quinta-feira, 31 de maio de 2012

Solidariedade com São Lázaro — Concentração

A casa ocupada da Rua de São Lázaro em Lisboa foi hoje despejada, contra a ordem expressa do tribunal. Os detalhes de todo o processo podem encontrar-se aqui.

Concentrações de Solidariedade:
31 Maio, 19h — Martim Moniz, Lisboa
31 Maio, 18h — Alto da Fontinha, Porto


quarta-feira, 30 de maio de 2012

Solidariedade imigrante

«As contribuições líquidas dos imigrantes para a Segurança Social em 2010 ultrapassaram 300 milhões de euros, o que "prova que Portugal ganha com a imigração", afirmou hoje o investigador João Peixoto, autor de um estudo nesta área. (...) O estudo indica que o número de estrangeiros contribuintes foi de 276.417 em 2010, ano em que o saldo do sistema de segurança social português com os imigrantes atingiu 316 milhões de euros (ME).»

Do "i" online de ontem, que assim retomou uma matéria que o Público havia já tratado, de forma mais exaustiva, no final de 2011. Quando se fala em «contribuição líquida», significa que os 316 milhões de euros apurados em 2010 resultam da dedução - face ao montante global de contribuições dos imigrantes para os cofres da Segurança Social (580 milhões de euros) - das despesas com prestações sociais e pensões atribuídas a estrangeiros residentes em Portugal (264 milhões de euros, que beneficiam toda a comunidade imigrante, esteja ou não empregada). Isto é, mais de metade das receitas provenientes do trabalho imigrante constituem receita líquida: os imigrantes pagam não só a sua protecção social, como contribuem para pagar a dos outros, a dos cidadãos nacionais. Querem melhor exemplo de sustentabilidade e solidariedade?

É por estas e por outras razões que o afluxo de estrangeiros constitui um claro sinal de desenvolvimento de um país (e a saída, de estrangeiros e nacionais, o seu reverso). Aliás, talvez um dia a «imigração» venha a adquirir o estatuto de indicador macroeconómico, tão ou mais digno (e relevante), que muitos dos indicadores tradicionalmente convencionados (como a «balança comercial», por exemplo, que acaba por dizer bastante menos sobre a situação económica e social de um país).

(Publicado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

domingo, 27 de maio de 2012

"A 4° Guerra Mundial (The Fourth World War)" - #uncut

Círculos viciosos e saídas mágicas



A política da crise está enrolada em dois círculos viciosos. O primeiro é o do défice. As políticas de austeridade que visavam combater o défice conduziram a gastar mais em subsídios sociais e a arrecadar menos em impostos. A austeridade que era a solução mostrou ser parte do problema. Agora, há mesmo quem pense que é preciso juntar mais austeridade à austeridade num cenário grego.
Os partidários da troika pretendem mesmo que o dogma da política austeritária, contestada pelos economistas que não são extremistas neoliberais, se torne lei. Sob a máscara do “rigor”, o tratado orçamental europeu limitará o défice estrutural a 0,5%. Cria-se assim um colete-de-forças que impede investimentos contra-cíclicos que promovam crescimento económico e a democracia fica refém da supervisão dos tecnocratas.
O segundo círculo vicioso é o do consumo e da produção. Os mesmos que vendiam as maravilhas da economia a crédito dedicaram-se, depois da crise, a vender a ideia de que vivemos acima das nossas possibilidades. Num rasgo de sinceridade, Passos Coelho apontava como desígnio o empobrecimento. Se mal o disse, pior o fez: a sua política empobreceu milhares de portugueses. Só que o empobrecimento afectou todo o sistema económico. Menos consumo significou mais dívidas e falência de quem vivia desse consumo, afundando cada vez na pobreza.
Face aos dois círculos em que nos pretendem encerrar, vão-nos apresentando saídas mágicas. A primeira saída mágica consiste na velha teoria do bom aluno. A economia afunda-se e o empréstimo negociado à pressa antes das eleições parece impossível de pagar nos prazos estabelecidos. Mas o bom aluno nada faz, senta-se à espera que lhe alterem as regras se se portar bem: talvez as coisas corram melhor do que esperado internacionalmente (e se não pode-se sempre culpar a Grécia…), talvez venha mais dinheiro ou os pagamentos dos juros sejam prolongados. O bom aluno pensa que se seguir os interesses de Merkel alguma migalha o salvará.
Outra saída mágica apresentada é a exportação. Só que em tempo de crise o consumo nos países estrangeiros contrai-se, sofrendo também das mesmas políticas que afectam o nosso país, tornando mais difícil exportar. Por outro lado, a exportação não é saída para todo o tipo de produção (muita só é viável nos mercados de proximidade) e a utopia de reduzir ao máximo salários e direitos para promover a exportação constrói um país de pesadelo. Quem apresenta a exportação como saída mágica não promove o debate sobre o que produzir e em que condições. É mais fácil mandar umas bocas sobre pastéis de nata…
Assim, no meio desta saída mágica e ao lado dela, desenha-se outra elaborada na nova língua dos poderosos: a inovação e o empreendedorismo. Mas a pseudo-Psicologia positiva que quer mostrar o desemprego como oportunidade acaba por se revelar apenas insultuosa face às dificuldades de quem menos tem. E, por mais repetitiva que seja, essa retórica do poder não produz inovação. A inovação, aquela que conta, não é a jogada de génio vinda do nada, o esquema de um gestor de grande empresa ou o movimento especulativo na bolsa. É aquela que custa trabalho e dinheiro: em universidades e centros de investigação. E esse investimento foi cortado.
Por último, têm-nos apresentado uma nova saída mágica: um plano para a economia e o emprego. Só que um plano a sério implicaria também investimento a sério. E, lá está, os partidários da troika tornaram ilegal gastar mais dinheiro público nestas circunstâncias. Assim, planos e pactos de crescimento acabarão por ser propaganda, reduzidos a uns mini-programas de paliativos sociais para serem apresentados na televisão. E planos para “a economia” em geral correm o perigo de ser uma outra forma de transferência de dinheiro público para os mesmos de sempre, os que já beneficiaram das parcerias público-privadas.
Vivemos num país que propõe o desemprego estrutural ou a emigração para grande parte dos seus jovens. Um país assim, é um país sem futuro. Mas não haverá saídas mágicas se continuarmos a viver presos dentro dos círculos viciosos. Rompê-los não será fácil mas custará muito mais continuar no caminho da espiral da crise.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Solidariedade com a Grécia

A Grécia vai a votos, mais uma vez, no dia 17. As sondagens dão a vitória ao Syriza, que repudia em absoluto as políticas austeritárias da Troika. Por toda a parte, chovem ameaças de catástrofe e descalabro, numa tentativa clara de deixar a democracia refém da chantagem.

Não é só o futuro da Grécia que está em jogo, é o de todos nós. Por isso, mais do que nunca, a solidariedade internacional é urgente.

Surgiram, nos últimos dias, dois manifestos a apelar à solidariedade com o povo grego. Apelamos à assinatura de ambos.





Pela Vitória da Grécia contra a Chantagem

Nas eleições do início de Maio, o povo grego rejeitou a política da troika. Desde então, o governo da Alemanha, a Comissão Europeia e o FMI ameaçam a Grécia com a expulsão do euro ou da União. Esta chantagem procura evitar que, no próximo 17 de Junho, vença um governo da esquerda contra a troika.
A vitória de um governo unitário de esquerda é decisiva para a Grécia, mas abre também caminhos para rejeitar o dogma da austeridade e a tirania da dívida na Europa.
Apelamos à solidariedade internacional com a democracia na Grécia. Apoiamos a coligação Syriza na luta por um governo que enfrente a catástrofe social e a bancarrota.
Apoiamos a esquerda grega contra a troika porque também é necessário que a esquerda portuguesa construa caminhos de coerência e alternativas corajosas, fale sem meias palavras e conquiste a maioria.

(assinar aqui)


Na Grécia, o Povo E quem mais ordena

Carta aberta aos Presidentes do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional

Nas eleições de 6 de Maio o povo grego exprimiu democraticamente a sua vontade, manifestando a sua oposição às condições impostas pelo programa de assistência financeira. Essas condições lançaram os gregos no desespero e na miséria. Pela sua brutalidade, as medidas do programa estão a dilacerar a sociedade grega, provocando rupturas incompatíveis com uma recuperação social e económica que salvaguardem padrões de vida aceitáveis para a dignidade de todo o povo.
Goradas as negociações para a constituição de um governo, os gregos vão regressar às urnas no próximo dia 17 de Junho. Trata-se de uma decisão enquadrada nas regras democráticas daquele país. Porém, está a assistir-se da parte dos mais altos representantes das instâncias internacionais a declarações que em nada facilitam uma solução ajustada à situação que se vive naquele país. Pelo contrário, as tomadas de posição já conhecidas vão no sentido de influenciar e condicionar a liberdade de escolha e decisão dos gregos, ao colocar na agenda política, ao arrepio dos tratados europeus, a sua saída da zona euro com todas as consequências daí decorrentes.
Por outro lado, no mesmo sentido da consulta eleitoral na Grécia, os resultados das consultas eleitorais realizadas recentemente em França, na Alemanha, em Itália e no Reino Unido deram um sinal inequívoco de que também naqueles países as populações estão a rejeitar as medidas de austeridade que lhes querem impor em nome de um ajustamento orçamental cujos exemplos já conhecidos em nada estão a contribuir para melhorar as economias, nem sequer se revelam úteis para atingir o apregoado objectivo de resolver o problema das suas dívidas públicas.
Por estas razões, os signatários desta carta aberta entendem que nas actuais circunstâncias se deve expressar todo o apoio e solidariedade ao povo grego, exigindo o cancelamento das medidas de austeridade que lhe foram impostas. Entendem também que os governos europeus não devem poupar esforços junto da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu para serem encontradas soluções que aliviem a tensão vivida em toda a Europa. Exigem, finalmente, que sejam respeitados os resultados das eleições de 17 de Junho enquanto escolha democrática do povo grego.

(assinar aqui)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Portugal Uncut Solidário com os Precários Inflexíveis

Em 1966, Portugal não era uma democracia. O presidente do Conselho chamava-se António de Oliveira Salazar, e o ministro da Justiça Antunes Varela. Foi por esta altura que este último senhor escreveu que «Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa [NR: neste caso a empresa abusadora] para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade».
Em 2012, Portugal é uma democracia. Porém, há tribunais a proferir sentenças em que o senhor Varela é citado, e para exigir que sejam apagados comentários num blogue, em nome do «bom nome» de uma empresa de trabalho temporário. Há um ano, os Precários Inflexíveis publicaram uma denúncia de fraude numa contratação. Os comentários ao post trouxeram novas denúncias e muitos agradecimentos. O serviço público prestado tinha prevenido diversos incautos de cair nas malhas das mesmas empresas ou outras que utilizavam esquemas semelhantes. Uma das empresas denunciadas, a Ambição Internacional Marketing, interpôs uma providência cautelar para obrigar os PI a apagar do blogue todos os comentários. E o tribunal deu-lhe razão. Para cúmulo, em causa estão denúncias cuja veracidade constitui crime, mas «pouco importa», pelos vistos.
Lamentamos, mas o «bom nome» não se requer nos tribunais, merece-se. E não o merece quem faz da exploração modus operandi e ainda responde a denúncias concretas refugiando-se no argumento podre da censura. 
Se o bom nome da empresa está em causa, por suposta inverdade das acusações que lhe são feitas, há leis para investigar de que lado está a razão. Curiosamente, percebe-se porém que a empresa não deseja o apuramento da verdade, mas antes o silenciamento dos que a denunciam.
Estamos solidários com os PI e fazemos questão de reproduzir aqui todos os comentários, incluindo, claro está, os que que tribunal mandou suspender ou ocultar. É serviço público — em nome da liberdade de expressão, mas não só: o direito ao bom nome depende destas coisas, como talvez saiba, afinal, quem proferiu esta sentença divulgando nela os comentários que manda ocultar…



Comunicado dos PI.

terça-feira, 22 de maio de 2012

A coisocracia

Ainda não o li, mas não sigo a blogocracia com a acuidade de outros eméritos blogadores. É do coiso.

Num país onde a República ainda é mais que uma palavra banalizada, Cavaco Silva regressaria de imediato a Portugal e mostraria que o seu magistério não é o de primeiro marketeer, mas o de Presidente da República. E o coiso-governo, e a coisa-coligação, e os coiso-partidos, teriam que admitir que a OCDE é a enésima instituição a minar a aura infalível de Gaspar; que o desemprego, em Portugal, deve estar perto dos 50% para os menores de 25 anos; e que estamos em cozedura lenta e rumo a um iceberg  que nos levará ao fundo. Já há gente afogada. Mas a vergonha afectada, esse vício nojento que perpetramos nos bairros históricos de Lisboa e por esses regaços vadios de Portugal, impede-nos de ir para a rua dar tiros nas têmporas e rasgar os trapos com que pedimos desculpa por existir.

Se este nosso país lutasse, o Governo estaria em cheque e o Presidente estaria em vias de dissolver o Parlamento. A taumaturgia de Gaspar já não resulta (e nunca resultou). Os deslizes de Santos Pereira deixaram de ter piada e nunca deveriam tê-la tido. Este episódio de Relvas é de uma demência cívica inacreditável. Demasiados buracos, demasiadas desculpas, demasiadas nódoas e demasiadas certezas.

Se este nosso país fosse um país de lutadoras e combatentes, não teríamos a sensação de que os Passocratas têm medo de sair à rua e aproveitam todas as situações para instrumentalizar a polícia e os tribunais no sentido de assustar-nos. Teríamos a certeza.

Não é uma democracia. É uma coisocracia. Um regime onde se atiram latas de estupidez às sedes não se sabe de quê, porque sim, porque protestar é preciso e é o nec plus ultra do activismo acéfalo. Parabéns. Bem-vindos. Bem-vindas. É a coisocracia, onde o coiso governa, o Presidente "vende" o país (valham-nos as aspas) e o Governo não se demite porque...

...porque coiso.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Catastroika

O novo documentário da equipa responsável por Dividocracia chama-se Castastroika e faz um relato avassalador sobre o impacte da privatização massiva de bens públicos e sobre toda a ideologia neoliberal que está por detrás. Catastroika denuncia exemplos concretos na Rússia, Chile, Inglaterra, França, Estados Unidos e, obviamente, na Grécia, em sectores como os transportes, a água ou a energia. Produzido através de contribuições do público, conta com o testemunho de nomes como Slavoj Žižek, Naomi Klein, Luis Sepúlveda, Ken Loach, Dean Baker e Aditya Chakrabortyy.
De forma deliberada e com uma motivação ideológica clara, os governos daqueles países estrangulam ou estrangularam serviços públicos fundamentais, elegendo os funcionários públicos como bodes expiatórios, para apresentarem, em seguida, a privatização como solução óbvia e inevitável. Sacrifica-se a qualidade, a segurança e a sustentabilidade, provocando, invariavelmente, uma deterioração generalizada da qualidade de vida dos cidadãos.
As consequências mais devastadores registam-se nos países obrigados, por credores e instituições internacionais (como a Troika), a proceder a privatizações massivas, como contrapartida dos planos de «resgate». Catastroika evidencia, por exemplo, que o endividamento consiste numa estratégia para suspender a democracia e implementar medidas que nunca nenhum regime democrático ousou sequer propor antes de serem testadas nas ditaduras do Chile e da Turquia. O objectivo é a transferência para mãos privadas da riqueza gerada, ao longo dos tempos, pelos cidadãos. Nada disto seria possível, num país democrático, sem a implementação de medidas de austeridade que deixem a economia refém dos mecanismos da especulação e da chantagem — o que implica, como se está a ver na Grécia, o total aniquilamento das estruturas basilares da sociedade, nomeadamente as que garantem a sustentabilidade, a coesão social e níveis de vida condignos.
Se a Grécia é o melhor exemplo da relação entre a dividocracia e a catastroika, ela é também, nestes dias, a prova de que as pessoas não abdicaram da responsabilidade de exigir um futuro. Cá e lá, é importante saber o que está em jogo — e Catastroika rompe com o discurso hegemónico omnipresente nos media convencionais, tornando bem claro que o desafio que temos pela frente é optar entre a luta ou a barbárie.

(via Auditoria Cidadã à Dívida Pública)


segunda-feira, 14 de maio de 2012

A mão esquerda e a mão direita

"(...) aquilo a que chamo a mão esquerda do Estado, o conjunto de agentes das chamadas instituições sociais, que constituem os vestígios das lutas sociais do passado. Eles [os agentes] opõem-se à mão direita do Estado, os tecnocratas do Ministério das Finanças, os bancos públicos e privados, e os gabinetes ministeriais. (...) Penso que a mão esquerda do Estado considera que a mão direita do Estado não sabe ou, pior, já não quer saber do que a mão esquerda faz". 
Pierre Bourdieu, Contrafogos 

Na minha memória, chamo-lhe Sebastião. Não sei porquê. Lembro-lhe a tez morena, o olhar bravio e fugidio, uma angústia imensa, pérfida, consome-lhe as veias pulsantes (vejo-lhe as têmporas a rebentar, ali sentado). E eu inquisidor, camisa de manga curta, ténis, barba por fazer, juventude inerte em ares de burocrata. Peço-lhe um impresso, o enésimo impresso, a enésima confirmação de que ele, Sebastião, quarenta e tal anos, é uma semi-pessoa digna, a quem posso exigir "apresentações quinzenais". O sistema informático não funciona. Ligo para o Centro de Emprego, de onde me respondem, enfastiados, com os dados de que necessito. Sebastião move-se na cadeira. A sordidez pesa no ar. Ele reconhece-me. Não a cara. Reconhece-me o semblante. Reconhece-me o estômago revolto. A raiva que preciso de esconder, todos os dias daqueles meses, para garantir que a burocracia se mantém de pé e aquelas pessoas cumprem a sua via sacra, de papel na mão, empreendedores e empreendedoras em potência, porque José Sócrates e Pedro Passos Coelho conhecem a palavra "desemprego", mas não lhe conhecem a lâmina fria, a lâmina fria com que corta vidas inteiras e nos destroça a todos - aos humilhados e humilhadores, a quem dá o impresso e a quem o recebe, reduzindo o "desempregado", o "DLD", a cidadã em busca de "empregabilidade" a um número numa base de dados. Para que, de futuro, possa haver convocatórias aleatórias para "sessões de estímulo à empregabilidade", "formação" em centros de formação profissional desorçamentados e o contentamento de saber que, se tiveres filhos, é melhor pensares no Skype e em e-parenting para educá-los.

Sebastião reconhece-me. Tenta balbuciar umas palavras, mas chegou ao termo da resistência. Chora. São borbotões de fúria. Noto que não fala português. Fala humano, e isso basta. Os seus olhos flamejantes falam-me da família, que tenta ajudar mas já não consegue; esgotou os biscates, esgotou-se. Fala-me das empresas a quem envia currículos e a quem entrega, em mãos, mãos cheias de calos e dedos engrossados pelo trabalho duro, uma folha de registo. Às vezes, pedem-lhe dinheiro para carimbar a tal folha - prática ilegal, mas o desempregado vive num limbo, faca e queijo na mão de gente com escrúpulos transaccionáveis em mercado aberto (pois então); o desempregado só tem uma política, o trabalho; o desempregado é isso, desempregado. E eu fui uma roda na engrenagem, uma roda dentada que reduziu milhares de olhos tremeluzentes a números e estatísticas.

Sebastião soluça. Fala-me de regressar. Não sei se se refere a regressar a uma época perdida ou a uma qualquer terra que o viu nascer. Não sei. Também tenho vontade de chorar, mas não de derrota - e essas são as lágrimas de Sebastião. Não somos todos heróis, porra. Sobrevém o instinto de se recompor, mas chorar lágrimas de derrota num Gabinete de Inserção Profissional (sic) não é digno, não sugere um porvir esperançoso e não é um momento poético. É um momento triste, que nunca mais esquecerei. É um momento patético e indigno.

Por isso, quando Pedro Passos Coelho fala de "oportunidade", tenho vontade de o mandar à merda e acreditar que tem os dias contados enquanto Primeiro-Ministro de uma República em que não acredita, que despreza e quer matar. Assim mesmo. Desculpem-me os Josés Manuel Fernandes da nossa praça, que se dispõem a debater políticas de emprego e questões laborais, do alto da cátedra que se auto-atribuem; desculpem-me as sindicalistas que se afadigam a rebater, com argumentos potentes, as banalidades de um cidadão cujo currículo revela a sua incapacidade para compreender as razões pelas quais uma pessoa atingida pelo desemprego não tem uma oportunidade, não é piegas e sim, tem medo de arriscar. Porque, se Passos Coelho percebesse a situação de uma pessoa desempregada, talvez pudesse explicar-nos quão provável é um banco, no contexto actual, emprestar a um trabalhador digno e disposto a criar o seu posto de trabalho, que não saiba o que é uma CDO, uma offshore ou a maturidade de um título de dívida soberana. E que me desculpem todas as minhas irmãs e irmãos de luta e combate por um mundo melhor, porque sei que ter vontade de mandar um facínora à merda é tão útil como ficar calado e não fazer nada; não vos ajuda e não acrescenta seja o que for. Mas nisto, neste assunto específico, não tenho palavras eruditas, gráficos bonitos ou visões abrangentes. Só tenho os olhos de Sebastião (e de onde virá o nome?) e uma raiva que mal consigo reprimir.

Oiço Passos Coelho e lembro-me de Sebastião. Lembro-me de ter pedido ao "desempregado" seguinte um momento para me recompor. Fui à casa de banho, chorei de raiva contra a minha hipocrisia e esmurrei um azulejo cinzento (creio) até sentir que a raiva havia ficado suficientemente aplacada. "Próxima pessoa, por favor".

Por isso, senhor Primeiro Ministro, vá para o caralho mais o seu desemprego como oportunidade. E leve, de caminho, todos os algozes e verdugos que concordam consigo e usam a mão direita do Estado para manejar uma vergasta com que zurzem milhões de seres humanos. O mundo seria um lugar menos miserável com a vossa ausência.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Manifestação Europeia em Frankfurt Proibida

Um grupo alargado de movimentos europeus está a planear três dias de protesto contra o regime de autoridade imposto pela Troika. O Blockupy decorrerá entre 16 e 19 de Maio, na cidade alemã de Frankfurt, e inclui uma grande diversidade de iniciativas, incluindo concertos, concentrações, actos de desobediência civil pacífica e uma manifestação europeia no dia 19.
Num acto paralelo às tentativas a que assistimos em Portugal e Espanha de contornar os protestos legais e legítimos dos cidadãos através da criminalização dos movimentos sociais, os responsáveis municipais de Frankfurt estão a proibir estas acções, incluindo a manifestação de dia 19.
Como é óbvio, estes tiques autoritários só terão um efeito — mais gente ainda nas ruas.

*****



Comunicado de Imprensa do Blockupy de 8 de Maio:

O Município de Frankfurt respondeu a mais um pedido de reunião da plataforma Blockupy proibindo a manifestação europeia anunciada para 19 de Maio. O subscritor do pedido, Werner Rätz, do Blockupy, recebeu um e-mail nesse sentido esta tarde. De acordo com a mensagem, o despacho de proibição já foi emitido. «O direito de manifestação está a ser
espezinhado de uma forma absolutamente inacreditável. Nunca tinha assistido a tamanho desprezo por um dos direitos básicos mais fundamentais previstos na nossa Constituição», disse Werner Rätz. Em Frankfurt, é a democracia que está em perigo, independentemente de a proibição acabar por não ter quaisquer efeitos legais ou efectivos. Mal receba a notificação oficial da proibição, a plataforma contesta-la-á nas instâncias legais, requerendo a suspensão imediata dos seus efeitos.
Até segunda-feira, eram doze as proibições oficiais recebidas pelo Blockupy, relativas a concentrações, piquetes e acampadas — todas entretanto objecto de recurso por parte da plataforma. De acordo com o tribunal, é possível que não haja qualquer deliberação antes do início da próxima semana. «Aparentemente, a estratégia dos responsáveis policiais é responder aos nossos pedidos de reunião com despachos de proibição», constatou outro dos porta-vozes do Blockupy, Christoph Klein. Markus Frank (da CDU) fez saber, através dos media, que só estaria disponível para quaisquer conversações se a plataforma renunciasse ao bloqueio como forma de protesto. Christoph Kleine respondeu que «o direito fundamental de manifestação não está sujeito a negociação! Ao longo dos dias do Blockupy, irão decorrer acções de desobediência civil, e é óbvio que ninguém está à espera de autorização municipal. O alvo destas proibição são concentrações, uma manifestação, concertos com nomes como Konstatin Wecker, e locais para acampar!»
A plataforma enfatizou, mais uma vez, que estas acções não desencadearão uma escalada de violência. A intenção é recorrer a formas de acção irreverentes e diversificadas, durante três dias, no centro da metrópole financeira de Frankfurt, para dar visibilidade aos protestos contra as políticas de empobrecimento da Troika. Martin Behrsing, do Blockupy, reafirmou que «ninguém será colocado numa situação de perigo ou verá posta em causa a integridade física — nem transeuntes, nem funcionários bancários, manifestantes ou membros das forças policiais. É assim que estamos a preparar os protestos e os estamos a ensaiar nas acções de preparação.» Além do mais, o Blockupy rejeita qualquer equiparação de bloqueios populares a formas de violência. Do ponto de vista legal, estes bloqueios não são um constrangimento, mas uma infracção administrativa, segundo a deliberação do Tribunal Constitucional Federal Alemão de 1995, na chamada decisão Mutlangen.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Primavera Global | 12 de Maio | As Ruas São Nossas!

Dizem-nos que somos consumidores, colaboradores, contribuintes, subsídio-dependentes, párias, preguiçosos, manifestantes perigosos, radicais, extremistas, criminosos… Só não nos tratam, precisamente, como aquilo que somos, acima de tudo: cidadãos. Ser cidadão não é apenas ser pessoa no sentido humano, é assumir um papel de responsabilidades e respeito pelos direitos dos outros, ser parte activa e integrante da sociedade. Aqui e em qualquer parte.
A nossa Constituição, texto fundador e fundamental da nossa democracia, é a lei essencial e predomina sobre todas as outras. Pelo menos formalmente. Na verdade, tem sido reduzida a um mero papel sem importância, a que se dá destaque em momentos pomposos. É letra morta no que concerne aos direitos fundamentais que consagra: a igualdade, a liberdade de manifestação, o direito à integridade, a protecção dos bens essenciais, a saúde, a habitação, a educação, a justiça, a função redistributiva da segurança social e do sistema fiscal. A liberdade de manifestação e o direito à integridade foram substituídos, a uma só vez, pela violenta arbitrariedade policial, o direito à saúde é preterido em favor dos lucros das empresas privadas na área, a equidade do sistema fiscal esfuma-se perante a permissividade de evasão fiscal e nos paraísos fiscais.
Quanto à igualdade, nunca chegou a ser plena. As discriminações de todos os tipos estão vivas em quase todos os sectores da sociedade: étnica, económica, religiosa, de género, de orientação sexual. Mas não podemos tolerá-las. Nenhum tipo de discriminação. É a condição basilar de qualquer democracia. Africanos, mulheres, velhos, romenos, pobres, muçulmanos, indianos, homossexuais, católicos, desempregados, judeus, ciganos, transexuais, crianças, migrantes: somos todos cidadãos, com plena igualdade de direitos!
Aqui e em qualquer parte, dizem-nos que não há alternativa aos dias cinzentos de mini-jobs, mini-direitos e mini-vidas que se vão construindo com o nosso silêncio. Mas a única inevitabilidade que reconhecemos é a da resistência. É por isso que vamos juntar-nos a todos os que fazem questão de proclamar a Primavera Global nas praças do mundo inteiro no dia 12 de Maio. No sábado, assumimos o nosso papel de cidadãos e vimos para a rua exigir o respeito integral dos nossos direitos, da nossa cidadania e da nossa democracia!

Lisboa, 14h,  Rossio | Porto, 15h, Batalha | Coimbra, 16h, Praça da República | 
Santarém, 15h, Jardim da Liberdade | Faro, 15h, Jardim Manuel Bivar | 
Évora, 14h, Jardim das Canas | Braga, 15h, Av. Central

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Basta de vitórias pírricas

A CDU foi derrotada, para efeitos práticos, no Estado de Schleswig-Holstein. Hollande venceu a segunda volta das presidenciais francesas. A SYRIZA ultrapassou o PASOK e tornou-se a segunda força política grega.

Boas notícias. Notícias que me animam e, julgo, animarão quem se bate por novos horizontes. Mas será prudente enfatizar isto: a resistência, a resistência séria, começa realmente agora. Antes que se cantem vitórias e nos regozijemos por um qualquer renascimento esquerdista, os tempos aconselham prudência e uma crítica mais agressiva.

Basta ler esta peça da Reuters para percebê-lo. "Gregos furiosos rejeitam o resgate (sic) e arriscam saída do euro". Uma declaração política sucinta e demonstrativa da guerra de fricção que será movida, com ou sem quartel, a este renascimento ainda frágil. De acordo com a narrativa nascente, esses gregos furiosos (e irracionais, portanto) não acorreram às urnas para definir o rumo da República Helénica nos próximos meses ou anos. Não. Esses loucos furiosos acorreram a um plebiscito à "ajuda" da tríade FMI-CE-BCE, mostraram não ter maturidade para compreender a gravidade de uma recusa do pensamento único corporizado pela Nova Democracia do espantoso Samaras e pelo risível PASOK; a moeda única foi depauperada por cada voto na SYRIZA, no KKE (que continuará a ser o opóbrio de sempre) e em todos esses perigosos esquerdistas - o Tratado Fiscal, que ilegaliza o Estado keynesiano, pressentirão os verdugos da Europa austeritária, ainda não palmilhou o caminho da imanência austeritária; ainda podemos resistir-lhe. 

Esta será a narrativa. Vejam o que escreverá o Expresso. Vejam o que escreverão os inenarráveis (mas sempre circunspectos e isentos, afirma-se) FT e Economist. Hollande já estará a ser pressionado no sentido de refrear o ímpeto soberanista, dado que a eurocracia não gosta de incerteza ou flexibilidade quando se vê afectada por elas; terá de ser responsável, porque o Eliseu deve ser ocupado por um cidadão responsável, capaz de cumprir o papel de correia transmissora do ordoliberalismo.

O impasse na formação de um governo grego, com as consequências dramáticas que advirão daí, será imputado à SYRIZA e a Tsipras, apesar de defender um projecto europeísta e ser, actualmente, a única força política grega com imaginação para apresentar alternativas. Mas será essa a táctica: Tsipras é um jovem inexperiente e a SYRIZA, com o costumeiro utopismo paroquial da "extrema-esquerda", servirá apenas como força de bloqueio das gentes responsáveis, das redes clientelares que conhecem bem a Goldman Sachs, a Siemens e os paraísos fiscais para onde o capital da indústria naval tem ido apanhar sol (ou bruma, no caso do Luxemburgo e de Zurique). Quando Venizelos defende um "governo de salvação nacional", aludindo à responsabilidade dos partidos com expressão parlamentar, procura recentrar a questão do euro e encostar a SYRIZA à parede. Falhará, mas o risco continuará ali, latente.

Os yields das obrigações francesas subirão exponencialmente e Hollande - com a equipa que escolher (e essa é uma questão em aberto que não é dispensável ou de somenos importância) - será obrigado a enfrentar Merkel, Schäuble, Draghi, Barroso e Rehn, se, depois de todas as rondas negociais e telefonemas (pode ser que Mélenchon e a Frente de Esquerda venham a ter influência, algo que me suscita muitas dúvidas), continuar a considerar a austeridade light um caminho melhor que a austeridade brutal. E, acreditamos, a inclusão de cláusulas tendentes ao investimento fará o projecto repressivo do neoliberalismo tardio cair por terra. Porque é mais frágil do que nos querem fazer crer; é por isso que precisa de reprimir e dividir, de inventar e reforçar um Estado liberal-paternalista onde as paranóias securitárias criam novos mercados no sector farmacêutico e carceral.

Entretanto, a ascensão do Chrysi Aygi e da Front Nationale devia ser um motivo de reflexão. Mas guardemos isso para outros carnavais. 

Encarreguemo-nos de não tornar este Domingo um carnaval irreflectido e o começo de uma vitória pírrica. Aconselha-se prudência e um fôlego internacionalista.



domingo, 6 de maio de 2012

Consumidores nos querem, Cidadãos nos terão

Domingo, segundo dia do boicote às lojas Pingo Doce e o número de apoiantes desta causa não cessa de aumentar. 845 adesões até ao momento, mas há cerca de 10.100 convidados que ainda não se manifestaram. Precisamos, todavia, de muitos mais para fundamentar uma intervenção com maior visibilidade.

Relembro que este boicote não pretende censurar os trabalhadores do Pingo Doce nem aqueles que fizeram compras no 1º de Maio. Visa mostrar à Jerónimo Martins, e a todos os outros, que "não vale tudo", e que a participação cívica dos cidadãos não se esgota com o voto nas eleições.

Consumidores nos querem, Cidadãos nos terão.

E, enquanto tal, votamos todos os dias escolhendo os locais onde depositamos os nossos votos (euros).

Exigimos ser respeitados de Janeiro a Janeiro!

Por isso é fundamental prosseguir com o processo de adesões no sentido de reforçar a legitimidade da intervenção cívica deste grupo, e lançar novos boicotes. Pelo que todos podem, e devem, aderir mesmo após a data definida para este protesto.

Um grupo de cidadãos interessados

https://www.facebook.com/events/283672728387948/