Numa conferência proferida na semana passada na Universidade Lusófona, Pedro Passos Coelho defendeu a ideia de constituição de parcerias público-privadas nas áreas da educação, saúde e acção social. O que significa, por exemplo na esfera educativa, a adopção de um conceito de «rede nacional de ensino», que incluiria as escolas públicas e privadas, ou seja, uma oferta «vista em conjunto». Justificando a proposta e referindo-se explicitamente ao ensino superior, Passos Coelho considerou que «aqueles que hoje estão no ensino público beneficiam de um custo, porque têm um pagamento beneficiado pelo Estado, que aqueles que precisam de recorrer ao ensino não público têm de enfrentar».
É claro que não passa pela cabeça do líder «social-democrata» que o problema detectado tem uma resposta alternativa à dita «visão de conjunto»: a expansão da oferta pública, tornando supletiva (ou verdadeiramente opcional) a frequência das instituições de ensino superior privado. Tal como não lhe interessa perceber que a natureza intrínseca dos serviços públicos prestados pelo Estado (e a necessidade de os mesmos se constituirem enquanto rede e segundo um princípio de cobertura territorial e de oferta formativa) não é compatível com os mecanismos privados de prestação de serviços.
Mas colocando de lado a discussão ideológica, Pedro Passos Coelho revela aparentemente desconhecer (de facto ou de forma deliberada) que o Estado já concede, desde 1997, apoio a alunos do ensino superior privado, sob a forma de bolsas (que têm uma componente relativa a propinas). Um apoio que abrangia cerca de 36% dos candidatos em 1997/98 e que rapidamente se estendeu a um contingente muito significativo de alunos, fixando-se em cerca de 63% em 2006/07 (informação mais recente disponibilizada pelo GPEARI).
As verdadeiras intenções do PSD de Passos Coelho (e dos interesses que representa), tornam-se todavia mais claras quando constatamos que o que está em causa é, essencialmente, a própria sobrevivência do ensino superior privado. Com efeito, o número de alunos inscritos tem vindo a decair ano após ano (passando de cerca de 114 mil em 1995/96 para cerca de 90 mil em 2008/09), apesar do absurdo volume de vagas (cerca 50 mil) que este subsistema oferece anualmente aos candidatos ao ensino superior. O que contrasta, nitidamente, com a expansão progressiva do ensino superior público, que viu aumentar o número de inscritos em cerca de 42% no mesmo período (passando de cerca de 200 mil em 1995/96 para cerca de 282 mil em 2008/09). O peso do ensino superior privado em Portugal passou assim de cerca de 1/3 para 1/4 dos total de alunos inscritos.
Mas tomando a proposta de Passos Coelho, que assenta na ideia do cheque-ensino (ou, em alternativa, do pagamento directo de custos pelo Estado às instituições de ensino superior privado), impõe-se uma questão: de onde vem o dinheiro necessário? Há duas alternativas: ou implica um reforço orçamental do MTCES (o que seria estranho num partido que grita em todas as direcções contra a «gordura» do Estado) ou implica um corte no orçamento das instituições de ensino superior público, degradando ainda mais as condições de sub-financiamento a que têm sido sujeitas. A opção, já o sabemos, seria certamente a segunda, revelando as intenções mais inconfessáveis: se não consegues competir no plano da qualidade, estrangula-a.
Esta proposta do PSD é, assim, não só reveladora do regresso do «compra-me isso Portugal» (que se eclipsou curiosamente durante a eclosão da crise financeira), mas também da crónica incapacidade da famigerada «iniciativa privada» para viver sem ser à sombra do Estado. O que há de verdadeiramente ideológico no «novo modelo de governação» que Passos Coelho propõe é muito menos do que se poderia supor. Do que se trata é mesmo de ir ao pote. De pura parasitagem.
(Também publicado no Ladrões de Bicicletas)
Nenhum comentário:
Postar um comentário