sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Porque é que a Grécia e Portugal deviam falir


Há dois anos atrás, a maioria dos responsáveis europeus pela formulação de políticas acreditava ainda que a Grécia conseguiria sobreviver. Faltava-lhes a experiência de gestão de crises financeiras e não consultaram, sequer, aqueles que em outras partes do mundo tiveram que lidar com crises em décadas anteriores. Armados de ignorância e arrogância, acabaram a repetir os erros de todos os outros. Pensaram estar ser espertos quando tiveram a ideia de uma contracção fiscal expansionista. E acharam que o envolvimento voluntário do sector privado (PSI) poderia realmente ajudar.

Não tendo conseguido aprender com os erros dos outros, alguns deles estão agora a aprender à sua própria custa. Em algumas capitais do norte da Europa, os responsáveis pelas políticas europeias começam a perceber que o programa grego tem sido um falhanço absoluto. Perderam a confiança na política grega; com a entrada no quinto ano de uma depressão, e a certeza de que o produto interno grego cairá ainda mais sob a influência da austeridade, estão à beira de desistir da Grécia.

Mas eles são também intrinsecamente avessos ao risco e propensos ao cumprimento dos formalismos. Sentem que precisam de aparentar levar o último programa de austeridade grego a sério, e ao mesmo tempo mostrar que salvaguardarão os interesses dos seus próprios contribuintes. Os partidos da coligação grega chegaram a um acordo que deveria, pelo menos formalmente, satisfazer as exigências dos ministros europeus das finanças. O parlamento grego aceitou-o. O conjunto do euro também o aceitará. Individualmente, os detentores de obrigações gregas chegarão a um acordo quando ao envolvimento do sector privado.

O Bundestag pode ainda sabotar este acordo, dado o crescente nervosismo da opinião pública alemã relativamente à expectativa de inutilidade de um novo programa de €130bn. Mas a minha expectativa é de que o programa se concretize. Haverá um período inicial de calma, mas em poucos meses será claro que os cortes gregos nos salários e pensões terão agravado a depressão. Os formuladores europeus de políticas descobrirão que, neste contexto desolador, até uma meta reduzida para as privatizações é irrealista. O PIB grego desceu 6% em 2011, e continua a decrescer a uma taxa semelhante este ano. E em breve uma nova vaga de cortes se fará anunciar.

Este não é, sequer, o cenário mais pessimista. Ele assume que a situação política grega se mantém colaborante. Mas com a renovação das greves e demissões ministeriais a saudar o último programa, é de facto expectável que Antonis Samaras, líder da Nova Democracia e provável vencedor das eleições em Abril, pactue com a estratégia em curso? Não vejo de que forma isto poderá funcionar politicamente. Para um primeiro-ministro que pondera um mandato completo de 4 anos, deve ser grande a tentação de se desvincular dos compromissos agora assumidos e culpar os seus predecessores pelo caos. Ele terá então quatro anos para levantar o país dos destroços da saída da zona euro. Politicamente seria muito mais arriscado aderir a um programa que ele próprio afirma não funcionar e que manterá o país em depressão durante todo o seu mandato e, possivelmente, para além dele.

Mas, aceitemos o argumento e admitamos que o Sr. Samaras se mantém no programa e que a armadilha da dívida pode ser evitada. Tudo funciona como oficialmente planeado. Seria esse o fim da crise grega? Nesse caso, o rácio grego da dívida face ao PIB cairia dos actuais 160% para cerca de 120% do PIB no fim da década.

Mas este valor seria ainda demasiado elevado. Devemos lembrar-nos que 120% é um número político a que falta justificação económica. Não é por acaso que este é o actual rácio italiano da dívida face ao PIB. Se admitíssemos que 120% não é sustentável para a Grécia, estaríamos a criar o pressuposto que o mesmo seria verdade para a Itália.

E no entanto as duas economias são muito diferentes. A Grécia viu a sua economia entrar em colapso. Para se reconstruir, a Grécia precisa de uma infra-estrutura económica operativa, de um mercado de trabalho moderno e de um sistema político menos tribal. Os mercados financeiros não voltarão a confiar na Grécia até tudo isto ser uma realidade. Mas isso pode levar décadas.

Por isso, mesmo neste cenário improvável, segundo o qual tudo resultaria conforme planeado, a sustentabilidade da dívida está longe de ser assegurada. Acredito que o rácio grego da dívida face ao PIB precisaria de descer para um nível muito mais baixo – algo como 60% do PIB – para que o país tivesse alguma hipótese de sobreviver à crise. Este valor faria desaparecer a maior parte da dívida externa, incluindo aquela detida pelo sector público.

Há quem diga que seria melhor expulsar a Grécia da zona euro imediatamente e usar os fundos para salvar Portugal. Eu discordo. Pessoalmente, acredito que seria melhor tomar consciência do estado desolador de ambos os países, deixá-los entrar em default dentro da união monetária, e usar então um fundo de resgate suficientemente reforçado que os ajude a reconstruir-se, e que simultaneamente impeça o efeito de contágio.

Isto será muito caro. Mas ignorar a realidade por mais dois anos será ruinoso.


Wolfgang Munchau, FT.com, 12/02/2012

Traduzido por Sandra Paiva e Paulo Coimbra.

Artigo original aqui.

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