Os recibos verdes verdadeiros, ou seja, os trabalhadores que estipulam os seus horários, trabalham com os seus equipamentos e em instalações próprias não são todos iguais. Ainda que na forma assim pareça, na substância as diferenças podem ser gigantescas.
Muitos trabalhadores independentes estabelecem as suas próprias condições e apenas aceitam as encomendas e clientes que decidem.
Muitos outros, apesar de cumprirem as duas premissas que definem os verdadeiros recibos verdes (obrigação apenas do cumprimento de prazos e de níveis de qualidade acordados) dependem dos seus clientes. Não têm peso para negociar honorários, prazos e outras condições — incluindo, por exemplo, a imputação do IVA aos clientes (prática corrente e amplamente conhecida da ACT e da DGCI, mas raramente combatida). São obrigados a aceitar o que lhes é oferecido sob pena de, recusando uma oferta, não voltarem a ser contactados e até de entrar numa espécie de lista negra do sector em que trabalham. Não têm qualquer poder negocial e assim, os prazos de entrega podem ser mudados a qualquer momento, os honorários e quaisquer outras condições também.
Na mesma profissão podem co-existir ambas as situações e a pertença a um ou outro estatuto depende de factores diversos. O mais óbvio é o prestígio, que pode advir do reconhecimento já alcançado, de uma carreira construída, há muitos outros.
Depende de quão grande é cada sector. Quanto mais oportunidades houver, tanto mais facilmente o trabalhador procura alternativas e estabelece as condições mínimas que pretende, recusando as ofertas mais desfavoráveis.
Depende ainda das condições financeiras e familiares do próprio trabalhador. Quem tenha uma estabilidade financeira que lhe permita negociar, sob o risco de perder uma encomenda, ou até de recusar qualquer encomenda que não cumpra o patamar mínimo de condições por si estabelecido, não está tão sujeito à arbitrariedade dos clientes.
Mas será que podemos realmente falar aqui de "clientes"? Ainda que não haja dúvidas de se tratar de um trabalhador independente, está ele realmente por sua própria conta? Ele não decide o valor do seu trabalho, nem as condições em que é elaborado. Está sujeito a cumprir todos os critérios de qualidade num prazo imposto sem negociação. Pode mesmo ser chamado a elaborar um trabalho que ele próprio considera de má qualidade, mas cujos critérios lhe são exigidos pelo "cliente".
Não havendo qualquer estrutura hierárquica, há condições de sujeição de facto, ainda que perante empregadores diversos.
(Publicado originalmente em Luz de Lisboa)
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