terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
A Grécia É Uma Fachada para Esconder o Maior Resgate Bancário de Sempre
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Porque é que a Grécia e Portugal deviam falir
Há dois anos atrás, a maioria dos responsáveis europeus pela formulação de políticas acreditava ainda que a Grécia conseguiria sobreviver. Faltava-lhes a experiência de gestão de crises financeiras e não consultaram, sequer, aqueles que em outras partes do mundo tiveram que lidar com crises em décadas anteriores. Armados de ignorância e arrogância, acabaram a repetir os erros de todos os outros. Pensaram estar ser espertos quando tiveram a ideia de uma contracção fiscal expansionista. E acharam que o envolvimento voluntário do sector privado (PSI) poderia realmente ajudar.
Não tendo conseguido aprender com os erros dos outros, alguns deles estão agora a aprender à sua própria custa. Em algumas capitais do norte da Europa, os responsáveis pelas políticas europeias começam a perceber que o programa grego tem sido um falhanço absoluto. Perderam a confiança na política grega; com a entrada no quinto ano de uma depressão, e a certeza de que o produto interno grego cairá ainda mais sob a influência da austeridade, estão à beira de desistir da Grécia.
Mas eles são também intrinsecamente avessos ao risco e propensos ao cumprimento dos formalismos. Sentem que precisam de aparentar levar o último programa de austeridade grego a sério, e ao mesmo tempo mostrar que salvaguardarão os interesses dos seus próprios contribuintes. Os partidos da coligação grega chegaram a um acordo que deveria, pelo menos formalmente, satisfazer as exigências dos ministros europeus das finanças. O parlamento grego aceitou-o. O conjunto do euro também o aceitará. Individualmente, os detentores de obrigações gregas chegarão a um acordo quando ao envolvimento do sector privado.
O Bundestag pode ainda sabotar este acordo, dado o crescente nervosismo da opinião pública alemã relativamente à expectativa de inutilidade de um novo programa de €130bn. Mas a minha expectativa é de que o programa se concretize. Haverá um período inicial de calma, mas em poucos meses será claro que os cortes gregos nos salários e pensões terão agravado a depressão. Os formuladores europeus de políticas descobrirão que, neste contexto desolador, até uma meta reduzida para as privatizações é irrealista. O PIB grego desceu 6% em 2011, e continua a decrescer a uma taxa semelhante este ano. E em breve uma nova vaga de cortes se fará anunciar.
Este não é, sequer, o cenário mais pessimista. Ele assume que a situação política grega se mantém colaborante. Mas com a renovação das greves e demissões ministeriais a saudar o último programa, é de facto expectável que Antonis Samaras, líder da Nova Democracia e provável vencedor das eleições em Abril, pactue com a estratégia em curso? Não vejo de que forma isto poderá funcionar politicamente. Para um primeiro-ministro que pondera um mandato completo de 4 anos, deve ser grande a tentação de se desvincular dos compromissos agora assumidos e culpar os seus predecessores pelo caos. Ele terá então quatro anos para levantar o país dos destroços da saída da zona euro. Politicamente seria muito mais arriscado aderir a um programa que ele próprio afirma não funcionar e que manterá o país em depressão durante todo o seu mandato e, possivelmente, para além dele.
Mas, aceitemos o argumento e admitamos que o Sr. Samaras se mantém no programa e que a armadilha da dívida pode ser evitada. Tudo funciona como oficialmente planeado. Seria esse o fim da crise grega? Nesse caso, o rácio grego da dívida face ao PIB cairia dos actuais 160% para cerca de 120% do PIB no fim da década.
Mas este valor seria ainda demasiado elevado. Devemos lembrar-nos que 120% é um número político a que falta justificação económica. Não é por acaso que este é o actual rácio italiano da dívida face ao PIB. Se admitíssemos que 120% não é sustentável para a Grécia, estaríamos a criar o pressuposto que o mesmo seria verdade para a Itália.
E no entanto as duas economias são muito diferentes. A Grécia viu a sua economia entrar em colapso. Para se reconstruir, a Grécia precisa de uma infra-estrutura económica operativa, de um mercado de trabalho moderno e de um sistema político menos tribal. Os mercados financeiros não voltarão a confiar na Grécia até tudo isto ser uma realidade. Mas isso pode levar décadas.
Por isso, mesmo neste cenário improvável, segundo o qual tudo resultaria conforme planeado, a sustentabilidade da dívida está longe de ser assegurada. Acredito que o rácio grego da dívida face ao PIB precisaria de descer para um nível muito mais baixo – algo como 60% do PIB – para que o país tivesse alguma hipótese de sobreviver à crise. Este valor faria desaparecer a maior parte da dívida externa, incluindo aquela detida pelo sector público.
Há quem diga que seria melhor expulsar a Grécia da zona euro imediatamente e usar os fundos para salvar Portugal. Eu discordo. Pessoalmente, acredito que seria melhor tomar consciência do estado desolador de ambos os países, deixá-los entrar em default dentro da união monetária, e usar então um fundo de resgate suficientemente reforçado que os ajude a reconstruir-se, e que simultaneamente impeça o efeito de contágio.
Isto será muito caro. Mas ignorar a realidade por mais dois anos será ruinoso.
Wolfgang Munchau, FT.com, 12/02/2012
Traduzido por Sandra Paiva e Paulo Coimbra.
Artigo original aqui.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Grécia: Haverá Sangue
Para começar, clarifiquemos que o “resgate” não é de facto o resgate da Grécia mas é sobretudo o resgate dos bancos franceses e alemães. Porquê? Ao longo dos últimos 10 anos, a Alemanha impediu o crescimento dos salários o que lhe permitiu acumular um enorme excedente comercial relativamente à Grécia e outros países da periferia da zona euro. Este excedente foi reciclado por bancos privados que o emprestou à periferia, muito à semelhança do que se passou em 1973/79 quando os excedentes do petróleo foram convertidos por Londres em empréstimos altamente rentáveis à América Latina. E tal como a América Latina (e outros países da periferia) entrou numa crise da dívida nos anos 80, com as medidas de austeridade impostas e desenhadas pelo FMI para fazer face ao pagamento da dívida a causar tumultos e resistência dos sindicatos, assistimos agora à mesma situação na zona euro. Em nenhum lado mais que na Grécia as medidas de austeridade impostas pela troika causaram tanta dor, com o PIB nacional a diminuir 15% desde o início de 2009 e o desemprego a afectar praticamente metade de toda a população mais jovem.
Agora que os bancos da UE reduziram a sua exposição à dívida grega, a Alemanha e outros têm dúvidas acerca da permanência da Grécia no euro. Quer surja nas próximas semanas ou nos próximos meses, uma decisão da troika no sentido de que a Grécia não está a cumprir as regras do endividamento pode levar o Banco Central Europeu a suspender as operações semanais de financiamento ao Banco Central da Grécia, provocando assim, e de forma imediata, o default grego. É generalizadamente aceite que se o default tivesse um efeito de contágio na zona euro, as consequências económicas para a União Europeia seriam desastrosas.
Muito menos exaustiva tem sido a análise das consequências políticas internas de um default grego. A Grécia é um Estado relativamente frágil, tendo sido governada desde 1974 pela alternância de dois partidos populistas que mantiveram o poder, em larga medida, recorrendo a práticas de clientelismo e corrupção: o Partido Nova Democracia, de centro-direita, sob a alçada da família Karamanlis; e o PASOK, de centro-esquerda, sob a alçada dos sucessores de Papandreou. As eleições gerais de Abril irão quase certamente mostrar que o resultado da austeridade foi o descrédito total destes dois partidos do centro, enquanto nos bastidores se preparam para avançar o Partido Comunista Grego (KKE), à esquerda, e o LOAS (Concentração Popular Ortodoxa), o partido de extrema-direita liderado pelo ultra-nacionalista Georgios Karatzaferis. Ambos assumiram o compromisso de sair do euro.
Suponhamos que a Grécia abandona o euro a seguir às eleições – uma aposta bastante segura dado que, mesmo que uma coligação do centro pudesse ser formada sem o KKE ou o LOAS, é difícil perceber como seria possível uma governação eficaz à medida que as condições económicas continuamente se deterioram. A saída do euro resultaria, para a Grécia, num crescimento da inflação por três motivos. Primeiro, o Novo Dracma (ND) depreciar-se-ia de um dia para o outro tornando as importações (incluindo de alimentos) muito mais caras. Segundo, o sistema bancário da Grécia necessitaria de ser totalmente recapitalizado. Finalmente, impedido de se refinanciar junto da troika e dos mercados financeiros, o défice público, que ronda agora os 10% do PIB, teria que ser financiado em ND através da emissão de dinheiro. A desvalorização seguida de monetarização à escala exigida pelo financiamento do défice e recapitalização dos bancos conduziria, com toda a certeza, a hiperinflação.
A peça que falta neste puzzle é o exército grego. As despesas militares situam-se nos 5% do PIB, cerca do dobro da média da NATO. Até recentemente, este aspecto da “prodigalidade grega” não foi questionado pela troika; por um lado, porque o país importa o seu armamento da França, Alemanha e EUA; por outro, porque os militares (à semelhança da oligarquia grega) detêm uma enorme influência política.
As ilações a tirar são claras. As acções da troika na Grécia são desastrosas. Sem um Governo estável, a saída da Grécia do euro levará a um caos político crescente, e este caos conduzirá à intervenção militar como meio de repor a ordem. Aqueles com idade suficiente para se lembrarem da guerra civil de 1946-48 ou do golpe dos coronéis de 1967 lembrar-se-ão de que o Ocidente fez vista grossa à repressão que se seguiu; milhares foram torturados ou mortos e ambos os partidos comunista e social-democrata foram tornados ilegais por mais que uma geração. A história pode estar prestes a repetir-se.
George Irvin, Social Europe Journal, 21 Fev 2012.
Tradução de Sandra Paiva; revisão de Paulo Coimbra.
Publicado no ESQUERDA.NET | Artigo original aqui.
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
Acordar!
«Sabem, ultimamente fico mesmo frustrado quando ligo as notícias, e oiço tudo o que os media tradicionais andam a dizer. É a conversa do costume sobre a Irlanda, sobre Portugal, sobre a Espanha e sobre a Grécia — e parece que não sabem dizer mais nada para além de "na Irlanda, em Espanha, na Grécia e em Portugal vive-se demasiado bem." As empresas que controlam estes meios de comunicação obtiveram lucros fabulosos à custa da bolha imobiliária e da crise que elas próprias criaram, e são estas pessoas, as que provocaram as tensões e a recessão económica, as primeiras a acusar-VOS por isso mesmo. E estou farto desta conversa que nunca mais acaba, sabendo perfeitamente que só temos direito a pensões, só temos direito a férias, só temos direito a uma jornada laboral de oito horas… graças ao tipo de ação que os nossos irmãos e irmãs na Grécia estão a levar a cabo neste momento! O povo está nas ruas, contra a classe dos ricos, que nos anda a roubar-nos há anos! Perante esta propaganada toda, só quero dizer-vos isto: temos de unir-nos aqui na Europa! Temos de unir-nos aqui na Europa! Para lá de todas as barreiras étnicas, de todas as diferenças religiosas, de todas as fronteiras raciais. Porque agora as linhas estão bem definidas: SOMOS NÓS CONTRA OS RICOS, MAIS NADA. CHEGOU A HORA DE ACORDAR!»
Zach de la Rocha, concerto dos Rage Against the Machine em Dublin, 8/6/2010.
Mais atual do que nunca.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
domingo, 19 de fevereiro de 2012
A Grécia mostra-nos como protestar contra um sistema falhado
Não gosto de violência. Não acho que haja muito a ganhar em queimar bancos e partir montras. E no entanto, sinto um frémito de prazer quando vejo a reacção em Atenas, e noutras cidades gregas, à aceitação por parte do parlamento grego das medidas impostas pela União Europeia. Mais: se não tivesse havido uma explosão de raiva, eu teria ficado perdido num marasmo de depressão.
A alegria é a alegria de ver o tão maltratado mexilhão levantar-se e rugir. A alegria de ver aqueles cujas faces foram esbofeteadas um milhar de vezes, esbofetearem de volta. Como podemos nós pedir que as pessoas aceitem passivamente a ferocidade dos cortes do nível de vida que as medidas de austeridade encerram? Queremos que elas simplesmente aceitem que o enorme potencial criativo das novas gerações seja liminarmente eliminado, os seus talentos aprisionados numa vida de desemprego sem termo à vista? Tudo isto apenas para que os bancos possam ser ressarcidos, os ricos tornados mais ricos? Tudo isto, apenas para manter um sistema capitalista que há muito passou a sua data de validade e que agora oferece ao mundo nada mais que destruição. Para os gregos, aceitar passivamente estas medidas seria multiplicar depressão por depressão; a depressão de um sistema falhado pela depressão da perda de dignidade.
A violência da reacção na Grécia é um grito que ecoa por todo o mundo. Por quanto tempo vamos ficar parados a ver o mundo ser destroçado por estes bárbaros, os ricos, os bancos? Por quanto tempo vamos assistir impassíveis ao aumento das injustiças, ao desmantelamento dos serviços de saúde, à redução da educação para os níveis do disparate acrítico, à privatização das águas do mundo, à eliminação de comunidades e à destruição do planeta, tudo a bem dos lucros das grandes empresas mineiras?
O ataque, que é tão intenso na Grécia, está a acontecer em todo o mundo. Por todo o lado o dinheiro sujeita a vida humana e não humana à sua lógica, a lógica do lucro. Isto não é novo, mas a intensidade e alcance do ataque são novos, e nova é também a consciência generalizada de que esta dinâmica é uma dinâmica de morte, de que é provável que estejamos todos a caminhar para a aniquilação da vida humana na Terra. Quando os ilustríssimos comentadores explicam os detalhes das últimas negociações entre os governantes acerca do futuro da zona euro, esquecem-se de mencionar que o que está a ser negociado tão levianamente é o futuro da humanidade.
Nós somos todos gregos. Todos somos cobaias cuja individualidade é simplesmente arrasada pelo cilindro da história determinada pelo movimento dos mercados do dinheiro. Ou pelo menos é o que parece e o que eles desejariam. Milhares de italianos protestaram uma e outra vez contra Silvio Berlusconi mas foram os mercados do dinheiro que o derrubaram. O mesmo se passou na Grécia: manifestação após manifestação contra George Papandreou, mas no fim foram os mercados do dinheiro que o demitiram. Em ambos os casos, servos leais e comprovados do dinheiro foram nomeados para substituir os políticos derrubados, sem sequer um simulacro de consulta popular. Isto não é sequer a história a ser feita pelos ricos e poderosos, apesar de obviamente estes lucrarem com ela; é história feita por uma dinâmica que ninguém controla, uma dinâmica que, se nós deixarmos, destruirá o mundo.
As chamas de Atenas são chamas de raiva, e nós regozijamo-nos nelas. E no entanto, a raiva é perigosa. Se é personalizada ou dirigida a um determinado grupo de pessoas (os alemães, neste caso), pode tornar-se apenas destrutiva. Não é coincidência que na Grécia tenha sido o líder do partido de extrema-direita, Laos, o primeiro ministro a demitir-se após a última vaga de medidas de austeridade. A raiva pode tornar-se muito facilmente nacionalista ou fascista; uma raiva que em nada contribui para tornar o mundo melhor. É, por isso, importante ser claro e afirmar que a nossa raiva não é contra os alemães, nem sequer contra Angela Merkel ou David Cameron ou Nicolas Sarkozy. Estes políticos são apenas símbolos arrogantes e patéticos do objecto real da nossa raiva - o poder do dinheiro e a sujeição de toda a vida à lógica do lucro.
Amor e raiva, raiva e amor. O amor tem sido importante nas lutas que redefiniram o significado da política ao longo do último ano, um tema constante dos movimentos Occupy, um sentimento profundo no coração até de confrontos violentos em muitas partes do mundo. E no entanto, o amor anda de mãos dadas com a raiva, a raiva do "como se atrevem eles a despojar-nos da nossa vida, como se atrevem eles a tratar-nos como objectos". A raiva de um mundo diferente a forçar passagem através da obscenidade do mundo que nos rodeia. Talvez.
Esta obstinação na construção de um mundo diferente não é apenas uma questão de raiva, apesar da raiva ser uma das suas componentes. Isto implica necessariamente a construção paciente de uma forma diferente de fazer as coisas, a criação de formas diferentes de coesão social e de suporte mútuo. Por detrás do espectáculo dos bancos a arder na Grécia encontra-se um processo mais profundo, um movimento silencioso de pessoas que recusam pagar os bilhetes nos transportes, contas de electricidade, portagens de auto-estradas, dívidas bancárias; um movimento, nascido da necessidade e convicção, de pessoas a organizar as suas vidas de uma forma diferente, criando comunidades de suporte mútuo e redes de alimentos, ocupando edifícios e terras vazias, trabalhando hortas comunais, regressando ao campo, voltando as costas aos políticos (que agora têm medo de se mostrar nas ruas) e criando formas de democracia directa para tomar decisões colectivas. Ainda insuficientes talvez, ainda experimentais, mas cruciais.
Por detrás do espectáculo das chamas, é esta procura e criação de uma maneira diferente de viver que irá determinar o futuro da Grécia e do mundo.
Para este sábado acções em todo o mundo foram convocadas em solidariedade com a revolta na Grécia. Somos todos Gregos.
John Holloway, The Guardian, 17 Fev 2012.
Tradução de Sandra Paiva, revisão de Paulo Coimbra.
Publicado no Esquerda.NET
Artigo original aqui.