terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Pieguices ou como Passos Coelho é uma besta

Pedro Passos Coelho quer que eu me queixe menos e seja menos piegas.

Dois epítetos que me convêm, aliás. Gosto pouco de saber que crianças desmaiam de fome em escolas públicas. Também não gosto de saber que, no interior do país, essas crianças são obrigadas a andar quilómetros a pé, debaixo de chuva e neve, para aprender a respeitar as instituições de uma República que não quer saber delas para nada.

Não tenho grande jeito para pieguices. Se tivesse, não diria o que penso do Primeiro-Ministro eleito: é uma besta. Eu posso proferir estes impropérios, porque não fui eleito. O sr. PM não pode. É titular de um cargo dotado de uma dignidade específica, no qual se plasmam representações colectivas. Mas tergiverso.

Dizia eu que o sr. PM é uma besta. E, tal como deseja que me queixe menos e seja menos piegas, eu desejo, aliás exijo, que Passos Coelho fale menos, para tirar menos vezes as dúvidas acerca de quão paupérrimo é o seu intelecto (talvez lhe faça falta ler Mark Twain, decerto; quando andei nos comboios da linha de Sintra, que decidiu escavacar, tive a oportunidade de ler), e que seja menos estúpido, para proceder, como membro dessa coisa inana chamada "classe política", da forma mais adequada à manutenção das instituições e à provisão dos bens públicos que, até ver, o Estado está mais apetrechado para aprovisionar.

É evidente que, sendo o PM exemplar magno do "estúpido" como definido por Carlo Cipolla, prefere afinar pelo mesmo diapasão que Assunção Esteves, segunda figura de Estado e moralista benemérita que define os deputados à AR enquanto seres platónicos, moralmente impolutos (faltou-lhe ouvir Mendes Bota, presidente da Comissão de Ética da mesma AR, dizer que não se pode exigir "demasiada" integridade aos deputados, ou não haveria nenhum), ou Cavaco Silva, que perora sobre a vida fácil dos portugueses. Ou sobre Vítor Bento, que fala do bolo social e de como nem toda a gente poderá beneficiar dele. Ou Henrique Medina Carreira, outra besta de carga. Esqueçamos a pena; tiremos os martelos do armário e dêmos-lhes com eles, porque a época da polidez acabou e a esquerda precisa de refazer a sua estatura moral. Queixinhas? Piegas? No único de seis países onde a "austeridade expansionista" afecta mais os que já não têm nada que aqueles que podem enfiar o dinheiro em offshores? Esta "classe política" sofre de um síndroma, aliás mal explicado pelo Barómetro da Democracia do ICS - UL, que é explicável pela falta de sensibilidade aos sinais. Sinais de revolta e colapso. Sinais de sons e de fúrias. Não é que lhes importe. Não importa. Preferem ir para Luanda "reencontrar" um passado podre e dar antibiótico ao regime angolano, esperando que ninguém se lembre de perguntar "então e a ética?" ou "então e o destino colectivo de Portugal?". E ninguém perguntou. Porque são estes verdugos, estas amibas vácuas, estes intelectuais orgânicos que lêem, a partir de missais apodrecidos, as soluções milagrosas que salvarão Portugal de ser como a Grécia. Chega. O tempo do respeitinho precisa de chegar ao termo.

Pieguices, pois. Sr. Primeiro-Ministro, deixe de ser uma besta, observe a realidade e respeite a república. Esta é a minha resposta. Porque já basta de desprezo e sobranceria. Como cidadão, não aceito lições de moral de gentalha do seu calibre. Até hoje, tive o bom senso de me calar. Agora não. Querem calar-nos? Pois vamos descobrir a podridão dos vossos negócios e nomeações, das vossas privatizações porcas e da vossa sobranceria. Os dados estão aí.

PS. Prós e Contras. Manuel Forjaz desconfia da coisa pública mas clama por uma liderança visionária. Diz que há história a mais mas não parece saber quem foi Schumpeter. Adora o empreendedorismo mas não sabe que o empreendedorismo é uma panaceia idiota usada nas sociedades mediterrânicas para justificar desequilíbrios históricos. O bronze e os gestos expansivos, aprendidos em feiras e conferências de negócios, escondem uma pobreza assustadora. Porque as empresas, as empresas e as empresas. E ficamos na mesma. Importar modelos absurdos e usar regras e esquadros, como se fosse a solução mágica. Forjaz e todos os empreendedorocratas não passam de Panoramixes solipsistas.

8 comentários:

  1. Ser piegas é coisa de banqueiro... patético.

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  2. É preciso agir, “avisar toda a gente” - para que todos percebam - que estamos a ser governados por bestas. Isto já não vai com pieguices.

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  3. Por mais que haja razão e verdade em tudo o que é dito, este tom desagrada-me e não me mobiliza. Esta superioridade moral suportada por um intelectualismo agressivo é um caminho que deve agradar acima de tudo ao políticos que podem dar largas à sua raiva, ódio e agressão. Não acredito que leve muitas pessoas a refletir nestas questões. Parece-me a voz de um ódio reprimido auto-centrado. É um texto cheio de maturidade intelectual, mas o que é que a imaturidade emocional deste texto traz no mundo?

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  4. Bem, há mais ou menos um ano diziam que eram "pintelhos", há seis meses para cá têm aplicado os "pintelhos" um por um. Depois Cavaco Silva atira-nos com as figuras do pastor no mundo rural, há dias um cronista é suspenso da Antena 1 por comentar o estado deplorável da propaganda à ex-colónia que nos quer comprar, ainda esta semana somos piegas. (ah e o senhor dos pintelhos, está a ganhar uns tantos pintelhos por mês porque a sua fama chegou à china... onde apreciam pintelhos e são contra a depilação)

    Bem, eu tenho escrito sobre isto, daqui a pouco estamos a ouvir novamente: "beber vinho é dar em prego a 1 milhão de portugueses" (substituam por "comer natas"). Em pleno século XXI a minha irmã de 15 anos é obrigada a pagar 58€ por mês para fazer 17km para ir para a escola, ou então 6,6€ por dia se não tiver passe, porque o Presidente da Câmara Municipal (mandatário da campanha de Cavaco Silva para o Alentejo) deixou de pagar passes escolares unilateralmente.

    É deplorável! Luís, convido-o a ler os meus apontamentos em http://joaopereirinha.blogs.sapo.pt

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  5. sGonçalo, lamento, mas não escrevo para mobilizá-lo. Escrevo sobre aquilo que me parece apropriado. Terá percebido que não é um texto reflexivo, julgo. Nem todos precisam de sê-lo, acho. A sua crítica é legítima, mas não arescenta grande coisa. Não escrevo para divertir os leitores. Em todo o caso, diria que labora no erro de considerar que os tons devem ser equivalentes, quaisquer as fontes das mensagens. Um texto num blogue pouco lido, de acordo com a estrutura do seu argumento, deve usar de uma temperança pedagógica? Desculpe, não aceito essa ideia.

    Quanto a ódio auto-centrado, deixe-se de parvoíces e critique coisas de jeito. E... superioridade? Sobre o quê, quem, quando e porquê? Levo essa observação muito a sério e acho-a injustificada. Onde está essa superioridade plasmada? Como prova essa crítica?

    Se quiser debater as falsas equivalências, podemos fazê-lo. Mas não julgará, decerto, que tenho o dever da polidez e da temperança nos tempos que correm. Pedro Passos Coelho é uma besta. Diria mesmo mais: é uma alimária com poder para definir a vida de muita gente. Se quer polidez, sugiro que leia os dichotes de António José Seguro. Esse não tem complexos de superioridade nem agressividade.

    Acabo com uma paráfrase de Steve Biko, universalizável para lá do apartheid: a maior arma do opressor é a mente do oprimido. E essa ideia de temperança reflexiva, como se a esquerda combativa deixasse de ter argumentos legítimos, é reaccionária. A esquerda precisa de não ter vergonha dos seus pergaminhos - nem esconder a barbárie, nem esconder a sua visão, nem ser condescendente. E, Gonçalo, se veio à procura de condescendência, está na tasca errada. A esquerda passou vinte anos em condescendências. Para mim, a agressividade tem mais é que sair do armário, porque a agressão, diária e agreste, já nos é imposta pelos arcos austeritários.

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    1. Luís Bernardo:
      Começar por dizer que tem todo o direito de escrever como quiser, eu defenderei sempre isso. Como eu tenho o direito de refletir publicamente sobre o que é dito e como e dito.

      Mas dada a visibilidade e importância que dou a este blog e estas vozes, quis partilhar como na minha experiência esta abordagem não funciona e como ela é imatura. Eu nunca consegui convencer ninguém sem gerar primeiro disponibilidade do outro lado para ser ouvido.

      Uma das coisas mais simples que aprendi é que a melhor maneira para não trocar ideias de forma honesta é ser agressivo. A partir daí deixa de haver tentativa de entendimento, apenas reacções cheias de factos e "ideias como armas" que extremam posições, aguçam as defesas e pronto… tempo perdido, violência ou sofrimento.

      Eu concordo consigo e sinto a mesma raiva, ódio e vontade de agredir. Mas esquecer que o mundo é em grande parte emoções e reduzi-lo a argumentação; é achar que todos os que não pensam como eu são parvos. Mas talvez sejam parvos e muito mais que isso.

      Emoção é o que não falta no seu texto, mas trata-se de uma emocionalidade extremamente reativa e sedenta. Ter maturidade, parece-se estar relacionado com capacidade de aceitar emoções destrutivas e retardar a reacção para poder existir comunicação. Sem isto, dou voz a uma necessidade de explodir primária e infantil. Comportamento este que por não ser filtrado é auto-centrado… "o mais importante é ver-se livre dessa angústia". Claro que ter todos os seus argumentos (e razão) o faz sentir que está no caminho certo. E eu concordo com eles.

      Reduzir o mundo a argumentos e factos, temperados com ironia, como se os factos fossem suficientes, como se não ouvisse mais factos por vir, como se cada pessoa não fosse muito mais que isso, parece-me pouco.

      Digo que o seu tom está tomado de superioridade, não porque não acredite que existem perspetivas superiores a outras, antes porque só fez metade do caminho... o racional. Porque está demasiado seguro de que está certo, deixa de respeitar o outro.

      Tal como diz que o Passos é uma besta, eu também disse que você era auto-centrado e isso foi violento, não conseguiu evitar reagir.

      Do ponto de vista pessoal sou sensível ao dualismo direita/esquerda, porque penso que esta visão só traz mais mal entendidos. Vejo a esquerda como a necessidade de ter estruturas e instituições sociais qu apoiem e promovam a igualdade (e deixar espaço para podermos ser opcionalmente desiguais). Vejo a direita como a capacidade de o indivíduo se responsabilizar pela sua própria ação, ser autónomo e responsável. Logo, tanto eu como eu você somos de direita e de esquerda, e eu alturas diferentes accionamos mecanismos diferentes.

      E concordo, "a maior arma do opressor é a mente do oprimido", a melhor maneira de justificar a minha violência é ver agressão do outro lado. Aliás, ao ver agressão a minha tendência natural é ser agressivo, felizmente posso reflectir sobre o resultado das minhas ações e escolher como agir.

      E claro, todo o meu discurso tem um tom moralista, ético, ou não fosse a ética a tentativa de encontrar a melhor maneira de viver-mos em sociedade.

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    2. De onde se percebe finalmente que todos os problemas do mundo derivam da falta de lateralidade... A malta não sabe para onde se há de virar, mete os pés pelas mãos e é o que se vê. Você é instrutivo, Gonçalo!

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    3. Não encontro, em nenhum ponto da sua resposta, uma prova de que mantenho qualquer complexo de superioridade. Mantém a sua ideia de que a acção comunicativa, ao estilo de Habermas, é a única conducente à democracia e a uma esfera pública plurar. É uma visão recorrentemente contestada. Contesto-a porque, tal como o Gonçalo, centenas de críticos entendem que a agressividade e o uso das emoções - sentipensar, diria o Eduardo Galeano - são recursos indisponíveis à esquerda, porque não pode nunca usar de agressividade para defender ideias de igualdade e fraternidade. É falso, é pernicioso e é reaccionário. Pouco me importa que não o mobilize: se anda à procura de falsas equivalências, não as encontrará comigo. Neste caso e conjuntura histórica, a sua acusação de imaturidade, para mim, comprova a leitura deficiente que muita gente tem feito do momento que vivemos. É a mesma gente que ainda pensa que o caminho é só Martin Luther King, Jr. Alguém que não teria tido a notoriedade que teve sem a agonística de um Malcolm X ou de um Eldridge Cleaver. Gonçalo, sobrestime a racionalidade e o poder da argumentação se quiser: ainda não conseguiu apresentar um argumento coerente em defesa da imaturidade emocional, reactividade, complexo de superioridade moral ou outros vícios retóricos no meu texto. O qual vive num ecossistema de significados que podem alterar-lhe o sentido - e eu nunca defendi que esta era a minha perspectiva analítica do problema do distanciamento entre as elites políticas e a comunidade cidadã. Isso ficaria para outros carnavais. Por ora, peço que demonstre, com recurso às minhas palavras, que laborei nesses problemas todos, especialmente o da imaturidade emocional - que, da forma como a coloca, parece ser mais o problema de eu não ser condescendente com Passos Coelho e achar que se trata de uma genuína besta, não de uma pessoa com insuficiências cognitivas. Como já disse, se quer condescendência esquerdista, sugiro que a procure noutros cantos da blogosfera. Da minha parte, pode contar com escritos de tom desagradável e pouco construtivos. Não vão mobilizá-lo. Paciência. Há-de haver para aí um Gandhi-Habermas disposto a fazê-lo. Até me podem dar como membro da esquerda reformista - e sou-o, em grande medida , mas nunca como correligionário da esquerda conciliadora. Se são bestas, chamo-lhes de bestas; quero que o respeitinho vá bardamerda (e desculpe lá a linguagem imatura). É preciso aturdir o neoliberalismo, atingi-lo com as capacidades que temos, não assumir que podemos conciliar-nos com ele ou com esta classe de bicharada purulenta, vidrada na privatização da vída pública e na catroguização da economia. Não é um jogo equilibrado e é preciso lutar. Se julga que cedo à tentação da reacção pavloviana, parece-me que deve reler o que tenho escrito aqui. Estamos em posição de mandá-los à merda porque temos alternativas. E, se o PM deste país considera que é mal pago, mais besta lhe chamo. As dinâmicas políticas, Gonçalo, são menos habermasianas do que pensa. Há coisas como conflito, desigualdade e assimetrias de poder. Há coisas como hegemonia e produção de consenso. E a sua insistência numa estrutura dialógica da democracia é que demonstra imaturidade.

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