Para começar, clarifiquemos que o “resgate” não é de facto o resgate da Grécia mas é sobretudo o resgate dos bancos franceses e alemães. Porquê? Ao longo dos últimos 10 anos, a Alemanha impediu o crescimento dos salários o que lhe permitiu acumular um enorme excedente comercial relativamente à Grécia e outros países da periferia da zona euro. Este excedente foi reciclado por bancos privados que o emprestou à periferia, muito à semelhança do que se passou em 1973/79 quando os excedentes do petróleo foram convertidos por Londres em empréstimos altamente rentáveis à América Latina. E tal como a América Latina (e outros países da periferia) entrou numa crise da dívida nos anos 80, com as medidas de austeridade impostas e desenhadas pelo FMI para fazer face ao pagamento da dívida a causar tumultos e resistência dos sindicatos, assistimos agora à mesma situação na zona euro. Em nenhum lado mais que na Grécia as medidas de austeridade impostas pela troika causaram tanta dor, com o PIB nacional a diminuir 15% desde o início de 2009 e o desemprego a afectar praticamente metade de toda a população mais jovem.
Agora que os bancos da UE reduziram a sua exposição à dívida grega, a Alemanha e outros têm dúvidas acerca da permanência da Grécia no euro. Quer surja nas próximas semanas ou nos próximos meses, uma decisão da troika no sentido de que a Grécia não está a cumprir as regras do endividamento pode levar o Banco Central Europeu a suspender as operações semanais de financiamento ao Banco Central da Grécia, provocando assim, e de forma imediata, o default grego. É generalizadamente aceite que se o default tivesse um efeito de contágio na zona euro, as consequências económicas para a União Europeia seriam desastrosas.
Muito menos exaustiva tem sido a análise das consequências políticas internas de um default grego. A Grécia é um Estado relativamente frágil, tendo sido governada desde 1974 pela alternância de dois partidos populistas que mantiveram o poder, em larga medida, recorrendo a práticas de clientelismo e corrupção: o Partido Nova Democracia, de centro-direita, sob a alçada da família Karamanlis; e o PASOK, de centro-esquerda, sob a alçada dos sucessores de Papandreou. As eleições gerais de Abril irão quase certamente mostrar que o resultado da austeridade foi o descrédito total destes dois partidos do centro, enquanto nos bastidores se preparam para avançar o Partido Comunista Grego (KKE), à esquerda, e o LOAS (Concentração Popular Ortodoxa), o partido de extrema-direita liderado pelo ultra-nacionalista Georgios Karatzaferis. Ambos assumiram o compromisso de sair do euro.
Suponhamos que a Grécia abandona o euro a seguir às eleições – uma aposta bastante segura dado que, mesmo que uma coligação do centro pudesse ser formada sem o KKE ou o LOAS, é difícil perceber como seria possível uma governação eficaz à medida que as condições económicas continuamente se deterioram. A saída do euro resultaria, para a Grécia, num crescimento da inflação por três motivos. Primeiro, o Novo Dracma (ND) depreciar-se-ia de um dia para o outro tornando as importações (incluindo de alimentos) muito mais caras. Segundo, o sistema bancário da Grécia necessitaria de ser totalmente recapitalizado. Finalmente, impedido de se refinanciar junto da troika e dos mercados financeiros, o défice público, que ronda agora os 10% do PIB, teria que ser financiado em ND através da emissão de dinheiro. A desvalorização seguida de monetarização à escala exigida pelo financiamento do défice e recapitalização dos bancos conduziria, com toda a certeza, a hiperinflação.
A peça que falta neste puzzle é o exército grego. As despesas militares situam-se nos 5% do PIB, cerca do dobro da média da NATO. Até recentemente, este aspecto da “prodigalidade grega” não foi questionado pela troika; por um lado, porque o país importa o seu armamento da França, Alemanha e EUA; por outro, porque os militares (à semelhança da oligarquia grega) detêm uma enorme influência política.
As ilações a tirar são claras. As acções da troika na Grécia são desastrosas. Sem um Governo estável, a saída da Grécia do euro levará a um caos político crescente, e este caos conduzirá à intervenção militar como meio de repor a ordem. Aqueles com idade suficiente para se lembrarem da guerra civil de 1946-48 ou do golpe dos coronéis de 1967 lembrar-se-ão de que o Ocidente fez vista grossa à repressão que se seguiu; milhares foram torturados ou mortos e ambos os partidos comunista e social-democrata foram tornados ilegais por mais que uma geração. A história pode estar prestes a repetir-se.
George Irvin, Social Europe Journal, 21 Fev 2012.
Tradução de Sandra Paiva; revisão de Paulo Coimbra.
Publicado no ESQUERDA.NET | Artigo original aqui.
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