terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Que vergonha para a Europa, a traição à Grécia.






O Capitalismo triunfa enquanto Estados da UE sacrificam o povo Grego numa tentativa desesperada de apaziguar os deuses da especulação.

O comportamento dos Estados da UE relativamente à Grécia é inexplicável nos termos em que a UE se define a si própria. É, primeiro e antes de qualquer outra coisa, um falhanço da solidariedade.

O “pacote de austeridade”, como os jornais gostam de lhe chamar, pretende impor à Grécia termos que o povo não pode aceitar.

Mesmo agora, as escolas estão a ficar sem livros. Em 2010 houve cortes de 40% no orçamento de Estado para a Saúde – não consigo encontrar o valor actual. Os “parceiros” Europeus da Grécia estão a exigir cortes de 32% no salário mínimo para trabalhadores com menos de 25 anos e de 22% no de trabalhadores com mais de 25 anos.

O desemprego na faixa dos que têm entre 15 e 24 anos é actualmente de 48% - já deve ter aumentado, entretanto. O nível global do desemprego aumentou para mais de 20%. O despedimento dos trabalhadores do sector público vai agravar este número. A recessão que se espera seguir a imposição do pacote de austeridade causará níveis insuportáveis de desemprego a todos os níveis.

O “pacote” exige ainda o corte de pensões e remunerações do sector público, a privatização por atacado de bens públicos – uma verdadeira liquidação total, dado que os mercados estão a bater no fundo – e cortes de serviços públicos como saúde, segurança social e educação. Tudo isto a ser supervisionado por não Gregos. Um sistema perfeito de imposição de disciplina e punição.

Quando, casualmente, usamos um termo como “resgate”, é importante lembrar que não é o povo quem está a ser resgatado, ou, pelo menos, não é o povo Grego. O resgate não salvará uma única vida grega - pelo contrário. O que está a ser “resgatado” é o sistema financeiro, incluindo bancos, fundos de investimento e fundos de pensões dos outros Estados membros, e é o povo Grego que será obrigado a pagar – em dinheiro, em tempo, em dor física, em desespero e em oportunidades perdidas. O termo relativamente neutro, até estóico, “austeridade” é um insulto grosseiro ao povo Grego. Isto não é austeridade; na melhor das hipóteses é crueldade.

Para além desta crueldade, é bom lembrar que a estratégia em si não tem nenhum sentido. Todo e qualquer observador medianamente inteligente já concordou que os cortes não produzem crescimento. Actualmente, o nível mais elevado de crescimento da Europa é o da Polónia, onde a economia está a ser conduzida por um investimento público massivo. Nas nações da “austeridade”, incluindo o Reino Unido, O PIB está ou estagnado ou a diminuir.

No fundo, esta crise representa a incapacidade dos Estados Europeus mostrarem solidariedade face aos ataques dos mercados financeiros. À primeira vista, este parece ser um combate simples: de um lado, estão os estados-nação, que têm como razão de existir o bem-estar dos seus cidadãos; do outro, temos o Capitalismo global, representado pelos mercados financeiros, que tem como razão existir a riqueza de uma pequena minoria. Mas por um período considerável, os estados-nação identificaram-se com estes mesmos mercados. Os Estados aceitaram ver-se a si mesmos não como sociedades mas como economias. Há bem pouco tempo todos fomos levados a acreditar que o mercado, por si só, seria capaz de satisfazer as necessidades dos cidadãos de uma forma muito mais eficiente do que as instituições nas quais os cidadãos confiam e que, ao longo de gerações, construíram como garantias contra a vingança do próprio mercado.

Este é o verdadeiro triunfo do Capitalismo – o facto de ter convencido o mundo que o capitalismo é o mundo.

Isto destruiu 200 anos de luta entre os pobres e os muito ricos. Os sindicatos não apareceram do nada; eles foram uma resposta à exploração. A sua derrota levou à ubiquidade do trabalho precário, e agora, como lhe chamam, livre. Os trabalhadores não são protegidos nos seus locais de trabalho por capitalistas; são protegidos por leis conquistadas pela luta contra o capitalismo.

Uma sweatshop na China não é só um assalto directo aos direitos dos trabalhadores Chineses mas sim aos direitos de todos os trabalhadores. O Internacionalismo socialista e solidário foi concebido como forma de derrotar esta armadilha.

Os velhos não morrem nas ruas, não porque a caridade os tenha salvado; mas porque 200 anos de luta lhes trouxeram pensões de reforma e saúde pública. A privatização destes serviços é um retorno claro ao século XIX. Nenhum destes direitos teria sido ganho se em 1821 as pessoas se tivessem identificado com o capitalismo, com os milionários da altura. Agora que fomos arrastados para essa identificação, corremos o risco de os perder inexoravelmente.

Vemos agora o capitalismo no seu apogeu. Polícias Gregos espancam cidadãos Gregos para impor a vontade de bancos e fundos de investimento. Os estados membros, incluindo a Irlanda, são os intermediários, os capachos do capital. Em vez de estender a mão, dizemos “antes eles que nós”. Como se os mercados decidissem poupar a Irlanda quando acabarem com a Grécia. Solidariedade não tem só a ver com compaixão pelo nosso semelhante; pode também ser interesse próprio. Um por todos e todos por um. Vencemos ou caímos juntos. Há força na unidade.

Em vez disto, decidimos sacrificar o povo Grego ao mercado na esperança de que o sacrifício apazigúe os deuses da especulação. Condenamo-lo à miséria e pobreza para manter a Standard & Poor’s fora do nosso encalço. Mas os nossos cálculos estão errados. Antes de mais, a esquerda comunista mantém-se nos 42% nas sondagens, o Pasok nos 8%. O Pasok (o partido principal do Governo) desaparecerá e uma combinação de partidos realmente de esquerda ganhará as próximas eleições. Estes não vão dobrar os joelhos e pôr a cabeça no cepo.

Penso que a Grécia sairá do Euro e entrará em incumprimento. Ninguém sabe o que se seguirá, mas dificilmente será pior do que lhe é exigido agora, e, pelo menos, será resultado de uma decisão sua. Os especuladores passarão algum tempo a ponderar em qual das outras economias irão concentrar as suas apostas. Talvez nessa altura o Governo Irlandês se arrependa da sua falta de solidariedade.

Seja qual for o desfecho, o nosso comportamento, bem como o dos nossos parceiros Europeus, tem sido vergonhoso.

Artigo de William Wall, publicado no The Guardian a 14 Fevereiro 2012.

Tradução de Sandra Paiva

Artigo original aqui.

3 comentários:

  1. Já não há paciência para aturar opiniões que não conseguem atingir o ponto fundamental: a Grécia endividou-se por vontade própria (manipularam as contas para entrar no Euro e entraram por opção própria)!

    Será que quem concorda com artigos como este, está disponível para emprestar dinheiro à Grécia sabendo que NÃO o vai receber de volta?

    Se assim é, força, metam lá dinheiro... em vez de petições, façam um peditório. E continuem a manter nações que vivem acima das suas posses. (O mesmo se pode aplicar a todo e qualquer "pessoa" que se acha no direito de viver à custa dos outros)

    NOTA: não concordei com a entrada de Portugal no Euro, mas como o Governo foi eleito em democracia pelo povo português, o povo que assuma a responsabilidade.

    Agora que cá estamos, temos de honrar os nossos compromissos. Pois não quero ser reconhecido como ladrão... se bem que muitos portugueses, que não têm vergonha na cara, não teriam esse problema.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fernando, os "pontos fundamentais" são, entre milhentos outros (i.e. não há um ponto fundamental), estes: uma zona monetária unificada sem prestamista de último recurso não funciona. Um sistema (aberto) institucional em que a única entidade democraticamente eleita não pode ter iniciativa legislativa não funciona. Usar de predicados lógicos moralistas para fundamentar posições sobre procedimentos macroeconómicos é errado. Você devia ter vergonha era de fazer juízos falaciosos e falar pela cavidade errada. Disso é que devia ter vergonha.

      Um esclarecimento sobre dívida pública e juros: o juro é um prémio de risco. Se os "mercados", ou seja, os investidores que, na sua grande maioria, configuraram o sistema de transacção obrigacionista que está, hoje, em vigor na Europa, aceitaram emprestar com juro, assumiram esse risco. Se os seus departamentos de avaliação de risco falharam, o problema devia ser deles: o que se passa é que assumiram que as obrigações de dívida pública eram activos livres de risco, apesar de não existir NADA desprovido de risco no mundo. E, portanto, investiram nessas obrigações e nos produtos derivados dessas obrigações (agora diga-me se as famílias, as pessoas de carne e osso - é disso que está a falar, sabia?, quando se refere, em tom escarnecedor, à "Grécia" - também devem suportar os custos das apostas da Goldman Sachs em mercados OTC), esperando retornos fabulosos. Se não aceita a premissa de que o juro é um prémio de risco que permite consensualizar, entre as partes, a probabilidade do incumprimento futuro do contrato, então há aí qualquer coisa engasgada.

      Sobre o seu terceiro parágrafo: nenhum país vive acima das suas posses - aquilo que existe, neste momento, é uma série de constrangimentos voluntários baseados em premissas erradas, dados empíricos inexistentes e muita ignorância. Há instrumentos políticos para criar posses no sentido macroeconómico. Os agentes políticos não os usam porque se auto-limitam e desrespeitam o vínculo comunitário que suporta qualquer comunidade política em que a democracia liberal, pluralista e representativa (regime sobre o qual tenho as minhas dúvidas, mas é o menos mau que já tem aparecido, como dizia o outro) se baseia. De resto, "Pessoa" e "nação" são categorias que não podem ser comparadas. Pode comparar um aminoácido à Amazónia? Não, não pode. É uma falácia. Encontre outra comparação plausível.

      Quanto a isso do "Governo foi eleito em democracia pelo povo português", também outra ideia: o povo não legitima um Governo para agir sem limites e um Governo funciona num ecossistema institucional; se considera essa deposição cega de legitimidade democrática, há qualquer coisa nessas leituras de Rousseau, dos federalistas, de Tocqueville e milhares de outros que não está a funcionar.

      De resto, francamente, deixei de ter paciência para observações grotescas e ignorantes. Vá arranjar argumentos de jeito e volte cá para debater a sério. De outro modo, vá vituperar para outro lado.

      Excluir
  2. Da impossibilidade económica/matemática de pagar a dívida: http://portugaluncut.blogspot.com/2012/02/o-barometro-da-divida-publica-do.html. Espero que ajude.

    ResponderExcluir