exigindo alternativas, rompeu o fabricado consenso austeritário. Agendado para 5 de Outubro próximo, o Congresso Democrático das Alternativas propõe-se reunir ‘todos os que sentem a necessidade e têm a vontade de debater e construir em conjunto uma alternativa à política de desastre nacional consagrada no memorando da troika’. Lá estarei; peço-te que ponderes, também, a tua presença.

Paulo Coimbra

* 18 de Setembro 2012


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

"Pessoas já referenciadas pela polícia", uma expressão inadmissível, que se tornou habitual

Estive no RDA69 no Regueirão dos Anjos, umas três vezes no máximo, mas ter lá estado, ou não, é absolutamente indiferente para a questão que aqui enuncio. 
O que me leva a fazer este post é a incomodidade que me provoca a transcrição acrítica, por parte da comunicação social, das declarações policiais que falam em indivíduos "referenciados" por esta ou aquela atuação, por esta ou aquela opção ideológica. E mais ainda me causa uma enorme incomodidade, que isso não provoque um mínimo sobressalto cívico nos destinatários das ditas notícias, isto é, todos e todas nós.
AQUI tinha referido esta incomodidade, esta perplexidade pela falta de memória coletiva em relação a questões sensíveis como esta. Onde, como e porquê, vai a polícia buscar a autorização para marcar cidadãos com o carimbo de "referenciados"? Que raio de designação é essa? 
Categoria jurídica não é, só  podendo resultar de uma perigosa criatividade policial, seguramente autorizada 'superiormente'. Mas, para que a polícia possa afirmar que um cidadão é já "referenciado", terá que haver uma base de dados donde conste esse cidadão com as ditas referências. Ora, que se saiba, a Comissão Nacional de Protecção de dados nada autorizou nesse sentido e, se o tivesse feito, essa autorização seria completamente ilegal.
                                                Artigo 35º da Constituição

1 - Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam nos termos da lei.
2 - A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, designadamente através de entidade administrativa independente.
3 - A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei  com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis.
4 - É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei.
5 - É proibida a atribuição de um número nacional único aos cidadãos.
6 - A todos é garantido livre acesso às redes informáticas de uso público, definindo a lei o regime aplicável aos fluxos de dados transfronteiras e as formas adequadas de protecção de dados pessoais e de outros cuja salvaguarda se justifique por razões de interesse nacional.
7 - Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores, nos termos da lei.


Artigo 7.º da Lei nº 67/98


Tratamento de dados sensíveis
1 - É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.
2 - Mediante disposição legal ou autorização da CNPD, pode ser permitido o tratamento dos dados referidos no número anterior quando por motivos de interesse público importante esse tratamento for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não discriminação e com as medidas de segurança previstas no artigo 15.º.
3 - O tratamento dos dados referidos no n.º 1 é ainda permitido quando se verificar uma das seguintes condições:

a) Ser necessário para proteger interesses vitais do titular dos dados ou de uma outra pessoa e o titular dos dados estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento;
b) Ser efectuado, com o consentimento do titular, por fundação, associação ou organismo sem fins lucrativos de carácter político, filosófico, religioso ou sindical, no âmbito das suas actividades legítimas, sob condição de o tratamento respeitar apenas aos membros desse organismo ou às pessoas que com ele mantenham contactos periódicos ligados às suas finalidades, e de os dados não serem comunicados a terceiros sem consentimento dos seus titulares;
c) Dizer respeito a dados manifestamente tornados públicos pelo seu titular, desde que se possa legitimamente deduzir das suas declarações o consentimento para o tratamento dos mesmos;
d) Ser necessário à declaração, exercício ou defesa de um direito em processo judicial e for efectuado exclusivamente com essa finalidade.
Memória viva do que é o desrespeito pela liberdade  e direitos dos cidadãos - que sem a anterior nada são - é fácil todos termos. Basta-nos recuar aos tempos de trevas, que tão perto ainda estão.
E para quem se não lembra, ou não queira lembrar, relembremos nós, em quem se não apagou a memória!
Publicado originalmente em http://inverno-em-lisboa.blogspot.com)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O Portugal Uncut solidariza-se com o RDA69 contra a criminalização do protesto

Contra a criminalização do protesto. Contra as falsas acusações e uma imprensa manipulada e dominada por recados pouco velados da PSP.
Não podemos aceitar que a imprensa se preste a veicular desinformação mentirosa e difamatória. Mas menos ainda podemos aceitar que a polícia a utilize para manipular a opinião dos cidadãos, legitimando a violência e a criminalização da actividade política de oposição e protesto.

Podemos, isso sim, dar testemunho de um lugar de convívio e debate político são, plural e sem discriminações, como poucos.
Estamos por isso solidários com o RDA69.

Segue abaixo o esclarecimento emitido pelo colectivo do RDA69.

 
Têm surgido em órgãos de comunicação social diversas referências ao RDA69, que atribuem a esta associação e aos seus associados qualificativos como “radicais violentos”, “activistas anarquistas” ou “militantes perigosos”.
É nomeadamente o caso das peças assinadas por Valentina Marcelino no Diário de Notícias a 27 de Março e a 13 de Setembro, bem como as que foram publicadas no Correio da Manhã, a 21 de Maio, por Henrique Machado, Miguel Curado e Sara Carrilho, e a 17 de Setembro, com a assinatura de João C. Rodrigues e Miguel Curado.
Este conjunto de peças jornalísticas veicula várias informações falsas, com o intuito de criar um clima alarmista e permitir uma escalada de criminalização da contestação social.

Cumpre por isso esclarecer os seguintes aspectos:
  1. O RDA69 não organiza nem organizou estas ou outras manifestações. É um espaço onde acontecem jantares, projecções de filmes, concertos, festas e debates. A programação é pública e está no nosso blog, as actividades estão abertas a todas as pessoas, militantes partidárias ou não. O RDA69 não joga nem pretende jogar o jogo das identidades, sejam elas da esquerda radical ou dos anarco-libertários.
  2.  A PSP, através dos seus porta-vozes na imprensa, pretende fazer-nos acreditar que há um comité oculto, que coordena todos os confrontos e actos de desafio às autoridades nas manifestações, de maneira a mais facilmente poder isolar, espancar e prender os que não aceitam as medidas de empobrecimento generalizado em curso e se mobilizam para as contestar. É com esse objectivo que avançam a enorme mistificação segundo a qual quatro pessoas detidas na manifestação de 15 de Setembro estariam ligadas ao RDA69. Embora estejamos solidários com todas e todos as/os que saíram à rua no passado Sábado, desconhecemos a identidade dos detidos, com os quais não possuímos qualquer relação.
  3. Estas reportagens fazem parte de uma estratégia de isolamento dos grupos ditos «radicais» relativamente ao resto da população. Cada vez mais gente vê cada vez mais claramente que a crise e a austeridade são excelentes oportunidades de negócios para uns poucos, enquanto a maioria da população se vê constrangida a empobrecer ou emigrar. O Governo está prestes a cair, com os seus membros a serem vaiados e contestados onde quer que se desloquem. Vivemos tempos excepcionais, em que o medo e o desespero começam a dar lugar à revolta e à contestação. Com esta estratégia, a PSP arrisca-se a ver o seu cerco cercado, enquanto se distrai a vigiar jantares e conversas. É apenas natural que se multipliquem os «incidentes» e os «excessos», sem que haja um centro ou uma direcção a coordená-los. É inútil procurarem um quartel-general da revolta porque a revolta está em todo o lado.
  4. O RDA69 é um espaço de debate e encontro, um lugar de crítica, de partilha, do comum. Naturalmente que isso nos torna perigosos aos olhos de quem tem o poder. Não negamos que as actividades que promovemos têm como horizonte um mundo construído por pessoas livres e iguais, onde, entre outras coisas, não haja lugar para polícias ou prisões. Comunicados policiais assinados por jornalistas não mudarão a nossa determinação. Este vai continuar a ser o sentido do que fazemos, doa a quem doer.
Cópias e ligações para as notícias referidas:
Diário de Notícias, 14 de Setembro de 2012:
Correio da Manhã, 21 de Maio de 2012: PJ investiga radicais anarcas
 

domingo, 16 de setembro de 2012

Foi bonita a maniFesta, pá


Fomos um Abril de gente.
E não teria talvez colocado a questão não fora ter-me calhado a mim, entre muitos outros, o papel de manifestante apanhado num directo televisivo. Às tantas, perguntam-me algo do género: estarmos ali a manifestar-nos mudou alguma coisa? Não me lembro do que terei dito no momento e interessa pouco. Apesar de tudo penso que vale a pena regressar à pergunta por outros caminhos.
Em primeiro lugar, pelo programa implícito de resignação que contém: nada muda quando se manifestam, se depois cada um volta para a sua vidinha mais vale nem sequer sair de casa. A troika continua a troikar, Passos Coelho e Paulo Portas continuam a transferir dinheiro dos trabalhadores para os grandes grupos económicos, a crise continuará o seu caminho, trabalhadores e pensionistas ficarão cada vez mais pobres, as falências e os despedimentos farão mais juntar-se-á à vida difícil de desempregado.
Nada disto mudou? Pode-se retirar a lição da impotência de impormos mudanças desta forma ou pode-se retirar a lição lúcida da necessidade de continuar e fazer muito mais para mudar. Não vou por aí. Porque sinto que tudo mudou. Depois de termos sido tantas e tantos nas ruas pelo inteiro, esse Abril de gente, o “país político” sabe que o tempo do governo se esgotou e que se viverá o seu rápido ou lento apodrecimento.
Mudou, para além desse “país político”, que quem viveu a manifestação teve a certeza que a tal questão e o seu programa implícito estavam completamente deslocados do que ali se passava. Mudou que quem viveu a manifestação teve a certeza que esse “país político” já não tinha o exclusivo da política, que quem supostamente estava condenado a figurante estava a ser personagem principal da política.
Um cartaz empunhado na manifestação citava Mia Couto: “há quem tenha medo que o medo acabe.” Fazia-nos lembrar o país do medo autoritário construído pacientemente por Salazar. Fazia-nos lembrar o novo país do medo austeritário construído tecnocraticamente pelos epígonos da troika. Se o primeiro desabou num Abril de gente pode ser que este novo Abril de gente tenha começa a fazer desabar o segundo. Porque quem quer crer que pode tudo contra quem tem pouco, quem tem medo que o medo acabe, talvez tenha sentido medo. Porque o nosso medo pode muito bem ter encolhido até à pequenez ridícula a que nos procura reduzir quando nos deixamos levar por ele.
Mudou que, ombro com ombro, quem viveu a manifestação se sentiu e sentiu a sua força. Mudou que tivemos a certeza que não estamos sozinhos/as, que quando voltarmos à Escola, à fábrica, ao centro de Emprego ou ao centro de saúde olharemos para o lado e reconheceremos esses ombros. E se não estamos sozinhos, se não temos medo, tudo mudou.
Tudo isto não quer dizer que quando não somos assim tantos não vale a pena. Se acreditássemos nisso, estaríamos, ironicamente, excepção feita à maior manifestação depois do 25 de Abril, a condenar o sentido das manifestações como forma de fazer política e a dar uma razão perversa a quem nos martela com a pergunta inicial.
Uma manifestação não é uma simples procissão de descontentes que se meça pelo número de almas em penitência. Uma manifestação vale, aliás, porque não tem divindades nem espera que ninguém traga a salvação. Uma manifestação muda(-nos) pelas forças imanentes que agencia. Pela criatividade multiforme que expressa nos cartazes, nas palavras e nos gestos. Pelo encontro espontâneo com zangas ou sorrisos que são comuns. Pela participação na sua potência colectiva. Porque uma manifestação é sempre só um começo. É uma avenida de vozes aberta a vários futuros possíveis onde antes estava um muro de silêncios respeitosos pela inevitabilidade do presente.
Nesse sentido, a 15 de Setembro de 2012 abrimos avenidas quando a memória colectiva nos arrancou das gargantas o grito de que o povo unido jamais será vencido. Esse grito mudou tudo. Foi a festa da certeza de que continuaremos a ser um Abril de gente.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Eu vou


A política entrou em regime de aceleração. Há umas semanas atrás, o governo ainda se mostrava coeso. Comentadores televisivos teciam análises sobre a inevitabilidade das medidas de empobrecimento. O CDS preparava com normalidade a sua rentrée. Passos Coelho, rodeado de seguranças numa praia algarvia, conseguia ainda assim dar um mergulho com povo em volta. António José Seguro mantinha a“abstenção violenta”, não obstante a existência de vozes dissonantes no seio do PS. A contestação à troika e ao memorando conseguia passos concretos – como o Congresso das Alternativas, a realizar a 5 de Outubro – mas parecia difícil estalar um certo verniz modorrento.

Em menos de duas semanas, o cenário mudou. O governo encontra-se num doloroso processo de esfarelamento. Os barões do PSD ensaiam distâncias. O CDS tenta passar incólume por meio das gotas de ácido sulfúrico. Seguro afirma que o PS votará contra o próximo orçamento de Estado. E, daqui a umas horas, uma manifestação em dezenas lugares do país e do estrangeiro propõe-se colocar em xeque a troika e a austeridade que nos tem sido administrada. Uma manifestação que visa resgatar “as nossas vidas” porque é isso exactamente que está em jogo: a vida. Não nos serve um extremismo liberal que condena o país a uma espiral recessiva, aumenta as desigualdades e o desemprego, opta pelos rendimentos da banca e da finança em detrimento dos direitos constitucionalmente consagrados, privilegia o capital e pune o trabalho. Este é um modelo que hipoteca o presente e elimina o futuro, condenando-nos à precariedade, ao desemprego, à emigração, ao silêncio. É por isso – porque não quero isto! - que estarei na rua.

Daqui a umas horas é a imensa maioria que tem a palavra. Porque a política entrou em regime de aceleração, uma grande manifestação pode fazer a diferença. Não será só ali que será construída a alternativa necessária – que terá formas, empenhamentos e temporalidades várias. Mas será também ali, agora, na rua. Porque precisamos de provar, desde logo a nós próprios, que não estamos condenados a ser um país que ainda se imagina refém de uma espécie de conformismo genético. Porque necessitamos de esvaziar o discurso chantagista das inevitabilidades e abrir o campo dos possíveis. Porque, como disse um dia Eduardo Galeano, “embora não possamos adivinhar o futuro, temos o direito de imaginar o que queremos que seja”.

Eu vou. Sem lenço e sem documento, com tacho e colher na mão.

Publicado inicialmente no Arrastão

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Festa de solidariedade com o Bairro de Santa Filomena

9 de Setembro, às 17h




mais do que casas
é a vida de pessoas
que está a ser demolida.
não podemos deixar que isso aconteça.




Caro/a amigo/a

Os/as moradores/as estão a ser ameaçados/as de desalojamento pela Câmara Municipal da Amadora (CMA), sem que sejam apresentadas soluções alternativas viáveis e socialmente justas. Estes despejos programados constituem um atentado aos direitos humanos, violando não só o direito à habitação, mas também o direito a não ver-se submetido/a a trato desumano e/ou degradante, o direito à vida privada, bem como direitos da criança, das mulheres e das pessoas com deficiência.

Mesmo tendo sido alertada para este facto, a CMA avançou, nos dias 26 e 27 de Julho, com o desalojamento de vários/as moradores/as, e a demolição das suas casas. Estas pessoas encontram-se actualmente em situação muito precária e, embora não se tenham realizado desalojamentos no mês de Agosto, é com apreensão que encaramos a possibilidade das acções de despejo serem retomadas. Considerando o início do ano escolar, está também em risco a integração educativa das crianças desalojadas, e das que estão em risco de desalojamento.

Face a esta situação, moradores/as do Bairro de Santa Filomena estão a organizar uma festa de solidariedade que decorrerá no próximo domingo, dia 9 de Setembro, a partir das 17h, no local onde há várias famílias sob ameaçadas de desalojamento, e onde, no início de Setembro, finalistas de Design de Comunicação da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa concluíram a colagem de fotos, em grande formato, de rostos de moradores/as em risco de desalojamento. O programa da festa incluirá actividades diversificadas como a realização de um debate sobre habitação e exclusão, animação dinamizada pelo Espaço Jovens, música e jantar com cachupa e feijoada.  

Gostaríamos de contar com a sua participação na iniciativa.

Os/as Moradores/as de Santa Filomena

Avelino Moura
Domingas Pereira
Eurico Cangombi
José Fernandes
Luíza Silva Andrade
Sónia Domingues

Mais info:
habita.colectivo@gmail.com
www.habita.info

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Bairro de Santa Fiolomena: arte mostra os rostos ameaçados pelas demolições






Todos deveríamos ter direito a quatro paredes 
e um tecto, sem ter medo 
que o dia de amanhã acabe na rua.
ANA SANTOS/
DIOGO DORIA







Alunos finalistas de Design de Comunicação da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa concluiram ontem a colagem de fotos de rostos de moradores/as do Bairro de Santa Filomena nas casas que a Câmara Municipal de Amadora (CMA) pretende demolir.

São dez fotos em grande formato. Em oito delas são apresentadas as declarações que compõem o Art.º 65 da Constituição da República Portuguesa, que começa por afirmar: Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Como explicam Ana Santos e Diogo Doria, na apresentação do seu projecto final de curso (em anexo), este trabalho teve como objectivo principal atribuir um rosto e uma voz aos moradores do Bairro de Santa Filomena que se vêem perante um futuro incerto a curto-prazo. Há rostos que têm de ser vistos, pessoas que vivem em cada uma das casas que vão sendo destruídas e que merecem ser ouvidas.

Lembramos que os/as moradores/as estão a ser ameaçados de desalojamento sem que sejam apresentadas soluções alternativas. Como denunciou o Colectivo Habita, nos dias 26 e 27 de Julho, a CMA desalojou vários/as moradores/as e as suas casas foram demolidas. Embora não se tenham realizado desalojamentos no mês de Agosto, é com apreensão que encaramos a possibilidade de serem retomados os despejos. Consideramos urgente a suspensão das demolições, a realização de um levantamento sobre a situação dos/as moradores/as, e a avaliação, participada, de soluções alternativas e socialmente justas. Consideramos também fundamental que a CMA providencie urgentemente soluções para as pessoas que já foram desalojadas e que se encontram em situação extremamente precária. Alertamos ainda que, dada a proximidade do início do ano escolar, a situação precária vivida no bairro coloca em perigo a integração educativa das crianças desalojadas, e as que estão em risco de desalojamento.

(através do colectivo HABITA)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Lembrem-se do Pavilhão Atlântico

Tendo custado na altura o equivalente a cerca de 50 milhões de euros, e com um orçamento de manutenção a rondar os 600 mil euros anuais, o Pavilhão Atlântico foi vendido na semana passada ao Consórcio Arena Atlântico (constituído por Luís Montez, Álvaro Ramos e a actual equipa de gestão do equipamento), por cerca de 22 milhões de euros. Segundo a ministra Assunção Cristas, «o grupo Parque Expo tem uma dívida de 200 milhões de euros, daí a decisão de realizar activos, vendendo um conjunto de património relevante sobre o qual o Estado não tem função pública crucial a prosseguir».

Apesar de relevante, deixemos por agora de lado a muito discutível questão de o Estado não ter, com o Pavilhão Atlântico, nenhuma «função pública crucial a prosseguir» (sendo contudo que este critério deveria, então, ser coerente e consequente nas áreas onde se reconhece que o Estado «tem função pública crucial a prosseguir»). Mas fixemo-nos apenas na «racionalidade económica» do negócio: nas palavras da própria ministra, «o Pavilhão Atlântico era rentável» (já em plena crise, entre 2009 e 2010, os seus lucros triplicaram). O que quer isto dizer? Basicamente que não era um «fardo» para o Orçamento de Estado, antes pelo contrário.

A venda do Pavilhão Atlântico é pois apenas mais um episódio (evidentemente simbólico em termos financeiros comparativos), da longa história das privatizações em Portugal, que por sua vez se insere num processo mais vasto, o do empobrecimento deliberado do Estado. Uma história que tem vindo a ser escrita com as linhas da mais pura «irracionalidade económica» (para usar os termos do pensamento económico dominante), na óptica da defesa do interesse público e do dinheiro dos contribuintes.

Quando ouvirem falar do Estado gordo, que gasta mais do que tem, que é ineficiente e que não produz recursos suficientes para permitir a existência de políticas sociais decentes, lembrem-se do Pavilhão Atlântico. Quando vos disserem que não é possível manter um Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito, ou um sistema público de educação com qualidade para todos, lembrem-se do Pavilhão Atlântico. Quando insistirem que não se podem assegurar os recursos mínimos de subsistência aos cidadãos mais carenciados, lembrem-se do que significa - simbolicamente - a privatização do Pavilhão Atlântico.

(Publicado originalmente no Ladrões de Bicicletas)